sexta-feira, 18 de julho de 2008

Tolerância Religiosa: a nova exportação Saudita

Patrocinada pelo rei Abdullah da Arábia Saudita decorre em Madrid uma conferência inter-religiosa que reuniu Muçulmanos, cristãos, judeus e budistas. A iniciativa contou com a anuência da casa real espanhola (que cedeu o Palácio do Prado) e a participação de conhecidas individualidades como o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, o activista americano Jesse Jackson, diversos membros do governo espanhol, e ainda o cardeal Jean Louis Tauran (Representante do Papa Bento XVI), presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso.

O Rei Abdullah é cumprimentado pelos participantes na Conferência de Madrid
Na sessão de abertura, o monarca saudita afirmou: "Trago comigo uma mensagem da nação islâmica representada pelos seus teólogos e pensadores que se reuniram na cidade de Meca, uma mensagem que anuncia que o Islão é a religião da moderação, da ponderação e da tolerância".

A iniciativa do rei Abdullah foi elogiada como sendo “corajosa”. Os seus admirdores lembram que ele foi o primeiro monarca saudita a encontrar-se com o Papa. E acrescentam provavelmente ele será criticado por radicais islâmicos por se ter reunido com judeus “sionistas” em Madrid.

Mas esta iniciativa saudita também recebeu uma boa dose de críticas. Há quem considere tudo isto uma mera jogada de propaganda e recorde que o Wahabismo (a corrente sunita praticada na Arábia Saudita) é uma das mais conservadoras e intolerantes formas de religião. Diga-se, a propósito que no mesmo dia da inauguração da conferência, um saudita ismaeli que já cumpriu 15 anos de prisão por ofensas a Maomé, acaba de ser condenado à morte pelo mesmo motivo.

Claro que tudo isto é muito estranho.

Na minha opinião estamos perante um enorme jogo de hipocrisia. Considere-se por exemplo, porque é que a conferência se realiza em Madrid e não em Meca, ou qualquer outro local da Arábia Saudita. O motivo é simples: o reino Saudita é o único país árabe em que o culto das religiões não-muçulmanas está proibido; dificilmente ali se poderiam reunir rabinos e bispos (já para não falar de sacerdotes budistas).

Depois podemos questionar a legitimidade moral da Arábia Saudita para promover uma iniciativa destas. Afinal é naquele país que os livros escolares ensinam que judeus e cristãos são macacos e porcos, que os xiitas são politeístas, que as universidades americanas de Beirute e do Cairo são parte de uma cruzada contínua, que se ensina como se devem matar homossexuais e apóstatas, e se demonizam Baha’is e Ahmadiyyas.

Enfim. Quem quiser pode acreditar que depois do petróleo e do wahabismo, a tolerância religiosa é agora a nova exportação saudita. Pela minha parte apenas lamento que essa mesma tolerância religiosa não seja usada para consumo interno naquele país.

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Sobre este assunto:
Saudi king appeals for tolerance (BBC)
Le roi Abdallah, promoteur du dialogue interreligieux (Le Monde)
Ouverture saoudienne (Le Monde - Editorial)
Las grandes religiones dialogan en Madrid para mejorar su imagen (El Pais)
Religiones para acabar con la "barbarie terrorista" (El Pais)
Saudi king opens Madrid inter-faith conference (JPost)
Saudi Arabia to present new image at Madrid forum (Khaleej Times)

3 comentários:

Joaquim Baptista disse...

Marco tens toda a razão, há que desconfiar desses tipos

Anónimo disse...

Então aguardemos para ver quem tem coragem para se levantar e denunciar abertamente estas posições da Arábia Saudita.
Quem estará disposto a arriscar o "politicamente corrrecto" (independentemente da língua) e uns tantos interessezitos de bastidores (sei lá...$$$, £, €...)?
"O Islão é a religião da moderação, da ponderação e da tolerância"? Mas isso já sabemos, tanto que começam logo por fazer a conferência em terra alheia...pelo sim, pelo não (não vão os teólogos e pensadores mudar de ideias!).
Bem, recorramos àquela do "há que dar o primeiro passo", não é?

Anónimo disse...

Pelo que sei, a sociedade saudita é bem mais conservadora do que o rei. Foi o rei que autorizou as mulheres a conduzir automóveis, e foi a sociedade (sobre influência do clero) que se revoltou contra essa lei.