domingo, 15 de julho de 2018

Deus faz perguntas; nós também devemos fazer

Por Christopher Buck.


Sabia que Deus faz perguntas? Poderíamos responder a esta questão com outras perguntas: “Onde? Como?”.

Nesta série de artigos temos tentado mostrar como as perfeições divinas - que o próprio calendário Baha’i apresenta - podem ser transformadas em boas acções.

Surpreendentemente, “Perguntas” (em árabe, masa’il) é apresentado pelo Báb - que criou o calendário Bahá'í - como um atributo de Deus. Assim, vamos analisar este “Nome de Deus” que é simultaneamente invulgar e notável.

Ao dizermos que “Deus faz perguntas”, isto refere-se às várias Escrituras que representam Deus a colocar uma questão com um propósito divino. Na verdade, não é Deus que pessoalmente faz uma pergunta, porque Deus não é uma pessoa (apesar de podermos ter uma relação pessoal com Ele).

As Escrituras Bahá’ís vêem Deus como uma Essência incognoscível. Eu costumo dizer que “Deus é o supremo mistério com o maior número de pistas!”. Estas pistas - vestígios maravilhosos da grandeza do Grande Ser que se encontram por todo o mundo - reflectem a inteligência suprema que concebeu o nosso universo.

A “pessoa” de Deus é aquilo a que os Bahá’ís chamam o “Manifestante de Deus” - os profetas e mensageiros que fundaram as religiões mundiais. Por outras palavras, Deus comunica connosco através de vários mensageiros que têm aparecido em momentos chave da história para espiritualizar e guiar a humanidade.

Entre estes embaixadores, interlocutores, representantes, professores e exemplos de Deus estão os fundadores das grandes religiões do mundo, que revelaram as Escrituras que tomaram a forma dos vários livros sagrados que hoje podemos ler facilmente na Internet.

Assim, ao dizer “Deus faz perguntas”, isto significa apenas que, ciclicamente, em várias Escrituras, Deus é representado a fazer perguntas, levando-nos a fazer uma pausa para pensar. Aqui temos um exemplo:
Ouviram, então, a voz do Senhor Deus, que percorria o jardim pela brisa da tarde, e o homem e a sua mulher logo se esconderam do Senhor Deus, por entre o arvoredo do jardim. Mas o Senhor Deus chamou o homem e disse-lhe: «Onde estás?» Ele respondeu: «Ouvi a tua voz no jardim e, cheio de medo, escondi-me porque estou nu.» O Senhor Deus perguntou: «Quem te disse que estás nu? Comeste, porventura, da árvore da qual te proibi comer?» O homem respondeu: «Foi a mulher que trouxeste para junto de mim que me ofereceu da árvore e eu comi.» O Senhor Deus perguntou à mulher: «Porque fizeste isso?» A mulher respondeu: «A serpente enganou-me e eu comi.» (Genesis 3:8–13; perguntas a sublinhado)
Aqui, a frase que refere o “Senhor Deus, que percorria o jardim pela brisa da tarde” é uma metáfora para descrever a “presença do Senhor Deus”. De outra forma, a ideia de que Deus ia caminhar pelo Jardim do Eden à procura de Adão e Eva, tentando saber onde estavam e não os conseguindo encontrar, não tem credibilidade. A interpretação literal destas palavras leva-nos a alguns absurdos. Para compreender o seu significado mais profundo, devemos ler esta narrativa numa perspectiva espiritual.

Este exemplo em que Deus faz perguntas é conhecido para a maioria dos Judeus e Cristãos. Vejamos agora um outro exemplo, conhecido para a maioria os Muçulmanos: “Moisés, o que é isso que tens na tua mão direita?” (Alcorão 20:17)

O Báb referiu-Se a esta pergunta num breve comentário revelado em árabe (disponível on-line aqui Javāb-i Su’āl az Istifhāmāt-i Qur’ān). Este texto ainda aguarda tradução. Na versão online, o texto árabe é difícil de ler. No entanto, um estudioso Baha’i, Armin Eschraghi, elaborou um breve resumo.

