Para os seguidores de religiões recentes, uma das coisas mais surpreendentes sobre as escrituras Judaicas - conhecidas como Tanakh ou Antigo Testamento - é o seu silêncio relativo sobre a alma humana e a vida depois da morte. Este silêncio aparente leva a uma ideia errada de que o Judaísmo nada ensina sobre a vida depois da morte.
O mesmo facto levou os primeiros Protestantes a inclinarem-se para o conceito de “descanso da alma” ou “imortalidade condicional”. Na sua forma mais simples, esta doutrina sustenta que a morte física equivale à não-existência e que a vida é uma dádiva de Deus. A doutrina defende que os humanos morrem devido aos seus pecados e deixarão de existir até que sejam ressuscitados por Deus. O castigo dos condenados no fim dos tempos não é o tormento do fogo eterno, mas a morte eterna - a aniquilação total. Várias denominações, incluindo os Adventistas (herdeiros dos Milleritas do séc. XIX, cujas expectativas messiânicas se centram no ano 1844) mantêm estas crenças.
Esta perspectiva coincide parcialmente com os ensinamentos Bahá’ís, apesar de Bahá’u’lláh tornar claro que a nossa realidade espiritual sobrevive à morte do corpo. No entanto, esta alma não pode existir independente de Deus; pelo contrário, pertence a Deus e é um sinal dos Seus atributos. Neste sentido, Bahá’u’lláh escreveu, que a sua imortalidade é condicional ou contingente:
Quando a alma atinge a Presença de Deus, assumirá a forma que melhor convenha à sua imortalidade e seja digna da sua habitação celestial. Essa existência é contingente e não é uma existência absoluta, pois a primeira é precedida de uma causa, enquanto a segunda é independente disso. A existência absoluta está estritamente confinada a Deus, exaltada seja a Sua glória. (SEB, LXXXI)No pensamento Bahá’í, a situação dos ímpios após a morte pode ser descrita como um tipo de não-existência relativa:
Quanto à questão da aniquilação e destruição dos Espíritos… Não se pretendeu transmitir a ideia de que as almas descrentes são aniquiladas de forma absoluta. Não. Em vez disso, pretendeu-se dizer que a existência de espíritos malignos em comparação de almas santificadas era semelhante a uma aniquilação. Como podes observar de forma clara, a existência do mineral em comparação com a existência do homem é semelhante a uma não-existência… (Tablets of Abdul-Baha, Volume 1, pp. iv-v)Através dos ensinamentos Bahá’ís, sabemos que a misericórdia de Deus actua no outro mundo (comparar com Mat 12:32) e que até o maior cego, as almas mais não-existentes, podem ser redimidas através da Sua graça.
Mas voltemos aos ensinamentos da Bíblia Hebraica sobre a alma e a vida depois da morte: a sua reserva sobre estes assuntos significa uma negação dos mesmos? Os profetas hebreus ensinaram que não existe alma espiritual no homem, e que a existência termina com a morte física?
Muitos excertos da Bíblia excluem esta possibilidade. Um dos mais explícitos excertos é a afirmação de que o profeta Samuel apareceu postumamente ao primeiro rei israelita Saul, e profetizou a morte de Saul no dia seguinte (I Samuel 28: 11-20).
As circunstâncias deste caso justificam uma nota especial. A Torá proíbe a bruxaria e a necromância (comunicação com os mortos). Os antigos pagãos de Canaã adoravam os seus antepassados, e isso violava o monoteísmo rigoroso dos profetas: “Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus, o Senhor é uno” (Deut. 6:4; 18:11; Lev. 19:31).
Saul visita a vidente de En-dor |
No contexto mais amplo da escritura, o aparecimento de Samuel a Saul nesta situação não valida o uso de meios ocultos para comunicar com os mortos. As escrituras Judaicas afirmam que Deus pode usar até as práticas que Ele condena para julgar aqueles que se afastaram do Seu caminho.
Existe uma passagem na Torá que discute a possibilidade de um falso profeta, ou idólatra, produzir sinais e milagres. Deus afirma que nesse caso, os milagres vêm de Si próprio, como um teste à fé dos israelitas: “...porque o Senhor, vosso Deus, vos põe à prova para verificar se realmente O amais com todo o vosso coração e com toda a vossa alma” (Deut. 13:4)
Ao profeta Ezequiel, Deus disse que responderia aos idólatras de acordo com as suas expectativas:
Todo o homem da casa de Israel que pôs em seu coração ídolos e ergueu diante de si o escândalo que o faz pecar, quando vier ter com o profeta, a esse darei Eu, o Senhor, uma resposta, de acordo com a multidão dos seus ídolos, para chamar à responsabilidade a casa de Israel, que se afastou de mim, por causa dos seus ídolos. (Ezequiel 14:4-5)A narrativa de I Samuel afirma que a própria vidente reagiu ao aparecimento de Samuel com choque (I Sam 28:12) , sugerindo que o aparecimento pós-morte de Samuel era inesperado e resultado de uma intervenção divina.
Provavelmente por todas estas razões, os antigos Judeus acreditavam no valor literal deste relato. O livro de Ben-Sira declara:
Samuel... mesmo depois de morrer, profetizou e anunciou ao rei o seu fim; levantou a voz do seio da terra, para profetizar a destruição da impiedade do povo. (Ben-Sira 46:13,20)À luz deste evento surpreendente, podemos ver que a Bíblia Hebraica não ensina que a morte física é o fim da nossa existência. Ainda temos a questão do que é que ensina sobre a alma humana, e porque é difícil encontrar nas suas páginas informação detalhada sobre a vida depois da morte.
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Texto Original: What Happens to Our Souls When We Die? (www.bahaiteachings.org)
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Dan Gebhardt é professor de filosofia e religião na Universidade de Nevada-Reno (EUA).
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