sábado, 6 de junho de 2020

O Racismo como Fenómeno Social e Espiritual

Por Makeena Rivers.


Temos tendência a pensar nos preconceitos e na animosidade raciais apenas como uma deficiência social – mas, na verdade, também sinalizam uma deficiência espiritual.

Esta frase pode parecer controversa para algumas pessoas, mas muitos de nós sentem-na e vivem-na. A opressão que existe na nossa realidade social tem um impacto profundo naquilo que somos. O nosso acesso a recursos como educação estável, cuidados de saúde rigorosos e de boa qualidade, água potável e alimentação nutritiva estão todos profundamente marcados pelo racismo.

E aquelas coisas onde mal se vê a linha que separa aquilo que somos socialmente e aquilo que somos no nosso íntimo, na nossa alma? As componentes espirituais daquilo que somos – tais como as nossas atitudes no amor, generosidade, e confiança, ou a nossa tendência para sermos inclusivos ou críticos – também são profundamente moldadas pelo racismo. Um exemplo evidente: o conceito de supremacia branca opõe-se directamente às interligações da humanidade. Quando começamos a perceber que as raízes do racismo não são apenas sociais, mas que também vivem nas veias e no coração da nossa sociedade, torna-se claro que apenas mudanças nas políticas e nas estruturas não nos levam muito longe. Ainda é necessário fazer muito trabalho para erradicar o racismo nos espaços sistémicos e organizacionais – mas também não podemos negar a crise espiritual que ele representa.

Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá’í, delineou as mudanças que temos de fazer para enfrentar o racismo de forma eficaz:

Um esforço tremendo torna-se necessário por ambas as raças se os seus pontos de vista, os seus hábitos e conduta pretendem reflectir, nesta idade de trevas, o espírito e os ensinamentos da Fé de Bahá’u’lláh. Rejeitando definitivamente todas as doutrinas falaciosas sobre superioridade racial, com todas os seus males, confusão e misérias, e acolhendo e encorajando a mistura de raças, e derrubando as barreiras que agora as separam, devem todos esforçar-se, dia e noite, para cumprir as suas responsabilidades específicas na tarefa comum que enfrentam com tanta urgência. (Shoghi Effendi, The Advent of Divine Justice, pp. 39-40)

Os detalhes sobre como o racismo actua na sociedade são importantes, mas o racismo tem efeitos físicos e espirituais. Muito investigadores identificaram diferenças persistentes no acesso a cuidados de saúde entre comunidades marginalizadas, independentemente do nível educacional e estatuto social, indicando que o racismo influencia a saúde física de todos os negros. Além de desigualdades económicas e pressões raciais sobre comunidade negras e mestiças, o racismo é também cria obstáculos ao crescimento espiritual dos brancos.

Uma sociedade racista ensina às pessoas atitudes e crenças que são contrárias à empatia, à justiça e à unidade. Embora estes obstáculos possam ser superados – da mesma forma que algumas pessoas negras e mestiças superam o seu status quo – eles exigem um esforço que seria desnecessário se o racismo não existisse.

‘Abdu’l-Bahá, filho do fundador da Fé Bahá’í, falou do propósito espiritual das nossas vidas nestes termos:

… neste mundo ele deve preparar-se para a vida do além. Aquilo que ele precisa no mundo do Reino deve ser obtido aqui. Tal como ele se preparou no mundo do ventre ao adquirir forças necessárias nesta esfera da existência, de igual modo, as forças indispensáveis à existência divina devem ser potencialmente adquiridas neste mundo. Que precisa ele no Reino que transcenda a vida e a limitação desta esfera mortal? Esse mundo do além é um mundo de santidade e esplendor; por isso, é necessário que neste mundo ele adquira estes atributos divinos. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 226)

Se a nossa sociedade condiciona populações, raças e classes de pessoas a acreditar que são superiores a outros, isso é como criar uma barreira que impede de alcançar um estado de santidade, amor e inviolabilidade. Ignorar uma história de violência, escravatura e exploração brutal também nos impede de cicatrizar as feridas. Essas feridas continuarão abertas e muitos de nós continuarão a sentir-se presos nas profundezas da raiva ou da confusão que nos impede de desenvolver um genuíno amor uns pelos outros, até que todos reconheçamos a nossa história e a desigualdade em que vivemos.

Claro que podemos descobrir a origem da maioria dos problemas sociais na falta de compreensão ou aceitação de um princípio espiritual. O fosso crescente entre ricos e pobres, por exemplo, deve-se essencialmente a uma doença espiritual chamada ganância. Sexismo, xenofobia, e lutas violentas devem-se à incapacidade dos povos em perceber a forma como estamos intrinsecamente ligados uns aos outros. Os ensinamentos Bahá’ís dizem:

Devido à nossa ignorância e falta de visão, dividimos este lar comum, dividimos os membros dessa família em várias raças, dividimos a religião em várias seitas e depois, com estas supostas divisões entrámos em guerra uns com os outros; derramámos o sangue uns dos outros e pilhámos os bens uns dos outros. Não é isto ignorância imperdoável? Não é isto o cúmulo da injustiça? Se formos justos e virmos sem preconceitos, compreenderemos que não existem diferenças fundamentais. (‘Abdu’l-Bahá, Divine Philosophy, pp. 178-179)

Quando se trata do tema da raça, temos um longo caminho para percorrer. Mesmo que não consigamos recuperar completamente nas nossas vidas, temos a responsabilidade de levar o nosso trabalho o mais longe possível.

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Texto original: Racism as a Social and Spiritual Phenomena (www.bahaiteachings.org)


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Makeena Rivers é uma recém-graduada pela Columbia School of Social Work (Nova Iorque) onde se focou em assuntos de raça, reclusão, educação e classe. Anteriormente tinha estudado psicologia e sociologia na Emory University.

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