22 de Fevereiro de 2011
Que a educação e a formação das mulheres e das jovens são fundamentais para o bem-estar e progresso das comunidades e das nações, isso é um facto definitivamente estabelecido. Os benefícios dessa educação têm sido tradicionalmente enquadrados em termos de crescimento económico, mas o bem-estar material é apenas uma das muitas condições que afecta a participação das mulheres e das jovens na formação da sociedade. Alcançar um aumento significativo e sustentável desta participação vai exigir um diálogo mais aprofundado sobre a natureza do desenvolvimento, "modernidade", e a organização actividade geradora de conhecimento.
O ser humano não é apenas uma criatura económica e social, mas é também espiritual, com livre arbítrio e uma consciência que permite a busca de sentido e da verdade. Sem a liberdade para prosseguir esta busca essencialmente humana, nem dignidade, nem justiça, nem o desenvolvimento - na sua plena acepção - são possíveis. A Comunidade Internacional Bahá'í entende o desenvolvimento, como sendo um empreendimento global que permite a todos os indivíduos desenvolverem as suas capacidades inerentes e qualidades espirituais, e contribuir para o avanço da sua comunidade[1] . O desenvolvimento é uma iniciativa que exige esforços tanto dos homens como das mulheres, trabalhando juntos para construir uma ordem social caracterizada pela justiça, equidade, reciprocidade e prosperidade colectiva. Os sistemas de educação, ciência e tecnologia devem, por isso, ser organizados de forma a reflectir tanto as dimensões espirituais como materiais do ser humano, permitindo a cada pessoa desempenhar a sua legítima função na melhoria da sociedade.
Uma aula de formação no Barli Development Institute for Rural Women em Indore (India) |
A divisão do mundo em produtores e utilizadores do conhecimento, é uma característica deficiente da actual ordem mundial, com profundas implicações para a qualidade e legitimidade da educação, ciência e tecnologia, bem como para a governação e formulação de políticas. Se a maioria da humanidade continua a ser vista como utilizadores da tecnologia produzida algures, é improvável que um desenvolvimento significativo e sustentável crie raízes [2]. Se o acesso ao conhecimento é um direito de todo o ser humano, a participação na sua criação, aplicação e difusão é uma responsabilidade que cada indivíduo deve assumir e estar capacitado a assumir[3]. Reformar o fluxo actual de conhecimento - de "Norte" para "Sul", do urbano para o rural, dos homens para mulheres - libertará o desenvolvimento dos limitados conceitos de "modernização".
A experiência mundial da Comunidade Bahá'í no campo da educação e desenvolvimento comunitário, tem demonstrado que alguns conceitos são particularmente importantes para orientar os processos educativos (incluindo o desenvolvimento curricular) para atingir o objectivo final, nomeadamente a transformação dos indivíduos e das suas comunidades. Esses conceitos incluem:
* Educação espiritual e moral. No campo da educação, o desenvolvimento espiritual e moral tem estado frequentemente divorciado da formação intelectual e vocacional. Esta separação surgiu muitas vezes de intenções nobres de tolerância e respeito. No entanto, deve-se reconhecer que todas as sociedades são caracterizadas por interesses políticos, económicos e culturais que promovem padrões corrosivos do pensamento e do comportamento entre os jovens. Transmitir a capacidade de reflectir e aplicar princípios espirituais, morais e éticos será, por isso, indispensável para a tarefa de construir uma civilização mundial próspera.
* Repensar os estudantes, repensar os professores. Cada programa educacional baseia-se em pressupostos básicos sobre a natureza humana. Alcançar o desenvolvimento sustentável dependerá assim de repensar conceitos subjacentes a professores e alunos. A criança - longe de ser um recipiente vazio, esperando ser preenchido - deve ser vista como "uma mina rica em jóias de inestimável valor"; os seus tesouros poderão ser revelados e desenvolvidos para benefício da humanidade apenas através da educação. Da mesma forma os professores - cuja louvável profissão foi durante demasiado tempo negligenciada e subestimada – devem, do mesmo modo, reconhecer que se desejam efectuar uma transformação ao nível do carácter e do intelecto, devem, antes de tudo, personificar e seguir os princípios que ensinam.
* Aprendizagem sistemática e participação. O conceito de participação surge também sob uma nova luz. A participação efectiva requer um processo sistemático de aprendizagem dentro de cada comunidade, de forma a permitir à comunidade identificar as suas forças e as suas necessidades; experimentar novas ideias e métodos, novas tecnologias e processos; e, finalmente, tornarem-se os agentes primários do seu desenvolvimento. Um dos primeiros passos na criação de desenvolvimento participativo é promover o compromisso de um número crescente de indivíduos em processos de aprendizagem - caracterizados pela acção, pela reflexão sobre a acção e pela deliberação colectiva - num esforço constante para gerar e aplicar conhecimentos que melhorem as condições da vida comunitária.
