sábado, 9 de fevereiro de 2019

Será a vida uma ilusão?

Por Zarrín Caldwell.


Tenho estado a ler o livro Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, de Yuval Noah Harari – mas tenho questionado algumas das premissas principais do autor.

Este livro está muito bem escrito e tem-me ensinado muito sobre diferentes períodos da história humana, mas tem uma visão bastante vaga sobre o base espiritual dessa história.

Harari postula, por exemplo, que todas as histórias narradas pela humanidade – incluindo sobre Deus e o Cristianismo – são apenas ficções. Além disso, ele distingue entre as “realidades objectivas dos rios, árvores e leões” e as “realidades imaginadas dos deuses, nações e empresas”. Compreendo onde o autor que chegar com a sua ênfase nos mitos e nas histórias que moldaram as civilizações humanas, mas dou mais crédito a um plano divino e à sua influência nos assuntos humanos.

De qualquer forma, o livro fez-me pensar sobre a “realidade das ficções” e as “realidades objectivas”, e sobre o que a Fé Bahá’í tem a dizer sobre este tópico. Em muitos aspectos, as Escrituras Bahá’ís definem todo o mundo físico como uma grande ficção:
Ó tu, donzela que arde com o fogo do amor de Deus! Não te lamentes pelos infortúnios e aflições neste mundo inferior, nem te alegres em tempos de facilidade e conforto, pois ambos passarão. A vida presente é como uma onda que se eleva, ou uma miragem, ou sombras à deriva. Poderá alguma vez uma imagem distorcida no deserto oferecer águas refrescantes? Não, pelo Senhor dos Senhores! Nunca a realidade e a mera aparência de realidade poderão ser a mesma coisa, e é vasta a diferença entre fantasia e realidade, entre a verdade e a ilusão. (‘Abdu’l-Bahá, Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Baha, pp. 177-178)
Este texto prossegue, afirmando:
Sabe que o Reino é o mundo real, e que este mundo inferior é apenas a sua sombra que se estende. Uma sombra não tem vida própria; a sua existência é apenas uma fantasia, e nada mais; são apenas imagens que se reflectem na água e parecem imagens aos olhos. (Idem)

O significado espiritual da “Matrix”

Estes excertos recordaram-me um pouco do filme de ficção científica “Matrix” (1999) onde a realidade percebida pela maioria dos seres humanos é, na verdade, uma realidade simulada, controlada por máquinas sencientes. O filme em si é muito distópico, mas encoraja a audiência a pensar sobre alguns conceitos filosóficos sobre a natureza da existência. Por outras palavras, estaremos a viver numa espécie de holograma?

As citações anteriores das Escrituras Bahá’ís são mais encorajadoras para mim, mas também sugerem que este mundo físico é, em grande parte, uma ilusão – essencialmente um espelho do mundo espiritual, onde existe a verdadeira realidade, e não o contrário.

Se considerássemos a nossa realidade espiritual como a mais definitiva, como é que isso mudaria a nossa visão do mundo e os nossos comportamentos? Os ensinamentos Bahá’ís apresentam algumas ideias:
Ó amados de Deus! Sabei que o mundo é como uma miragem que se ergue sobre as areias e que o sedento a confunde com água. O vinho deste mundo é apenas vapor no deserto, a sua piedade e compaixão são apenas fadigas e dificuldades, a sua tranquilidade oferece apenas exaustão e mágoa. Abandonai-o para aqueles que lhe pertencem, e voltai as vossas faces para o Reino do vosso Senhor, o Todo-Misericordioso, para que a Sua graça e bondade possa lançar o seu esplendor matinal sobre vós… (Idem, pag. 186)
Sobre a nossa realidade espiritual, ‘Abdu’l-Bahá ainda clarifica, dizendo que é:
... uma realidade eterna, uma realidade indestrutível, uma realidade que pertence ao reino divino sobrenatural; uma realidade com a qual o mundo é iluminado, uma realidade que concede ao homem vida eterna. (The Baha’i World, Volume 4, p. 121)
Claro que a maioria de nós não pode ver ou sentir a dimensão espiritual da mesma maneira como podemos ver, ou sentir, as coisas tangíveis neste plano da existência. Por isso, algumas pessoas podem acreditar que apenas existem coisas materiais.

E também há aqueles filósofos antigos, líderes religiosos, artistas e até físicos modernos que discordam dessa linha de pensamento. Segundo a física quântica, por exemplo, a existência da matéria subatómica é uma probabilidade. O que vemos no mundo material não é tão real quanto assumimos anteriormente. E vão surgindo descobertas fascinantes como o campo de Higgs – um campo de energia invisível – que se supõe existir em todo o universo, apesar da sua fonte ser desconhecida. Será assim tão improvável, então, afirmar que existe um campo espiritual que mantém as coisas juntas?

Similarmente, Bahá’u’lláh escreveu:
Não pode haver dúvida alguma de que, se por um momento, a maré da Sua misericórdia e graça fosse negada ao mundo, este pereceria completamente (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, XXVII)
Estas palavras levam-nos ao conceito da Matrix, que é definida como um meio (ou estrutura) envolvente. Todos vivemos numa realidade global que o nosso tempo/espaço não nos permite compreender, mas que, não obstante, é a cola que liga todas as coisas. Se pensarmos na nossa existência nestes termos, talvez fiquemos menos tempo a sentir-nos perdidos na terra das sombras, e menos desanimados com os “infortúnios e aflições neste mundo inferior”.

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Texto original: Is Life an Illusion? The Spiritual Meaning of ‘The Matrix’ (www.bahaiteachings.org)

Zarrín Caldwell é uma Bahá’í residente no Arizona (EUA). Tem trabalhado para diversas uma variedade de organizações internacionais sem fins lucrativos, em cargos de comunicação e gestão de programas. A sua experiência profissional centra-se nas organizações multilaterais, relações inter-religiosas, construção da paz e educação internacional. Tem viajado por muitos países e considera-se uma cidadã do mundo.

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