Ser bondoso para com os animais significa não os comer?
Caçar animais pela carne tem uma longa tradição na história humana. No entanto, em muitas culturas, a caça tornou-se uma história do passado, à medida que a agricultura moderna foi afastando as famílias do processamento da carne, e as pessoas ficaram menos habituadas a abater e desmanchar animais. Consequentemente, os caçadores desenvolveram uma dupla imagem: tanto parecem figuras históricas nostálgicas como atormentadores de animais.
Os ensinamentos Bahá’ís pedem-nos para sermos bondosos para com os animais:
Não sobrecarregueis um animal com mais do que ele pode suportar. Em verdade, proibimos esse tratamento através da mais firme interdição registada no Livro. Sede as personificações da justiça e da equidade entre toda a criação. (Bahá’u’lláh, The Most Holy Book, ¶187)Isto cria um sério dilema: podemos ser bondosos com os animais e, ainda assim, comê-los? Em várias cartas, 'Abdu'l-Bahá indicou que, se considerarmos o nosso aspecto físico, temos partes do corpo de herbívoros (não temos garras, por exemplo), e que a carne um dia desaparecerá das nossas dietas:
Qual será a alimentação do futuro? Frutas e grãos. Virá o tempo em que a carne já não será consumida. A ciência médica está apenas na sua infância, mas mostrou que a nossa dieta natural é aquela que cresce a partir do solo. As pessoas desenvolver-se-ão gradualmente até a condição deste alimento natural. (‘Abdu’l-Bahá, Bahá’í Scriptures, p. 453)Será que isso implica que os Bahá’ís devem abandonar a prática da caça? Devem todos os Bahá’ís tornar-se vegetarianos? Talvez não. Bahá’u’lláh também estabeleceu orientação para os Bahá’ís em relação à caça:
Ao caçar com a ajuda de animais ou aves de rapina, invocai o Nome de Deus quando os enviares em perseguição da sua presa; pois o que quer que capturem ser-vos-á lícito, mesmo que a encontreis morta. Ele, verdadeiramente, é o Omnisciente, o Informado de Tudo. No entanto, acautelai-vos para não caçar em excesso. Trilhai o caminho da justiça e da equidade em todas as coisas. (The Most Holy Book, ¶60.)Em resposta a uma pergunta sobre "o consumo de animais inocentes", ‘Abdu’l-Bahá escreveu:
Não te surpreendas com isso. Reflecte sobre as realidades interiores do universo, as sabedorias ocultas envolvidas, os enigmas, as inter-relações e as leis que governam tudo. Pois cada parte do universo está ligada a todas as outras por laços que são muito poderosos e não admitem qualquer desequilíbrio ou enfraquecimento. No reino físico da criação, todas as coisas se alimentam e são alimento: a planta absorve o mineral, o animal morde e engole a planta, o homem alimenta-se do animal e o mineral devora o corpo do homem. Os corpos físicos passam uma barreira após outra, de uma vida para outra, e todas as coisas estão sujeitas a transformação e mudança, salvo unicamente a essência da própria existência - pois esta é constante e imutável e nela baseia-se a vida de todas as espécies e raças, de toda a realidade contingente em toda a criação. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, #137)Isso significa que os Bahá’ís devem caçar, ou que os Bahá’ís devem comer carne com prazer? (Este é um caso em que os ensinamentos Bahá’ís, à primeira vista, podem parecer contraditórios.) Numa palavra: não. Esses ensinamentos não são contraditórios na perspectiva dos princípios espirituais em causa. O princípio principal é: as pessoas devem ser saudáveis! Precisamos de uma dieta variada que nos forneça todos os componentes necessários ao corpo humano, incluindo vitaminas, minerais, proteínas, fibras e gorduras.
As pessoas em países materialmente prósperos podem ter acesso a uma grande variedade de alimentos que não contêm carne e que podem constituir uma dieta bem equilibrada; mas aqueles que vivem noutros países não podem. Os ensinamentos Bahá’ís, destinados a toda a raça humana, deixam bastante espaço para todos.
Então, sim, devemos praticar a bondade para com todas as coisas, incluindo animais. À medida que aprendemos mais sobre nutrição e agricultura eficiente, os humanos não precisarão de usar animais para alimentação nas quantidades que precisam hoje. Além disso, será mais barato produzir grandes quantidades de vegetais e grãos; um factor crítico a considerar se queremos evitar que a população mundial em rápido crescimento sofra fome.
Isto ilustra o poder crítico do pensamento espiritual ao considerar duas perspectivas de um problema que podem parecer contraditórias. Este entendimento fundamental dos ensinamentos Bahá'ís pode ajudar-nos a navegar no mundo dividido de hoje e evitar confrontos destrutivos que surgem em questões em que dois lados não encontram um espaço comum – incluindo a alimentação com carne. No entanto, com um entendimento espiritual elevado, uma perspectiva global que inclui todas as culturas e um foco na saúde humana, podemos resolver o conflito.
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Texto original: Should We Hunt and Eat Animals? (www.bahaiteachings.org)
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Derrick Stone é Bahá’í, marido, pai e dono de um cão. Trabalha na Universidade da Virgínia, onde é Director de Desenvolvimento de Software para o Sistema de Saúde, e professor do Departamento de Ciência da Computação.
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