sábado, 30 de junho de 2018

'Abdu’l-Bahá, Darwin, e a Evolução de Todas as Coisas

Por Robert Sockett.


O livro de Charles Darwin A Origem das Espécies foi publicado em 24 de Novembro de 1859 e chegou aos leitores americanos dois meses mais tarde. As teorias da evolução tinham começado a ser divulgadas nas décadas anteriores à publicação do livro, incluindo aquelas que sugeriam que as espécies se podiam modificar ao longo do tempo. Estas teorias eram controversas e receberam a oposição da comunidade científica, pois eram contrárias à noção ortodoxa de uma hierarquia de criaturas vivendo num sistema imutável criado por Deus.

Charles Darwin, em 1859
O livro de Darwin não só defendia a evolução, mas também apresentava uma apelativa teoria sobre como funcionava. Explicava que na luta pela vida nos sistemas naturais, as populações mais adaptadas ao ambiente têm maior probabilidade de sobreviver e, consequentemente, de se reproduzir. Estas populações deixam características hereditárias para as futuras gerações - um processo a que Darwin chamou “selecção natural” - e ao longo do tempo, o acumular de variações resultantes provoca a formação de novas espécies.

O livro gerou uma vasta discussão em círculos científicos, filosóficos e religiosos. Teólogos liberais receberam com agrado as suas ideias, afirmando que as ideias religiosas não podem permanecer estagnadas. Outros declararam que a ideia era neutra do ponto de vista metafísico. Mas gradualmente, as suas implicações tornaram-se inegáveis. Se a ciência podia explicar a criação de formas de vida cada vez mais complexas em termos puramente materiais, então, talvez não existisse uma razão indiscutível para acreditar num Criador.

Na tarde de 10 de Outubro de 1912, ‘Abdu’l-Bahá falou no Open Forum em São Francisco - um grupo dedicado à discussão de ideias económicas e filosóficas - e abordou o tema da evolução. Ele defendeu a evolução, embora com diferenças críticas em relação à mecânica física da teoria de Darwin, e apresentou um conjunto totalmente diferente de conclusões metafísicas.

A primeira página do edição britânica
do livro "A Origem das Espécies"
(1859)
O segundo livro de Darwin sobre a teoria da evolução, The Descent of Man (traduzido em Portugal como “A Origem do Homem” e no Brasil como "A Descendência do Homem") foi publicado em 1871, e traça analogias biológicas com babuínos, cães e “selvagens” para mostrar provas de que os humanos descendem dos animais. Em São Francisco, em 10 de Outubro de 1912 ‘Abdu’l-Bahá elaborou uma definição mais precisa sobre aquilo que diferencia humanos dos animais. Entre estes aspectos críticos, disse Ele, encontram-se a razão, o pensamento abstracto e o progresso científico. O animal, afirmou, está limitado pelos seus cinco sentidos e vive inteiramente dentro dos ditames do instinto natural. “[Todos] os fenómenos”, declarou, “estão cativos da natureza.

Mas o ser humano é a excepção a esta regra. “Ao desafiar as leis da natureza,” argumentou ‘Abdu’l-Bahá, “ele pode voar no ar, ou navegar pelos mares num barco, ou explorar as profundezas num submarino. Ele pode colocar numa lâmpada incandescente uma força tremenda e poderosa, e transformá-la para uso próprio.” ‘Abdu’l-Bahá apresentou outros exemplos de invenções notáveis da época, nomeadamente, o fonógrafo e o telefone.

Em resumo”, afirmou, “todas artes e ciências, invenções e descobertas que agora o homem usufruiu eram outrora mistérios da natureza e deveriam ter permanecido ocultos ou latentes. Mas através das faculdades ideais do homem, as leis da natureza foram desafiadas e os segredos da natureza foram trazidos do invisível para o plano do visível.”

