sábado, 8 de fevereiro de 2020

O homem que conheceu Bahá’u’lláh

Por Joseph Roy Sheppherd.


Sentei-me no chão de uma sala cheia de gente, em casa do artista David Villasenor e ouvi o sr. Samandarí a falar em persa e a contar uma história sobre os momentos em que esteve na presença de Bahá'u'lláh.

Eu estava a ouvir um homem que conhecera Bahá'u'lláh, o fundador da Fé Bahá'í.

Imaginem, se conseguirem, o que é estar na presença de alguém que conheceu um mensageiro divino, Cristo, Buda ou Moisés. Tal como eu, iam querer absorver todos os detalhes daquilo que essa pessoa viu, ouviu e sentiu. Nesse dia, Tarazu'llah Samandari era um homem idoso com noventa e dois anos de idade e o seu filho Mihdi traduzia as suas palavras.

O sr. Samandari tinha dezassete anos quando fez a sua primeira longa viagem, desde a Pérsia até à colónia penal de Akka, onde Bahá'u'lláh estava preso há muitos anos. A viagem demorara várias semanas, mas valia a pena. Durante seis meses ficou na companhia da família de Bahá'u'lláh, e em várias ocasiões ouviu Bahá'u'lláh revelar as palavras de Deus à medida que ditava epístolas e orações.

Tarazu’llah Samandari
Na sua memória viva e lúcida, cada cena era como uma fotografia na sua mente. Ao relatar os eventos que testemunhara, ele descrevia até os pequenos detalhes. Contou que numa certa ocasião, Bahá'u'lláh pediu-lhe que distribuísse rosas a todas as pessoas presentes; ele apreciava a honra de ter prestado até esse pequeno e simples serviço. As suas histórias eram como pequenas janelas em diferentes momentos e lugares, onde podíamos ver com os seus olhos. Ele vira os primeiros Bahá'ís vindo de longe e caminhando como peregrinos, num esforço para conhecer pessoalmente o Autor dos ensinamentos Bahá'ís, que eles tinham lido e adoptado como a sua religião. Durante os primeiros anos de encarceramento de Bahá'u'lláh, os peregrinos aproximavam-se das portas da prisão e suplicavam que os deixassem entrar. Isto deixava os guardas da prisão confusos. Não conseguiam perceber como é que alguém podia querer tentar entrar na prisão.

Aqueles que obtinham permissão para entrar ficavam durante semanas ou meses em condições imundas e nauseabundas só para estar próximo de Bahá'u'lláh, o mensageiro de Deus. Naquela época as doenças alastravam na cidade-prisão, e por isso os peregrinos corriam um risco muito real de contraírem um problema fatal antes de saírem da cidade. Por vezes os peregrinos eram afastados e não lhes era permitido entrar. Tinham de se contentar em ficar para lá do fosso que cercava a cidade, e viam apenas a mão de Bahá'u'lláh que lhes acenava de uma das janelas gradeadas da sua cela. Ficavam com o coração despedaçado e caminhavam centenas de quilómetros de regresso às suas terras, tendo visto apenas a Sua mão.

À medida que o Sr. Samandari descrevia o que tinha visto, nós sentados víamo-nos envolvidos nas imagens das suas palavras. Ele tinha tido a sorte de chegar num momento em que as pessoas tinham mais facilidade em obter permissão para visitar Bahá'u'lláh. Contou-nos como a personalidade de Bahá'u'lláh convenceu os guardas e o governador da própria cidade-prisão. Reconheceram a Sua inocência e, mesmo sem a permissão dos seus superiores governamentais, permitiram-Lhe que vivesse fora das muralhas de Akká.

Através do tradutor, o Sr. Samandari descrevia humildemente a bondade e majestade de Bahá'u'lláh; eram memórias de um tempo em que ele era um jovem da minha idade. Quando terminou, houve quem perguntasse como era ter sido Bahá'í durante a época do próprio mensageiro de Deus. Ele afirmou que era uma honra em ter servido Bahá'u'lláh durante a Sua vida e posteriormente, e que é dever de todos responder às necessidades dos tempos em que se vive e fazer o que podemos como Bahá'ís.

Percebi que de certa maneira não tinha perdido o encontro com Bahá'u'lláh. É certo que eu não sentia que o desconhecia pois tinha lido os seus livros e reconhecido a origem divina dos Seus ensinamentos. E até conheci alguém que O conheceu. Acima de tudo, eu tornei-me um Bahá'í ao reconhecer a verdade dos ensinamentos Bahá'ís. Não era importante que tivesse visto Bahá'u'lláh com os meus próprios olhos ou ouvido o tom da sua voz com meus próprios ouvidos; o importante eram as suas palavras e ensinamentos. A mensagem ainda cá estava, mesmo que o mensageiro de Deus tivesse partido:
A luz é boa em qualquer lâmpada que esteja acesa! Uma rosa é bela em qualquer jardim que floresça! Uma estrela tem o mesmo esplendor quer brilhe no oriente ou no ocidente. Libertai-vos de preconceitos para que possais amar o Sol da Verdade em qualquer horizonte que ele se erga! Percebereis que a luz Divina que brilhou em Jesus Cristo também brilhou em Moisés e em Buda. Quem procura zelosamente chegará a esta verdade. ('Abdu'l-Bahá, Paris Talks, p. 137)
Na sala, alguém perguntou sobre o falecimento de Bahá'u'lláh. A voz do sr. Samandari ficou subitamente pesarosa; de forma relutante contou que estava entre os peregrinos visitantes e Bahá'ís residentes em Akka que foram chamados à presença de Bahá'u'lláh quando Ele estava deitado na cama, sendo cuidado pela Sua família. O sr. Samandari, que ainda era um jovem, percebeu que Bahá'u'lláh estava a morrer.

Fez uma pausa de depois repetiu o que Bahá'u'lláh disse ao grupo angustiado de Bahá'ís dedicados. A voz de Bahá'u'lláh era clara, mas suave devido à febre que contraíra. Falou da importância da unidade. A forma como o sr. Samandari falava e os seus gestos humildes, mesmo antes das suas palavras serem traduzidas do persa, tornavam óbvio o amor que ele tinha por Bahá'u'lláh. Antes de se despedir e se retirar, o sr. Samandari deu-nos a mesma mensagem que Bahá'u'lláh lhe tinha transmitido: que devemos estar unidos e promover a unidade no mundo:
Este é o Dia em que os mais excelentes favores de Deus foram derramados sobre os homens, o Dia em que a Sua mais poderosa graça foi incutida a todas as coisas criadas. Incumbe a todos os povos do mundo reconciliarem as suas diferenças e, em perfeitas paz e unidade, permanecer à sombra da Árvore da Sua protecção e amorosa generosidade. (Baha'u'llah, Gleanings, IV)

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Texto original: Meeting the Man Who Met Baha'u'llah (www.bahaiteachings.org)

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Joseph Sheppherd faleceu 2015. Foi um antropólogo e arqueólogo linguístico e cultural. Viveu nos Estados Unidos, Reino Unido, Panamá, Colômbia e Eslováquia. Passou vários anos entre os povos das selvas dos Camarões e da Guiné Equatorial. Foi professor, escritor, escultor, artista gráfico, artesão e pintor. Publicou 10 livros onde abordou diversos temas, desde assuntos profissionais até aos temas Bahá'ís, passando pela poesia, ficção e literatura infantil.

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