sábado, 25 de abril de 2020

E se Deus fosse uma Mulher?

Por Nasim Mansuri.


A maioria das religiões refere-se a Deus com pronomes masculinos. Mas será que nos podemos dirigir a Deus como se fosse feminino?

Quando era criança, aceitei simplesmente que nos referíssemos a Deus como “Ele”, com todo o imaginário paternal mental que isso implica. Mas à medida que explorei o conceito Bahá’í de igualdade entre homens e mulheres, e participei em conversas sobre a linguagem de género, comecei a questionar a razão para haver um Deus “masculino”.

As Escrituras Bahá’ís têm muitas citações que abordam explicitamente a igualdade de género. Veja-se este exemplo: “Enquanto a realidade da igualdade entre homem e mulher não for plenamente estabelecida, o mais elevado desenvolvimento social não é possível”. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace). Mas as Escrituras também referem Deus com pronomes masculinos – e simultaneamente afirmam que Deus está para lá da imaginação humana:
Aquilo que imaginamos não é a Realidade de Deus; Ele, o Incognoscível, o Impensável, está muito além do mais elevado conceito do homem. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks)
Se Deus é incognoscível, porque O referimos com um pronome masculino, algo mundano como o género? (E também é verdade que a citação anterior também usa “homem” para se referir a toda humanidade. Falarei disso mais tarde)

Os ensinamentos Bahá'ís não descrevem Deus tal como Ele é frequentemente representado – um velho lá no céu. É mais correcto decrevê-Lo com outros termos populares, como “O Universo”, ou “A Verdade”, ou “Um Poder Superior”. Apesar de não serem muito precisos, estes termos fazem-nos lembrar algo muito mais intangível, muito mais abrangente.

Os ensinamentos Bahá'ís dizem claramente que Deus não tem uma forma física:
Dizer que Deus é uma realidade pessoal não significa que Ele tenha uma forma física ou que Se assemelhe a um ser humano. Manter essa crença seria mera blasfémia. (escrito em nome de Shoghi Effendi, numa carta a um crente Bahá’í)
No entanto, a humanidade durante muito tempo ao longo da sua história referiu-se a Deus com pronomes de género. No fundo, é mais fácil. E apesar de Deus não ser uma pessoa, Ele é uma realidade pessoal. Quando falamos da influência de Deus nas nossas vidas, do nosso sentido de lealdade e amor para com Deus, e dos ensinamentos de Deus, é muito mais fácil dirigirmo-nos a este Ser Supremos como se Ele fosse uma pessoa.

Na história da maioria das culturas, o conceito de um ser todo-poderoso apenas poderia parecer plausível se fosse atribuído a uma figura masculina. E ao longo dos séculos, os Manifestantes de Deus ao transmitirem os Seus ensinamentos à humanidade também tiveram de usar uma linguagem que as pessoas entendessem. O conceito de um Deus “feminino” poderia ter sido excessivo numa altura em que as pessoas mal compreendiam a noção elementar de igualdade de entre homens e mulheres. Também poderia ter provocado mal-entendidos sobre Deus, levando as pessoas a acreditar que existe mais do que um.

As Escrituras Bahá'ís esclarecem que Deus é uma realidade que transcende os aspectos materiais, nomeadamente o género. E explicam que o uso de uma linguagem de género, particularmente nos casos em que se dirige a toda a humanidade como “homem” não é apenas uma questão de convenção. É uma questão de linguagem e tradução; mas isso não implica que as mulheres sejam inferiores aos homens:
Homem é um termo genérico que se aplica a toda a humanidade. A frase bíblica “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” não significa que a mulher não tenha sido criada. A imagem e semelhança também se aplica a ela. Em persa e em árabe existem duas palavras distintas que foram traduzidas para inglês como homem: uma significa homem e mulher colectivamente, a outra distingue homem como masculino e mulher como feminino. A primeira palavra e o seu pronome são genéricos e colectivos; a segunda aplica-se apenas ao masculino. Acontece o mesmo em hebreu. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace)
Adoro o facto dos ensinamentos Bahá’ís serem tão claros sobre a igualdade de homens e mulheres, mesmo no tema da linguagem. Tanto Mulheres como homens podem manifestar atributos divinos; nenhum deles está acima do outro. Aos olhos de Deus, o género dos seres humanos não tem significado:
Na realidade, Deus criou toda a humanidade, e na perspectiva de Deus não existe distinção entre homem e mulher. Aquele cujo coração é puro, é aceitável aos Seus olhos, seja homem ou mulher. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace)
A Casa Universal de Justiça diz-nos que a linguagem de género ao referir-se a Deus não tem significado. A nossa percepção é profundamente influenciada pelos padrões patriarcais que prevalecem na nossa sociedade:
No caso dos termos genéricos das traduções em inglês das Escrituras Bahá’ís, a tendência de considerar estes termos como sendo aplicáveis apenas a seres masculinos é um reflexo de uma sociedade dominada por homens, que prevaleceu durante muito tempo, e em relação à qual existe uma reacção das mulheres que pretendem igualdade e um reconhecimento legítimo… a linguagem é um fenómeno vivo e, sem dúvida, o significado desejado dos termos genéricos tornar-se-á mais evidente à medida que a influência do compromisso Bahá’í com a igualdade dos sexos se espalhar mais amplamente na sociedade humana. (em nome da Casa Universal de Justiça, 26 de Setembro de 1993)
A Fé Bahá’í reconhece que a linguagem é uma “coisa viva” – constantemente sujeita às mudanças na nossa cultura e na nossa compreensão da realidade. À medida que as nossas palavras mudam, também muda o nosso entendimento de palavras já existentes. Assim, à medida que transformamos a sociedade, o nosso entendimento sobre Deus também se aprofundará.

Com esta transformação, a sociedade pode começar a compreender que as qualidades “masculinas” normalmente associadas com Deus – força, poder, conhecimento – também são femininas. E pode começar a ver as qualidades “femininas” – como amor, carinho e compaixão – como inerentemente divinas e, portanto, tão dignas de louvor quanto as qualidades viris que tendemos a considerar masculinas.

E será que isto significa que podemos referir Deus com pronomes femininos? Penso que sim. Mas referir Deus com um género específico apenas para facilitar um diálogo nunca deve obscurecer a verdade: Deus está para lá da compreensão humana, para lá do género, para lá de uma forma física ou qualquer conceito humano que possamos ter.

Ao trabalhar para estabelecer a igualdade entre homens e mulheres em todos os aspectos das nossas vidas, vamos compreendendo Deus cada vez mais.

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Texto original: Is God a Woman? (www.bahaiteachings.org)

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Nasim Mansuri é uma apaixonada pela escrita. Nascida no Paraguai, tem servido a comunidade Bahá’í em vários países. Actualmente estuda Engenharia Química e Escrita Profissional no Massachusetts, onde é activa na dinamização de várias actividades Bahá’ís.

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