sábado, 28 de setembro de 2019

Tahirih, o Véu e os Direitos Humanos

Por Sheila Flood.


Uma poetisa, mística e célebre estudiosa do século XIX, morreu heroicamente pela causa da emancipação das mulheres. Toda a gente precisa de conhecer o seu nome.

Em 1848, nos primeiros dias do movimento Babi, teve lugar uma conferência de três semanas num local chamado Badasht, no Irão, onde estiveram presentes cerca de 80 homens e apenas uma mulher - a corajosa poetisa persa chamada Tahirih. No decorrer da conferência, para reforçar simbolicamente o novo ensinamento do Báb sobre igualdade entre homens e mulheres, Tahirih retirou o seu véu, um acto revolucionário para aquela cultura e naquele momento da sua história.

A consternação profunda e emoção violenta que este gesto provocou, repercutiram-se para lá do seu tempo e espaço.

Apesar de muitos condenarem a remoção do véu, o Báb - o jovem líder do movimento espiritual que varria todo o país – apoiou o gesto radical de Tahirih. Os seus seguidores, explicou o Báb, teriam de se reconciliar com os novos ensinamentos sociais, fossem perturbadores ou não.

O sucessor do Báb, Bahá’u’lláh, que mais tarde fundaria a Fé Bahá’í, estava presente na conferência e também apoiou Tahirih. Apesar da confusão e da agitação em Badasht, Bahá'u'lláh atribui-lhe o título de “A Pura”. E também fez da igualdade de sexos um dos princípios essenciais da Sua revelação:
Bahá'u'lláh proclamou a igualdade de sexos – que tanto homem como mulher são ambos servos de Deus, perante Quem não existe distinção. Quem quer que tenha um coração puro e pratique boas acções está próximo de Deus e é objecto do Seu favor – seja homem ou mulher. A distinção de sexo existe no mundo humano e deve-se à falta de educação para a mulher, a quem tem sido negada igual oportunidade de desenvolvimento e progresso. A igualdade dos sexos será estabelecida proporcionalmente às crescentes oportunidades oferecidas às mulheres nesta era, porque homem e mulher são recipientes iguais dos poderes e dádivas de Deus, o Criador. Deus não decretou distinção entre eles no Seu perfeito propósito. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 300)
Em 1948 – exactamente cem anos depois da conferência de Badasht – outra conferência agitou a consciência do mundo. Os 58 estados soberanos que, então, constituíam as Nações Unidas, reuniram-se em Paris. As palavras emocionantes que abriam a recém-criada Declaração Universal dos Direitos Humanos lançava um apelo pela igualdade que mais tarde seria adoptado como um acordo internacional.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artº 1)
Tahirih teria, sem dúvida, aplaudido o significado deste acordo. Durante o século que se seguiu a Badasht, a humanidade deu grandes passos no reconhecimento da igualdade de género, raça e religião. Apesar do progresso ter sido desigual e ainda haver muito por fazer, podemos agora reconhecer em vários locais do globo, em impulsos diversos, os avanços da humanidade em direcção à igualdade e à justiça.

O acto de Tahirih não visava apenas o uso do véu. Em vez disso, simbolizava a igualdade e capacitação das mulheres para fazerem essas escolhas – poder agir de forma livre e independente. Seja no vestuário, nos actos ou opiniões, promover e salvaguardar os direitos humanos resulta necessariamente em diversas formas de auto-expressão. Os direitos humanos permitem que a liberdade de escolha crie a diversidade, e a aceitação da diversidade abre espaço a uma meritocracia pacífica de ideias e boas práticas.

Se fosse viva hoje, como reagiria Tahirih às ideias e práticas modernas? Sem dúvida que se sentiria consternada com os graves ataques aos direitos elementares das mulheres um pouco por todo o mundo. Mas talvez se sentisse igualmente perturbada com a visão limitada da emancipação apresentada pela perspectiva materialista.

Certamente que continuaria a sua luta pelo reconhecimento de que toda a humanidade é constituída por seres espirituais, independentemente da idade ou género. Isto implica compreender que há diferenças superficiais que são irrelevantes quando comparadas com os valores da dignidade e bondade humana, que são muito mais importantes e não são negociáveis.

Os ideais de Tahirih surgiram da Revelação do Báb, que proclamou “Deus não deseja ver… qualquer alma privada de alegria e esplendor.” (The Bab, Selections from the Writings of the Bab, p. 80)

Recordando o bem conhecido versículo do Alcorão “Não há coacção na religião”, o Báb escreveu que:
...o caminho para a guia é o do amor e da compaixão, e não o da força e da compaixão. Isto foi o método de Deus no passado, e continuará a ser o futuro” (Idem, p.77)
Um poema de Tahirih, ecoa este poderoso sentimento:
Que os caminhos beligerantes sejam banidos do mundo.
Deixe a Justiça em toda a parte estenda o seu tapete.
Que a amizade e o antigo ódio se reconciliem.
Que o amor cresça da semente do amor que semeámos!

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Texto original: Tahirih, the Veil and Human Rights (www.bahaiteachings.org)

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Sheila Flood vive com o marido na British Columbia (Canadá) onde participa activamente em actividades Bahá’ís. É também colaboradora do blog Spiritually Speaking.

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