quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Bezerros, Hambúrgueres e Incêndios na Amazónia

Por David Langness.


Na semana passada comi um hambúrguer num restaurante fast-food. Isto pode parecer completamente trivial e irrelevante, mas há 40 anos que não comia um hambúrguer. E explico porquê.

Deixei de comer carne vermelha quando tinha 20 anos, por dois motivos. Primeiro, quando eu era criança convivia com gado e gostava de vacas. Cresci numa comunidade agrícola e apesar da minha família não criar gado, muitas outras faziam-no. Uma amiga minha criou um bezerro para um projecto de uma organização juvenil. Eu conhecia aquele bezerro; chamava-se “Decaf” (...)

O Decaf gostava de correr e saltar no prado, lambia a mão da minha amiga quando ela o alimentava e a dava-nos empurrões quando lhe fazíamos festas naquele pêlo espesso. O Decaf tinha olhos castanhos grandes e expressivos, e a minha amiga dizia que gostava de ter umas pestanas iguais. Aquele pequeno bezerro parecia ter uma personalidade amigável. Um dia, depois do Decaf ter sido vendido num leilão de gado, comi um bife e tive a sensação terrível de que poderia estar a comer aquele mesmo animal.

O segundo motivo baseia-se nos ensinamentos Bahá'ís, onde se descreve a resposta de ‘Abdu’l-Bahá à pergunta: “Qual será a alimentação do futuro?”
Frutas e cereais. Virá o tempo em que já não se comerá carne. A ciência está ainda na sua infância, mas já demonstrou que a nossa dieta natural é aquilo que nasce do solo. As pessoas desenvolver-se-ão gradualmente até à condição desta alimentação natural. (‘Abdu’l-Bahá, citado por Julia M. Grundy em Ten Days in the Light of Akka, pag. 8-9)
Isto pareceu-me sensato. E ao recordar-me da minha amizade de infância com o bezerro Decaf, decidi deixar de comer carne. Durante quatro décadas, mantive-me fiel a essa decisão. Mas que fique claro: não estou com isto a afirmar qualquer espécie de superioridade moral. Quando tomei a minha decisão, isso nada teve a ver com o bem-estar do mundo. Não tinha qualquer conhecimento sobre alterações climáticas e via a minha decisão como plenamente pessoal, ditada apenas pelos meus sentimentos e pela minha Fé.

Mas voltemos ao hambúrguer. Uma rede de restaurantes fast-food nos Estados Unidos começou recentemente a publicitar um novo hambúrguer com uma espécie de carne baseada em vegetais, e eu decido experimentá-lo. Supostamente, afirmava a publicidade, tinha um sabor igual à carne, mas não tinha ingredientes animais. E para minha surpresa, tinha o mesmo sabor que os hambúrgueres que eu comia em criança: deliciosos! E, no entanto, nenhum Decaf sofreu para fazer este hambúrguer. Era uma dupla vitória para mim e para o bezerro. Comi aquele hambúrguer com prazer. E com mostarda também.

Tudo isto poderia parecer disparatado e inconsequente, mas ao ler as notícias sobre os incêndios devastadores na Amazónia – e dos fogos deliberadamente ateados noutros países do mundo como Angola e a República Democrática do Congo – lembrei-me de uma coisa. Tipicamente, estes incêndios trágicos representam a destruição de uma floresta densa e a sua substituição por pastagens lucrativas para criação de gado, forçando a deslocação de populações indígenas e suas culturas, e também privando-nos gradualmente a todos do bioma que precisamos para viver. O carbono libertado na atmosfera por estes incêndios retém o calor do sol, tornando o ar mais quente, favorecendo mais incêndios, criando assim um tremendo ciclo vicioso.

No fundo, estamos a trocar o clima da Terra, a nossa atmosfera e o futuro da humanidade por hambúrgueres fast-food - feitos de carne de gado criado em pastagens onde antes existiam florestas tropicais, que se tornaram a principal fonte da carne vendida nas redes de fast-food nos países desenvolvidos.

Se pensarmos nisto, percebemos que é uma troca prejudicial.

Os especialistas em ciência climática identificaram a melhor coisa que podemos potencialmente fazer para evitar as piores consequências das alterações climáticas: mudar os nossos hábitos alimentares. Se todos nos alimentarmos nos níveis mais baixos da cadeia alimentar – o que significa adoptar uma alimentação essencialmente à base de vegetais, em vez de uma alimentação baseada no consumo diário de carne – podemos colectivamente ajudar a diminuir a quantidade de carbono na atmosfera, e salvar florestas e selvas que são sacrificadas devido ao nosso apetite voraz por hambúrgueres. Além, também disso ficaremos mais saudáveis, tal como ficarão mais felizes as criaturas como o Decaf.

Pensar nesta simples equação, ler e ver mais notícias sobre este assunto levaram-me a reflectir sobre a rapidez com que condenamos os outros pelos problemas do mundo. Quando acontecem tragédias globais, como os incêndios da Amazónia, tipicamente procuramos um alvo para culpar, apontando dedos acusadores na comunicação social e nas redes sociais, e criticamos fortemente essa pessoa, político, país ou empresa. Penso que se começarmos por olhar mais para nós próprios, poderemos chegar mais perto da raiz do problema:
Ó filho do homem! Se os teus olhos estão voltados para a misericórdia, renuncia às coisas que te são vantajosas, e segura-te àquilo que beneficia a humanidade. E se os teus olhos estão voltados para a justiça, escolhe para os teus próximos aquilo que escolhes para ti próprio. (Bahá’u’lláh, Epistle to the Son of the Wolf, pp. 29-30)
Assim, se o leitor está preocupado com os fogos que devastam as florestas do mundo e as consequências que terão posteriormente na humanidade e no planeta, siga o conselho de Bahá'u'lláh e segure-se “àquilo que beneficia a humanidade”.

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Texto original: Cows, Burgers, and the Fires in the Amazon (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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