No entanto, apesar destas características distintivas, ‘Abdu’l-Bahá notava que os filósofos materialistas “esforçam-se por provar com a anatomia humana que o homem originou do animal.” ‘Abdu’l-Bahá concordava que o homem tinha sofrido alterações biológicas ao longo do tempo. “Suponhamos”, disse ele, “que a anatomia humana era primordialmente diferente da forma actual… que numa época foi semelhante a um peixe, posteriormente um invertebrado e finalmente humano.” No entanto, ao longo desta progressão, defendeu Ele, “o desenvolvimento do homem foi sempre do tipo humano e do tipo biológico.” [sombreado adicionado]

Os debates sobre a Evolução foram uma fonte de
inspiração para os caricaturistas americanos.
Em 1904, na Palestina, ‘Abdu’l-Bahá, respondendo a Laura Clifford Barney, descreveu como se desenvolvem as entidades complexas. ”[O] crescimento e desenvolvimento de todos os seres é gradual,” disse-lhe, “esta é a organização divina universal e o sistema natural.

A palestra de ‘Abdu’l-Bahá no Open Forum foi uma das mais longas e complicadas que Ele deu quando esteve na América. Mas a sua lógica subjacente assenta em dois princípios. Primeiro, apesar dos seres humanos se terem desenvolvido biologicamente ao longo de muitas fases da evolução, sempre estiveram destinados a serem humanos, desenvolvendo o seu potencial latente ao longo do tempo. Segundo, as qualidades que nos distinguem – razão, pensamento abstracto, progresso científico, e outras coisas - não são apenas pequenos diferenciadores, mas antes características que nos separam essencialmente dos animais.

Um elemento adicional na abordagem de ‘Abdu’l-Bahá à teoria da evolução de Darwin e que não foi abordado na sua palestra em São Francisco, foi documentado pela Sra Barney durante a sua estadia na Palestina, e publicado em 1908 no livro Respostas a Algumas Perguntas. ‘Abdu’l-Bahá discordava da noção de Darwin de que a evolução era “cega”, não tendo sentido ou propósito. Pelo contrário, Ele argumentou que o esquema evolutivo era parte do plano divino. O aparecimento dos humanos, afirmou, era o culminar de um processo. De facto, a criação seria imperfeita e incompleta sem os humanos.

Durante o "Julgamento Scopes", T.T. Marin,
Cristão evangélico e militante anti-evolução
alugou uma livraria para divulgar as suas ideias.
Treze anos após a palestra de ‘Abdu’l-Bahá no Open Forum, o debate sobre a evolução na América atingiu um clímax com o infame “Julgamento Scopes”. O Estado do Tennessee aprovou uma lei que proibia o ensino da evolução nas escolas estatais. A União Americana pelas Liberdades Civis financiou uma situação em que John Scopes, um professor do ensino secundário, concordou em violar a lei. Os Estados Unidos tinham a sua atenção fixada em duas figuras lendárias: William Jennings Bryan (três vezes candidato presidencial) que promovia a acusação e o famoso advogado Clarence Darrow que defendeu Scopes.

Quando o julgamento acabou, estava definida uma clara linha de separação: num dos lados, a ciência construiu trincheiras e uma fortaleza ao seu redor; do outro lado, os fundamentalistas religiosos agarravam-se firmemente a uma interpretação literal da história da criação na Bíblia. Quem defendia o diálogo ou um entendimento mais sofisticado do assunto, viu as suas opiniões cada vez menos ouvidas no espaço público.

[NOTA: as citações da palestra de ‘Abdu’l-Bahá no Open Forum usadas neste artigo foram recolhidas dos documentos de Ellen Cooper, nos arquivos Nacionais Bahá’ís dos Estados Unidos.]

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Texto original: Abdu’l-Baha, Darwin, and the Evolution of All Things (http://239days.com/)

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Robert Sockett é um escritor, produtor e director artísticos que vive em Toronto, (Canadá). É co-autor e produtor do site 239 Days in America, A Social Media Documentary, ed. Jonathan Menon and Robert Sockett, October 11, 2012, que documenta e descreve a visita de ‘Abdu’l-Bahá à América do Norte em 1912.

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