sábado, 2 de março de 2019

O Argumento Moral para a Existência de Deus

Por David Langness.


No outro dia comprei algumas coisas numa loja, e paguei com uma nota de 20$. A menina da caixa deu-me o troco que meti no bolso sem verificar. Agradeci e saí, mas quando cheguei ao carro percebi que ela me tinha dado troco a mais - cerca de 35$. Aparentemente, pareceu-me, ela confundiu uma nota de 20$ com uma nota de 1$.

Isso já aconteceu consigo? O que fez?

Quando isso acontece, provavelmente todos nós pensamos primeiramente em guardar esse dinheiro a mais. Mas depois, normalmente, o nosso sentido moral interior entra em acção e começamos a perguntar-nos: "E se a menina caixa chegar descobrir que lhe falta dinheiro e tiver que desembolsar do seu próprio bolso? Eu se o patrão dela a acusar de roubo? E se ela perder o emprego?"

Em situações como esta, essas considerações morais interiores ocorrem a quase todos nós. Filósofos e teólogos sabem, há muitos séculos, que ao contrário de qualquer outra criatura, as pessoas normais têm uma consciência aparentemente natural, uma bússola moral interior. Essa moralidade leva-nos muitas vezes a ignorar os nossos próprios interesses e a agir desinteressadamente e moralmente no interesse dos outros. Esta qualidade espiritual, única nos seres humanos, levou muitos filósofos a concluir que a nossa consciência revela a existência de uma lei moral maior - e, portanto, um Legislador transcendente.

Immanuel Kant
Este argumento filosófico profundo e subtil sobre a existência de Deus foi inicialmente apresentado pelo grande filósofo Immanuel Kant, que escreveu que o objectivo final da humanidade inclui o alcançar da felicidade perfeita, que vem da virtude. Kant chamou a isto “o imperativo categórico”, o mandamento supremo sobre nossos poderes de raciocínio interior ao serviço de uma vida moral e virtuosa. E porque esta qualidade moral existe universalmente entre os seres humanos, Kant raciocinou que deve existir uma vida após a morte; e, consequentemente, Deus também deve existir. O caminho lógico de Kant é algo parecido com isto:

  • Os seres humanos têm impulsos morais naturais;
  • Essa a moralidade apenas pode vir de uma fonte superior de bem moral;
  • Portanto Deus existe.

O universalismo moral de Kant teve um impacto enorme nos nossos conceitos humanitários, políticos, sociais e jurídicos modernos de igualdade, justiça e direitos humanos. Outros filósofos seguiram e expandiram o raciocínio de Kant, concluindo que a existência da consciência humana significa que existem verdades morais objectivos - e que a fonte última dessas verdades deve ser Deus.

Vários filósofos modernos colocaram a mesma ideia de forma um pouco diferente: qualquer coisa que a nossa consciência e moralidade nos obrigam a fazer deve ser possível - e alcançar o bem perfeito da felicidade e da virtude moral só se torna possível se existir uma ordem moral natural.

Nos ensinamentos Bahá’ís, encontramos este argumento moral lógico sobre a existência de um Ser Supremo em diversos textos. O eixo principal da mensagem Bahá’í - que a realidade é fundamentalmente de natureza espiritual - vê o indivíduo como um ser espiritual, uma "alma racional", com capacidades morais e intelectuais inatas, inerentes e dadas por Deus:
Se examinarmos a história, observamos que o progresso humano tem sido maior no desenvolvimento de virtudes materiais. A civilização é o sinal e a evidência desse progresso. Por todo o mundo, a civilização material alcançou níveis e graus de eficiência verdadeiramente maravilhosos - isto é, os poderes exteriores e as virtudes do homem desenvolveram-se muito, mas as virtudes e ideais interiores foram, consequentemente, atrasadas e negligenciadas. Agora é o momento da história do mundo para nos esforçarmos e darmos um impulso ao avanço e desenvolvimento das forças interiores - isto é, temos de nos levantar para servir no mundo da moralidade, porque a moral humana precisa de ser reajustada. Também devemos prestar um serviço ao mundo da intelectualidade, para que as mentes dos homens possam aumentar em poder e tornar-se mais profundas na percepção, auxiliando o intelecto do homem a atingir a sua supremacia para que as virtudes ideais possam surgir. Antes de dar um passo nessa direcção, devemos ser capazes de provar a Divindade do ponto de vista da razão para que nenhuma dúvida ou objecção possa permanecer para o racionalista. Depois, devemos ser capazes de provar a existência da graça de Deus - aquela recompensa divina que envolve a humanidade e que é transcendente. Além disso, devemos demonstrar que o espírito do homem é imortal, que não está sujeito à desintegração e que inclui as virtudes da humanidade.

... As pessoas falam da Divindade, mas as ideias e crenças que têm sobre a Divindade são, na realidade, superstições. A Divindade é o esplendor do Sol da Realidade, a manifestação de virtudes espirituais e poderes ideais. As provas intelectuais da Divindade baseiam-se na observação e na evidência, que constituem um argumento definitivo, que prova logicamente a realidade da Divindade, o esplendor da misericórdia, a certeza da inspiração e da imortalidade do espírito. Esta é, na realidade, a ciência da Divindade. A divindade não é o que se encontra estabelecido nos dogmas e sermões da igreja. Normalmente, quando se menciona a palavra Divindade, esta é associada, na mente dos ouvintes, com certas fórmulas e doutrinas, apesar de significar essencialmente a sabedoria e o conhecimento de Deus, o esplendor do Sol da Verdade, a revelação da realidade e a filosofia divina. ('Abdu'l-Bahá, A Promulgação da Paz Universal, pp. 325-326)
Então, o que fiz eu com o meu troco em demasia? Avaliei com a minha própria consciência e, seguidamente, devolvi-o à menina da caixa, na loja. Ela olhou para mim com gratidão, disse-me que eu a tinha livrado de grandes problemas no trabalho. Saiu detrás do balcão e deu-me um abraço.

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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