sábado, 6 de abril de 2019

Terá Darwin descoberto a Divindade?

Por Robert Atkinson.


A maioria das pessoas recorda o famoso cientista Charles Darwin pela sua teoria da “sobrevivência do mais apto”.

Essa perspectiva da evolução descreve as criaturas no mundo natural – incluindo os humanos – em competição uns contra os outros, num cenário de oposição inerente a todas as criaturas. Há quem diga que a sua teoria lançou uma visão do mundo caracterizado pela separação e competição.

No entanto, se olharmos cuidadosamente para os seus escritos, descobrimos o outro lado da história - algo desconhecido, ignorado e mal-entendido. A visão do mundo marcado pela separação já existia muitos séculos antes de Darwin e as muitas tentativas dos seus seguidores para promover a sua teoria parecem agora ser uma derradeira tentativa para defender essa maneira antiquada de olhar o mundo. Além disso, a teoria completa de Darwin, quando examinada detalhadamente, ajusta-se mais aos princípios espirituais emergentes no seu tempo do que fomos levados a acreditar.

Durante a vida de Darwin, teve início, em 1852, um avanço na consciência da humanidade com a revelação de Bahá’u’lláh, o fundador da Fé Bahá’í. Os ensinamentos Bahá’ís, destinados a ultrapassar normas existentes de construção da nações e nacionalismo, baseiam-se na unicidade da humanidade - o princípio espiritual fundamental que caracteriza o nosso tempo:
A Terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos… Sois frutos de uma só árvore e folhas de um só ramo… Tão poderosa é a luz da unidade que pode iluminar a terra inteira. (Baha’u’llah, Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, CXXXII)
Os ensinamentos Bahá’ís apresentam uma visão totalmente desenvolvida da evolução, na qual todas as coisas estão interligadas, dependem do mesmo Criador e, portanto, seguem as mesmas leis e princípios em todos os domínios - incluindo a evolução colectiva da humanidade, que passa por fases, tal como o indivíduo:
A realidade é uma só; e quando encontrada, unificará toda a humanidade… A realidade é o conhecimento de Deus… A realidade está subjacente a todos os grandes sistemas religiosos do mundo. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 372)

A ordem mundial apenas se pode basear na inabalável consciência da unicidade da humanidade… O reconhecimento desta verdade exige o abandono dos preconceitos - preconceitos de todos os tipos – raça, classe, cor, credo, nação, sexo, grau de civilização material, e tudo o que permita que as pessoas se considerem superiores a outras. (The Universal House of Justice, The Promise of World Peace, p. 10)
Os ensinamentos Bahá'ís afirmam que a evolução tem um objectivo, é progressiva e conduz a níveis de cooperação cada vez maiores. Surpreendentemente, a visão de Darwin sobre a evolução, quando considerada na sua totalidade, apresenta um paralelismo perfeito com isto. Darwin fez estudos para ser clérigo; depois, numa verdadeira mudança de paradigma, partiu em viagem no Beagle para as zonas mais remotas do mundo; e também reconheceu que, coexistindo com a sua teoria da “sobrevivência do mais apto”, existe a lei natural da cooperação.

Uma leitura mais pormenorizada sobre as ideias de Darwin revela uma ligação intrigante entre a sua teoria da evolução e os ensinamentos Bahá’ís. No livro The Descent of Man [1871] (traduzido em Portugal como A Origem do Homem e no Brasil como A Descendência do Homem), Darwin escreveu sobre a evolução progressiva:
À medida que o homem progride, e pequenas tribos se unem em comunidades maiores, a simples razão diz ao indivíduo que deve alargar os seus instintos e simpatias sociais a todos os membros da mesma nação, mesmo que não os conheça pessoalmente. Quando se chega a este ponto, apenas existe uma barreira artificial que impede que as suas simpatias se alarguem aos homens de todas as nações e raças. (Charles Darwin, The Descent of Man, p. 83)
O que ele descreve aqui, será altruísmo colectivo ou a Regra de Ouro? Numa frase arrebatadora, Darwin leva a lei natural da cooperação do nível individual ao nível global. O próximo passo neste percurso evolutivo - que tem os seus altos e baixos - será outro princípio espiritual universal - a paz na terra - que é prometido por todas as tradições espirituais mundiais, mas também é visto como inevitável pelas escrituras Bahá’ís.