Este pequeno resumo diz o seguinte: O Báb afirma que as perguntas colocadas por Deus no Alcorão (tais como: “Moisés, o que é isso que tens na tua mão direita?”) na realidade não são perguntas. Estas possuem diferentes níveis de significados (que o Báb descreve como sendo oito) e, segundo o Báb, quem tiver percepção perceberá que as questões são simultaneamente respostas claras, tal como as alusões são afimações claras. (Armin Eschraghi, numa conferência)

A pergunta feita por Deus, nos exemplos anteriores, parecem ser questões de responsabilidade e auto-consciência. As respostas às questões são bastante óbvias. É óbvio que Deus estava a fazer perguntas em benefício do próprio Adão (no excerto dos Genesis anteriormente citado) e em benefício de Moisés (no excerto do Alcorão também citado).

Assim, isto leva-nos: “Se Deus faz perguntas, também deveremos nós fazê-las?” A resposta é, obviamente, um “Sim!” Isto leva-nos, então, para o tema da responsabilidade.

O que significa “responsabilidade”? O dicionário da Porto-Editora diz:
Qualidade de quem é responsável; obrigação de responder por actos próprios ou alheios, ou por uma coisa confiada.
Por outras palavras, trata-se de ser responsável pelas próprias acções. Fazer perguntas a nós próprios é uma forma de reflectir sobre o que fizemos, o que precisamos de fazer e a melhor maneira de o fazer.

Segundo os ensinamentos Bahá’ís, existe uma forma muito prática de fazer isto. Bahá'u'lláh escreveu:
Ó Filho do Ser! Avalia-te a ti próprio, em cada dia, antes de seres chamado ao juízo final, porque a morte chegar-te-á sem aviso, e serás chamado a responder pelos teus actos. (As Palavras Ocultas, do árabe, #31)
No fundo, o que temos de fazer - até morrer - deve ser feito na vida real, enquanto temos tempo para agir sobre qualquer problema que sejamos chamados a resolver. Avaliar as nossas próprias acções inclui perguntarmos a nós próprios se as nossas acções diárias foram boas ou más, se foram úteis ou não, como prosseguir, como nos melhorarmos a nós próprios e melhorar o mundo ao nosso redor.

Pensemos nas questões como se se tratasse de uma busca de conhecimento. Com excepção das coisas que aprendemos passivamente, a aquisição de conhecimento começa com questões. Quando a curiosidade é viva e dinâmica, perseguimos os nossos interesses com entusiasmo e energia. Assim, o conhecimento começa com perguntas. E quando uma pergunta nos leva a uma resposta, a resposta pode levar a outra questão. As duas estão ligadas.

Fazer perguntas desperta e expande a nossa consciência. Por exemplo, podemos questionar-nos com perguntas existenciais que estão relacionadas com a existência - e sobre o propósito e significado da própria vida. Podemos também fazer as perguntas práticas: como resolver problemas, cumprir metas, melhorar-nos a nós próprios, servir a humanidade e contribuir para uma civilização em constante progresso

As perguntas motivam. As perguntas geram conhecimento. As perguntas cumprem um primeiro princípio Bahá’í: “Procurar a verdade”. As perguntas ajudam cada um de nós na sua investigação independente da realidade. As perguntas abrem as mentes. As perguntas alimentam para o pensamento. As perguntas nutrem a alma. As perguntas mantêm-nos activos e mentalmente aptos, espiritualmente despertos, conscientes de que há muita coisa por descobrir, muito a aprender e muito a ensinar.

Quando encontramos respostas para as perguntas, adquirimos conhecimento; então podemos servir como recursos para as perguntas dos outros. Como ex-professor, aprendi rapidamente que uma das melhores maneiras de envolver os alunos é fazer-lhes perguntas interessantes - não as perguntas temidas sobre os trabalhos de casa ou as leituras obrigatórias atribuídas na aula anterior, mas perguntas sobre questões relevantes e importantes.

As perguntas estão no coração do conhecimento. As perguntas inspiram. Fazem-nos crescer. As perguntas são divinas.

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Texto original: God Asks Questions: We Should, Too (www.bahaiteachings.org)

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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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