quinta-feira, 26 de maio de 2016

Os Papéis do Panamá e os Pobres

Por David Langness.


Para o homem, a glória e a honra não se encontram nas fortunas e nas riquezas, muito menos em todas aquelas que foram acumuladas ilegalmente através da extorsão, da fraude e corrupção praticadas à custa de uma população explorada. ('Abdu'l-Baha, from Trustworthiness: A Cardinal Baha’i Virtue, a compilation of the Universal House of Justice, January 1987)

A recente fuga de informação designada “Papéis do Panamá” - mais de 11 milhões de documentos que revelam o mundo secreto de empresas de fachada, da evasão fiscal em paraísos fiscais e manipulação financeira global - deu ao mundo uma visão sobre a corrupção financeira e gerou indignação generalizada.

Estes documentos, quando forem disponibilizados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas e pela comunicação social, provavelmente, irão gerar ainda mais indignação.

Porquê? Muitas pessoas suspeitavam há bastante tempo que alguns bilionários super-ricos, líderes políticos corruptos e celebridades usavam métodos sub-reptícios para evitar impostos sobre os seus rendimentos; e os Papéis do Panamá provam isso mesmo. Provenientes de uma sociedade de advogados panamiana, especializada em ajudar os ricos a esconder grandes quantias de dinheiro, os Papéis do Panamá revelam um rasto de provas incriminatórias que indicam nomes, listas de valores e revela os métodos sofisticados usados pelos super-ricos para evitar pagar a sua justa parte de impostos.

As revelações dos Papeis do Panamá já provocaram a demissão de um chefe de Estado, e à medida que os detalhes dos documentos surgem lentamente, poderão provocar mais. Identificaram muitos líderes mundiais, políticos e os seus representantes financeiros em diversas nações - Rússia, China e vários países europeus e africanos - que ocultaram grandes somas de riqueza aos sistemas fiscais dos seus próprios países.

Isto é ilegal? Dependendo das leis de cada país; talvez sim ou talvez não. É imoral? Permitam-me explicar como tudo isto funciona, e então poderá responder por si próprio a essa pergunta.

Você já ouviu a palavra "cleptocracia"? O termo tem origem nas palavras gregas "kleptes" (ladrão) e "kratos" (poder). Uma cleptocracia é um governo que permite que a sua classe governante e os seus funcionários roubem grandes quantidades de riqueza. Seja por desvio de fundos públicos; seja através de favorecimentos de negócios, subornos, extorsão e corrupção; ou seja através de actividades criminosas e lavagem de dinheiro, os cleptocratas enriquecem através de transferências secretas dos seus lucros ilícitos para empresas de fachada, sociedades anónimas e contas bancárias secretas em paraísos ficais, muitas vezes não rastreáveis. Frequentemente, políticos e burocratas corruptos encontram maneiras de lucrar com a miséria do seu próprio país, e usam a sua tesouraria como a sua fonte de riqueza pessoal.

Não faltam exemplos. Vejam-se, por exemplo, as nações africanas do Sudão e do Sudão do Sul. O Sudão do Sul conquistou a sua independência em 2011, após uma prolongada guerra civil e a crise dos direitos humanos em Darfur. No entanto, isso não alterou a corrupção no Sudão; pelo contrário, floresceu. Designado como um dos países mais corruptos na Terra pelo Transparency International’s Corruption Perception Index (Índice de Percepção de Corrupção da Transparency International), o Sudão empreendeu a sua guerra interna, principalmente devido aos recursos. As tribos africanas pobres do Sul queriam a sua parte da riqueza do petróleo do país; e o governo no Norte, predominantemente árabe, não queria partilhá-la. Como consequência, o presidente sudanês, Omar al-Bashir, tornou-se o primeiro chefe de Estado a ser indiciado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio, acusado de dirigir uma campanha de assassinatos, violações e pilhagens em massa contra as tribos africanas do Sul. Enquanto isso, os dados Wikileaks mostram que al-Bashir tem 9 mil milhões de dólares (mais de 8 mil milhões de Euros) em contas bancárias em países estrangeiros - acusação que ele negou.

Então, porque se devem as pessoas preocupar se os super-ricos querem evitar pagar impostos sobre a sua riqueza?

Em primeiro lugar, fugir aos impostos destrói a capacidade de qualquer país cuidar das suas pessoas mais pobres.

Em segundo lugar, quando um cleptocrata esconde riqueza, levanta suspeitas de que a riqueza não foi obtida de forma legal.

Em terceiro lugar, quando as pessoas mais ricas, em qualquer sociedade fogem ao seu dever cívico de apoiar a sociedade, isso cria os chamados "Estados falhados" - nações que não podem cumprir as suas obrigações para com o seu povo ou para com a comunidade internacional.

Em quarto lugar, a riqueza oculta desestabiliza países inteiros e a própria comunidade de nações, transformando-as de nações credoras em nações devedoras.

Em quinto lugar, a riqueza escondida prejudica o desenvolvimento global, ao desviar e ocultar a riqueza que poderia ajudar a recuperar as economias mais pobres do mundo.

Em sexto lugar, as sinistras empresas de fachada que escondem riqueza tornaram-se os principais instrumentos para iludir as sanções internacionais contra países que patrocinam o terrorismo e Estados párias que violam os tratados internacionais, especialmente com a produção de armas nucleares.

Em sétimo lugar, e talvez mais o importante, toda esta riqueza oculta - estimada escondido pelo economista Gabriel Zucman, da Universidade de Berkeley, em 7.500.000.000.000 Dólares americanos, o dobro do PIB dos EUA - faz com que o fosso entre ricos e pobres seja cada vez maior. Ao permitir que os super-ricos que mantenham os seus biliões, sem pagar os devidos impostos, nenhum sistema justo e equitativo de tributação se pode aplicar; e o verdadeiro fardo do pagamento dos serviços do governo incide cada vez mais sobre aqueles que menos podem pagar.

Finalmente, fugir aos impostos não é justo. Essa falta de honestidade destrói a fé de todos no sistema de governação em que vivem e gera uma enorme raiva.

Os ensinamentos Bahá’ís têm muito a dizer sobre esta situação internacional profundamente injusta e apresentam um conjunto completo de soluções destinadas a promover a igualdade, a unidade e a justiça. Quando essas soluções forem aplicadas - e Bahá’ís acreditam que acabarão por ser uma realidade - o mundo começará a funcionar com muito mais eficiência e justiça.

Então, os 7.5 biliões de dólares ocultos - que mesmo que sendo a mais baixa das estimativas da riqueza total depositada em paraísos fiscais, representa 8% da economia global - iriam realmente beneficiar a humanidade, e não apenas alguns indivíduos corruptos.

Nesta série de artigos, vamos ver como os ensinamentos Bahá'ís abordam este enorme problema internacional.

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Texto original: The Panama Papers and the Poor (www.bahaiteachings.org)

Artigo seguinte: O fumo da corrupção envolve o Mundo



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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

1 comentário:

Márcia disse...

Excelente artigo, obrigado por compartilhar.