* Transformação individual e social. A transformação da sociedade humana requer simultaneamente a transformação do indivíduo e a criação cuidadosa de novas estruturas sociais. Os indivíduos devem ser educados e capacitados, mas deve ser dada atenção às condições culturais, científicas e tecnológicas, educacionais, económicas e sociais que os vão moldar. A contínua interacção entre o desenvolvimento do indivíduo e a criação de novas estruturas sociais proporciona um rumo de mudança social e evita tanto a complacência como a violência.
* Solidariedade global. Os desafios associados com a remoção de obstáculos à educação e formação das meninas e das mulheres, exigirá um sistema de governação global que promova a segurança colectiva, a promoção dos direitos humanos, a sustentabilidade ambiental, e uma ordem económica equitativa e justa. Entre as suas características distintivas estará a adesão ao princípio da administração colectiva e a compreensão de que a vantagem de qualquer das partes pode ser melhor garantida com as vantagens do todo.
Permitir que um número crescente de jovens e mulheres possam aceder à educação e à formação, para desempenhar um papel activo na produção e aplicação da ciência e da tecnologia, não é apenas um questão de tecnologia ou economia. Pelo contrário, isto exige que as nações e as comunidades tenham de enfrentar uma gama muito maior de pressupostos sobre o desenvolvimento, a natureza humana, os processos de produção e partilha do conhecimento, do progresso e da modernidade. Os acordos políticos, só por si, serão insuficientes, bem como as estratégias e tácticas de puro pragmatismo. Somente quando a igualdade entre homens e mulheres - trabalhando lado a lado para a melhoria das suas comunidades - for elevada ao nível de "princípio", o verdadeiro potencial do espírito humano poderá começar a ser aproveitado. Quando os princípios da equidade, justiça e generosidade se tornarem métricas de avaliação do programa, e a natureza humana for considerada na sua totalidade, e não apenas na sua dimensão material, então inicia-se o verdadeiro desenvolvimento.
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[1] - Entre outros, estes incluem a capacidade de examinar vários pontos de vista e ideias, a capacidade de considerar novas perspectivas com uma mente aberta, a capacidade de ver a diversidade como uma fonte de força, a capacidade de diagnosticar a situação de uma comunidade local e de trabalhar para atingir a meta desejada, a capacidade de elevar o discurso ao nível de princípio moral ou espiritual, e a capacidade de auto-expressão. Qualidades espirituais incluem fidedignidade, justiça, honestidade, integridade, abnegação e humildade.
[2] - Tal como a organização da actividade científica, em qualquer cultura, é fortemente influenciada por forças culturais, sociais, económicas e políticas, o mesmo acontece com a actividade tecnológica. Por exemplo, apesar de muitos trabalhos agrícolas, nos países em desenvolvimento, serem realizados por mulheres de baixos rendimentos, os principais utilizadores e construtores das tecnologias agrícolas nesses países foram os homens. Um desafio fundamental é, por isso, o seguinte: como criar as condições e fortalecer as capacidades das mulheres para identificar as necessidades tecnológicas, e criar e adaptar tecnologias, em função das necessidades sociais e limitações de recursos. Como podem as mulheres passar de utilizadores passivos das tecnologias desenvolvidas noutros lugares, para agentes activos na criação de tecnologias que atendam às necessidades das suas famílias e comunidades? Como podem ser moldados os processos de desenvolvimento tecnológico para melhor reflectirem as necessidades básicas da população mundial, particularmente os marginalizados pelas forças do mercado actual? Estas perguntas desafiam-nos a considerar a "tecnologia moderna" sob uma luz diferente, ou seja, tecnologia que responda às necessidades definidas localmente e leve em conta a prosperidade material, social e espiritual da sociedade como um todo.
[3] - A questão de como a actividade científica e tecnológica deve ser organizada, de modo a permitir que as pessoas em todos os lugares possam participar ness actividade, é um desafio central do desenvolvimento. Grande parte do mundo está sem acesso à ciência, especialmente as raparigas e as mulheres. Para a maior parte, o conhecimento científico "moderno" é gerado nas universidades e centros de pesquisa especializados dos países industrializados, cada vez mais propriedade de empresas privadas. Apesar das instituições ligadas à ciência moderna desempenharem um papel de enorme valor, a aplicação do conhecimento com a finalidade de melhorar o bem-estar da humanidade, de forma equitativa, requer a participação de uma diversidade cada vez maior de mentes. Temos de considerar: quais são as implicações do predomínio do sexo masculino na liderança da investigação científica? Fariam as mulheres perguntas diferentes? Será que elas financiariam a investigação de forma diferente? Considerando que 95% da ciência moderna, no mundo, é criada em países que compõem apenas um quinto da população mundial, quais são as implicações da ausência dos outros quatro quintos, de países e culturas, na contribuição para a pesquisa científica?
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FONTE: Education and Training for the Betterment of Society (BIC)
1 comentário:
demasiada sabedoria para ser entendida ou tida em conta nos tempos que correm. É pena e possivelmente vamos matar-nos todos antes de a entendermos
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