quinta-feira, 5 de março de 2020

O Coronavirus e a Unicidade da Humanidade

Por Homa Sabet Tavangar.


Ontem andei pela cidade; fui a duas mercearias, a quatro farmácias, a uma loja de conveniência, e a uma loja grande para comprar desinfectante para as mãos. Não encontrei. Nem sequer no formato de garrafa de viagem. Além desta escassez, e apesar de viver numa área onde as tempestades de neve podem fazer as pessoas ficar em casa durante dias, o senhor da caixa numa das mercearias disse-me que a sua loja tinha registado o record de vendas diárias no passado fim-de-semana. Por enquanto o COVID-19 – também conhecido como coronavírus – ainda não apareceu no meu estado, mas o pânico já cá está.

E ao pensar nesta história, percebi que há algo ainda mais notável: a disseminação do coronavírus prova que por mais que tentemos isolarmo-nos uns dos outros – seja com muros, patrulhas fronteiriças, clubes privados, linguagem codificada ou até a protecção com desinfectante para as mãos – a nossa unicidade é inegável.

Percebendo que o vírus não pode ser contido num país mesmo que existam leis rigorosas ou uma Grande Muralha, comecei a reflectir sobre o que significa afirmar que “a Humanidade é uma só”. Como sou optimista, sinto-me atraída pela forma como a nossa unicidade se expressa de formas agradáveis, nomeadamente uma linguagem universal de amor e riso, ou através da arte e do acesso à educação. O exemplo do coronavírus, porém, ilustra uma faceta igualmente válida da nossa unicidade, pois somos forçados a juntarmo-nos para criar soluções face à nossa vulnerabilidade comum.

Ter consciência do coronavírus fez-me pensar em dois requisitos importantes da unicidade: empatia e justiça. No meio da corrida aos bens essenciais nas nossas lojas ainda bem fornecidas, pensei no trauma vivido pelos refugiados da Síria ou de El Salvador que fugiram de casa com pouco mais do que a roupa que tinham no corpo. Não pretendo com isto incutir um sentimento de culpa, mas questiono: e se eu canalizar o pânico que atravessa temporariamente a minha mente para compreender melhor aqueles que vivem no medo da perseguição, da fome e da violência diária? Isto lembrou-me que me devo esforçar para ser “amorosa com todos os atormentados, um dissipador das tristezas de todos os sofredores, um consolo para os corações abatidos, uma bênção para as almas pouco afortunadas” (‘Abdu’l-Bahá, Tablets of ‘Abdu’l-Bahá). Além disso, lembro-me da sabedoria das palavras “O amor é uma luz que nunca habita num coração possuído pelo medo” (Bahá’u’lláh, The Seven Valleys and The Four Valleys) que me ajudam a ter consciência de que devo fazer todos os esforços para escolher o amor em vez do medo, e ter como objectivo o serviço e a empatia em vez do egoísmo e do pânico.

Sobre a justiça, Bahá’u’lláh afirmou: “O propósito da justiça é o aparecimento da unidade entre os homens” (Tablets of Baha’u’llah). Por outras palavras, para se alcançar a unidade, devemos primeiro conseguir a justiça. No contexto da pandemia actual, isto diz-me que se a pessoa que trata da sua comida, da sua roupa, da sua casa, dos seus filhos estiver mal paga ou for maltratada, então todos somos afectados, mesmo que tenhamos todos os privilégios. Não há quantidade suficiente de desinfectante para as mãos que resolva este problema básico. Se a pessoa que limpa quartos no hotel ou serve refeições no restaurante se sente doente, ela pode não ter alternativa a não ser ir trabalhar para ganhar o seu ordenado que ajudará a alimentar a família e a pagar os seus empréstimos. Para muitos trabalhadores, não trabalhar significa não receber dinheiro. E se nós, como sociedade, percebêssemos que o bem-estar destas pessoas é o nosso bem-estar? O coronavírus parece estar a decidir isso por nós. Na verdade, nos lugares onde o subsídio por doença é obrigatório, a quantidade de doentes com gripe desce 40%. Este pequeno acto de justiça beneficia todos nós.

Bahá’u’lláh exortou a humanidade a procurar o seu bem-estar colectivo e explicou as coisas de forma simples, com exemplos que todos podemos compreender. Para apreciarmos a nossa unidade natural e essencial entre a nossa diversidade, as Suas escrituras descrevem a humanidade como:
  • Frutos de uma só árvore
  • Ondas do mesmo mar
  • Flores de um único jardim
  • Dedos de uma mão, membros do mesmo corpo.
Hoje é cada vez mais claro que se uma parte do corpo da humanidade está em aflição, então todo o corpo sofre. De igual modo, quando uma pessoa sofre numa cidade do outro lado do mundo, eu fico sensibilizada.

Tendo isto em mente, a visão de Bahá’u’lláh de que “A terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos” (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah) é hoje mais premente do que nunca. Um vírus microscópico não pode ser contido pelas fronteiras nacionais, tal como a sua solução: a descoberta de vacinas, medicação ou as informações sobre saúde pública que limitem a disseminação. Os exemplos recentes da contenção bem-sucedida da SARS e do Ébola mostram o poder colectivo das nações e dos povos.

No meio das profundas preocupações sobre o coronavírus, vejo sinais de beleza. Estamos nisto juntos. O bem-estar dos outros é o meu bem-estar. As nossas precauções – lavar as mãos, evitar contactos entre rostos, ficar em casa se estiver doente – ajudarão pessoas que nunca vimos. Que mais é preciso para mostrar que somos um só povo?

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Texto original: Reflections on the Coronavirus and the Oneness of Humanity (www.bahaiteachings.org)

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Homa Sabet Tavangar nasceu no irão e viveu em África, na América do Sul e nos Estados Unidos. É casada, tem 3 filhas e participa activamente em iniciativas de voluntariado na sua comunidade, em Philadelphia. é autora do conhecido livro Growing Up Global: Raising Children to Be At Home in the World. Este livro foi muito bem recebido pela crítica da BBC, NBC, ABC, Washington Post.com, Chicago Tribune, Boston Globe, PBS, FoxNews.com e Huffington Post. Este livro tem servido de base para diversas iniciativas nos EUA que pretendem ajudar diversas audiências (desde administradores de empresas a educadores de infância) a viver melhor num mundo global.

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