Será que quando os ensinamentos Bahá’ís estavam a ser revelados no mundo, Darwin, de alguma forma, recebeu estas energias espirituais e integrou-as nas suas ideias inovadoras sobre a evolução? Poderiam outros pensadores de vanguarda daquele tempo – como os transcendentalistas e, mais tarde, os defensores das teorias quânticas – ter feito a mesma coisa nas suas áreas pelo progresso da consciência da humanidade?

Um princípio espiritual essencial da Fé Bahá’í é que a ciência e a religião devem estar em harmonia – a razão e a fé são formas complementares (e necessárias) para compreender plenamente a natureza da realidade. O progresso de cada uma anda a par com a outra.

Nos nossos dias, ciência e religião parecem concordar com a ideia de evolução progressiva. Os ensinamentos Bahá’ís afirmam:
Todos os seres, sejam universais ou particulares, foram criados perfeitos e completos desde o início. O máximo que podemos dizer é que as suas perfeições apenas se tornaram gradualmente aparentes. A lei de Deus é uma; a evolução da existência é uma; a ordem divina é uma. Todos os seres, grandes ou pequenos, estão sujeitos a uma lei e uma ordem. Cada semente tem, desde o início, todas as perfeições da planta… Quando consideramos esta ordem universal, vemos que nenhuma coisa atinge a perfeição imediatamente após vir à existência, mas cresce e desenvolve-se gradualmente até atingir essa fase. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, pp. 229-230)
Charles Darwin, no livro A Origem das Espécies (1859), apresenta outro conceito que o liga aos ensinamentos Bahá’ís, quando escreve: “Como a selecção natural trabalha unicamente para o bem de cada ser, todos os dons corporais e mentais tendem a progredir em direcção à perfeição.” (p.577)

Quando juntamos a toda a teoria da evolução de Darwin – baseada na ideia de que os nossos instintos sociais evoluem de “pequenas tribos” para “grandes comunidades”, para “todos os membros da mesma nação” e, por fim, “todas as nações e raças” – com a ideia de que a evolução progride para a perfeição, a sua visão geral alinha-se quase integralmente com o princípio de evolução espiritual através do desenvolvimento progressivo da ordem em direcção a uma harmonia crescente.

Também é interessante notar que antes de Charles Darwin, o conceito de evolução ainda não tinha surgido no discurso público. Agora reconhecemos que tudo evolui: a vida, a cultura, a civilização, a ciência, a tecnologia, as artes e até o próprio universo.

Compreender o que Darwin verdadeiramente disse – e pretendia – assim como a sua provável fonte de inspiração, é uma forma de entender que os saltos evolutivos da consciência humana acontecem numa escala mais ampla. De facto, os fundadores das religiões do passado também tiveram os seus Darwins, Emersons e Einsteins que preencheram o fosso entre ciência e religião enquanto faziam avançar o espírito da época através de uma perspectiva essencialmente secular.

É difícil negar que os fundadores das religiões mundiais - como Abraão, Krishna, Moisés, Zoroastro, Buda, Cristo, Maomé e, no nosso tempo, Bahá'u'lláh - tenham, cada um à sua maneira, transformado a vida espiritual dos povos do mundo, mudado o rumo da vida humana ao longo dos últimos milhares de anos e causado um salto de consciência em cada nova época espiritual iniciada por cada um deles.

Hoje, compreendemos melhor que existe uma lei universal governa tudo, que a realidade é uma só e que a evolução progressiva e a revelação progressiva são princípios paralelos de uma única realidade. Podemos ficar encorajados com a harmonia sobre verdades vitais, tais como o desenvolvimento evolutivo, que nos guiam para uma consciência da unicidade da humanidade.

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Texto original: Did Darwin Discover Divinity? (www.bahaiteachings.org)

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Robert Atkinson é doutorado em psicologia do desenvolvimento, professor na University of Southern Maine e autor de vários livros, nomeadamente, The Story Of Our Time: From Duality to Interconnectedness to Oneness, Mystic Journey: Getting to the Heart of Your Soul’s Story (2012), e Remembering 1969: Searching for the Eternal in Changing Times (2008).

1 comentário:

Ramón Velásquez disse...

Essas traduções são grandes serviços à Comunidade!
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