sábado, 26 de janeiro de 2019

Deus tem alguma “Palavra Final”?

Por David Langness.


Nenhuma brisa pode se comparar às brisas da Revelação Divina, pois a Palavra que é proferida por Deus, brilha e flameja como o sol entre os livros dos homens. (Bahá’u’lláh, Epistle to the Son of the Wolf, p. 42-43)
Ao longo da a minha vida, tenho tido um interesse constante por estas brisas da revelação divina e concentrei a minha atenção em coisas místicas.

Na verdade, a minha avó disse-me uma vez que eu costumava pegar a mão dela, puxava-a para o quarto vazio mais próximo, fechava a porta e dizia: "OK, agora vamos falar sobre Deus". Ela dizia-me que isto começou quando eu tinha quatro anos.

Não faço ideia como desenvolvi aquele tipo de interesse intenso, numa idade tão precoce. A minha família não era particularmente religiosa – o meu pai tinha sido um luterano não-praticante e tornara-se um ateu que ridicularizava a maioria das religiões; também não gostava muito do clero. A minha mãe, criada como católica, tinha abandonado a Igreja quando era jovem, acreditando que ela justificava abusos psicológicos e físicos. Apenas a minha avó - abençoado seja o seu coração terno - tinha um profundo sentido de fé. As suas convicções não estavam limitadas a nenhuma igreja ou sistema; ela apenas vivia um forte compromisso com a bondade e o amor que encontrou no Antigo e no Novo Testamentos.

Assim, talvez este cenário explique porque é que eu sempre senti que as palavras "final" e "religião" nunca deveriam ser usadas juntas na mesma frase. Quando descobri a Fé Bahá’í durante a adolescência, a minha primeira pergunta foi: esta religião é a final?

Nunca esquecerei a resposta que me deu o Jess, um amigo Bahá’í e professor de artes: "Nenhuma religião é definitiva", disse ele. “Elas fazem parte de uma revelação progressiva e contínua de um único Deus.” Essa resposta deu ao meu interior céptico a permissão de que eu precisava para investigar mais e, três anos depois, tornei-me Bahá’í.

Mais tarde, examinei todo este tema de finalidade, porque mantive contactos com pessoas que insistiam que a sua religião - hindu, budista, cristã, muçulmana ou muitas outras - era a palavra final em matéria de fé.

Aprendi que Bahá’u’lláh advertiu especificamente as “pessoas de discernimento” a não permitir que a sua devoção por uma única religião as cegasse para a validade, e para a verdade das outras. Acreditar que uma determinada religião é a final, escreveu Bahá'u'lláh, “tem sido… um teste penoso para toda a humanidade”. (O Livro da Certeza, ¶173) Na verdade, os ensinamentos Bahá'ís dizem que essa tendência - insistir que uma religião é correcta e final, e as restantes estão erradas ou são inválidas – tem causado enorme sofrimento, conflitos e dor ao longo da história. Bahá'u'lláh disse – pelo contrário - que todos os Profetas de Deus representam a mesma essência:
Se observares com olhar criterioso, verás todos habitando no mesmo tabernáculo, voando no mesmo céu, sentados no mesmo trono, proferindo as mesmas palavras e proclamando a mesma Fé. (O Livro da Certeza, ¶162)
Depois, descobri que Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í, usou as palavras “final” e “religião” numa única frase - quando ele escreveu estas palavras fortes sobre o assunto:
A Fé que se identifica com o nome de Bahá'u'lláh, rejeita a qualquer intenção de menosprezar qualquer um dos Profetas anteriores a Ele, de reduzir qualquer um dos seus ensinamentos, de obscurecer, ainda que levemente, o esplendor das suas Revelações, de expulsá-los dos corações dos seus seguidores, de abolir os fundamentos das suas doutrinas, de descartar qualquer um dos seus Livros revelados, ou de suprimir as aspirações legítimas dos seus seguidores. Repudiando a pretensão de qualquer religião ser a revelação final de Deus ao homem, negando a finalidade da Sua própria Revelação, Bahá'u'lláh inculca o princípio básico da relatividade da verdade religiosa, a continuidade da Revelação Divina, a progressividade da experiência religiosa. O Seu objetivo é alargar a base de todas as religiões reveladas e desvendar os mistérios das suas escrituras. Ele insiste no reconhecimento incondicional da unidade do seu propósito, reafirma as verdades eternas que elas consagram, coordena as suas funções, distingue o essencial e o autêntico, do não-essencial e espúrio nos seus ensinamentos, separa as verdades dadas por Deus das induzidas pelas superstições dos sacerdotes, e tendo isto como base proclama a possibilidade, e até profetiza a inevitabilidade, da sua unificação, e a consumação das suas maiores esperanças. (The Promised Day is Come, p. 108)
Estamos certamente na era da evolução e da relatividade na ciência; porque não na religião, também? "Bahá'u'lláh inculca o princípio básico da relatividade da verdade religiosa", escreveu Shoghi Effendi. Podemos designar este conceito poderoso como uma teoria religiosa da evolução, porque nega categoricamente que qualquer religião seja final, dizendo que toda a religião constitui um sistema único, progressivo e em constante evolução:
... É evidente que Deus destinou e pretendeu que a religião fosse a causa e o meio de esforço de cooperação e realização entre a humanidade. Para este objectivo, Ele enviou os profetas de Deus, os santos Manifestantes da Palavra, para que a realidade fundamental e a religião de Deus possam provar ser o elo da unidade humana, pois as religiões divinas reveladas por esses santos Mensageiros têm uma e a mesma fundação. (‘Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 338)
Quando começamos a reconhecer a semelhança, a unidade e a verdade que fundamenta toda grande Fé, como minha avó fazia instintivamente, começamos a entender que a noção estática de finalidade nunca pode se aplicar a um sistema em constante evolução. Assim como o processo inter-geracional de evolução física garante que nenhuma versão final da realidade possa existir, a revelação progressiva também garante que a Palavra de Deus nunca esgotará os seus significados ou aparecerá em qualquer versão final.

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Texto original: Can the Word of God Ever Be Final? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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