sábado, 19 de novembro de 2016

Deus pode mudar o passado?

Por Maya Bohnhoff.


Vamos analisar três questões relacionadas que o meu amigo ateu, "Maynard", colocou a respeito de Deus. As duas primeiras são:

Deus pode mudar o passado? e Deus conhece o futuro?

Essas questões envolvem não só as nossas concepções de Deus, mas também a nossa concepção de tempo, uma dimensão que entendemos talvez menos bem do que as outras. De facto, deparamo-nos com problemas relacionados com o tempo quando tentamos medir simultaneamente a velocidade e a localização de um objecto. Graças ao cientista Werner Heisenberg, sabemos que quando tentamos fazer isso, o próprio acto de medição afecta o objecto a ser medido. Por exemplo: um filme é projectado a uma determinada velocidade; podemos isolar uma única imagem (“frame”) desse filme... mas como consequência já não podemos medir a velocidade do filme.

Isto tem todo o tipo de ramificações. Se tentarmos observar um arco (falando metaforicamente) apenas podemos identificar um único ponto. Heisenberg provou que apenas podemos medir a velocidade ou a localização de uma entidade. Não podemos medir ambos. Não podemos ver o universo por mais de um ponto de vista. Deus - teorizou o meu filho quando estudava física na escola - pode ser capaz de ver não apenas pontos individuais, mas também arcos e ondas, incluindo o arco de tempo.

Em resposta à pergunta de Maynard, eu poderia admitir que Deus pode mudar o passado. Mas porque o faria? Os seres humanos por vezes desejam fazer isso, porque não têm qualquer noção sobre o que podem aprender com o passado. Numa maravilhosa história de amor, Bahá'u'lláh descreve n’Os Sete Vales os amantes separados, Majnun e Layli, que sentem saudades um do outro. Majnun passa por uma série de calamidades que por fim o levam ao jardim de Layli, onde os amantes finalmente se reúnem. Majnun percebe que a sua vontade mal informada em reescrever o passado (de modo a não ter que experimentar a calamidade) teria evitado o próprio encontro com sua amada.

Reescrever o passado significa que perdemos as lições que ali aprendemos - e nunca saberíamos a diferença.

A segunda destas questões pergunta se Deus conhece o futuro. As declarações de Bahá'u'lláh e de 'Abdu'l-Bahá sobre o futuro indicam certos arcos ao longo do tempo - Objectivos Divinos, podemos dizer – ocorrem de forma pré-determinada. Por exemplo: Deus coloca em movimento a revelação progressiva da religião e da maturação da humanidade de selvagem para civilizada, de material para espiritual, de irracional para racional, do egoísta para altruísta. Como é que acontece, quanto tempo demora e quanto sofrimento exige - isso depende de nós. Podemos apenas ficar sentados, desejando ou rezando pela unidade mundial, pela paz e pela compaixão, ou podemos aprender as competências necessárias para as alcançar e pô-las em prática.

Na minha escrita encontro uma analogia para isto. Em cada história que escrevo, existem momentos onde eu e as minhas personagens devemos tomar decisões sobre as suas linhas de acção. Sei que há certas coisas que devem acontecer no livro antes da trama se revelar completamente, mas a forma como as minhas personagens chegam ao momento final muda à medida que eles navegam pelos diferentes pontos de viragem da história. É claro que eu tenho uma visão na perspectiva de criadora de tudo isto; assim, posso ver vários rumos que a acção pode tomar e que conduzem aos pontos-chave que eu sei que devem ocorrer. Curiosamente, se eu fizer as coisas "correctamente", as interacções entre as personagens vão definir o seu rumo ao longo da história, em vez de ser eu a forçar uma determinada sequência de eventos.

Quando se trata de Deus e do futuro, nenhum ser humano pode responder a esta pergunta com qualquer certeza. Como é que um ser que só pode ver pontos responde a perguntas que se relacionam com o arco? É como se uma das minhas personagens num livro perguntasse a outra: "Sabes que existe um Escritor lá fora, que sabe exactamente o que eu vou dizer na página 123?"

No meu caso, a resposta é "não". Eu ainda não sei o que a minha personagem vai dizer na página 123, mas sei que ela, à sua própria maneira, vai ajudar a história a desenvolver-se. Será que Deus trabalha assim? Só Deus sabe. Além disso, os Seus educadores, os fundadores das religiões mundo, só podem dizer-nos aquilo que temos capacidade para entender.

E isto leva-nos à pergunta nº 6: Deus sabe absolutamente tudo o que acontece a cada momento, incluindo todos os pensamentos de todos os seres?

Esta questão lida com a omnisciência de Deus com relação ao tempo. Os seres humanos, com os nossos pontos de vista singulares e limitações perceptivas e intelectuais, não podem, por definição, ter alguma experiência da omnisciência. Nenhuma. Podemos ficar irritados com isso, mas é mesmo assim.

Penso que o personagem de ficção científica, Buckeroo Banzai, descreveu isso de forma eloquente quando disse: "Lembra-te, não importa para onde vais, lá estás." Nós só temos o nosso ponto de vista singular, aquele microscópico "você está aqui" num mapa do cosmos. Não podemos saber o que um Ser super-eminente sabe ou não sabe, a menos que Ele nos diga (talvez o Seu Emissário nos diga), porque nós não temos capacidade para fazer mais do que imaginar o que significa a omnisciência.

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Maya Bohnhoff é Baha'i e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.

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