sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Amor e Luto: o Falecimento de ‘Abdu’l-Bahá


Quando morre uma pessoa que nos é querida, não podemos deixar de nos perguntar: "Será que o amor que esta pessoa maravilhosa trouxe ao mundo acabou para sempre?"

A dor funciona assim. Pode deixar-nos destroçados, no escuro, sem sabermos se podemos enfrentar o futuro. A dor, é claro, vem directamente da sensação de perdermos para sempre um ente querido.

Mas os ensinamentos Bahá’ís garantem-nos que o amor puro nunca morre: "A maior dádiva do homem é o amor universal - aquele íman que torna a existência eterna." ('Abdu’l-Bahá, Divine Philosophy, p. 111)

‘Abdu’l-Bahá, o centro da aliança de Bahá’u’lláh e o líder dos Bahá’ís do mundo após o falecimento de Bahá’u’lláh, escreveu e falou extensivamente sobre o amor:

Sabe tu com certeza que o Amor é o segredo da santa Dispensação de Deus, é a manifestação do Todo-Misericordioso, a fonte das efusões espirituais. O amor é a luz bondosa do céu, o sopro eterno do Espírito Santo que vivifica a alma humana. O amor é a causa da revelação de Deus ao homem, o laço vital que, de acordo com a criação divina, é inerente à realidade das coisas. O amor é o único meio de assegurar a verdadeira felicidade, tanto neste mundo, como no vindouro. O amor é a luz que guia nas trevas, o elo vivo que une Deus ao homem, que garante o progresso de cada alma iluminada. O amor é a mais grandiosa lei que governa este ciclo poderoso e celestial, o poder único que liga os diversos elementos deste mundo material, a força magnética suprema que dirige os movimentos das esferas nos domínios celestiais. O amor revela com poder infalível e ilimitado os mistérios latentes no universo. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Baha, nº 12)

‘Abdu’l-Bahá definiu quatro tipos de amor, e disse:

O primeiro é o amor que flui de Deus para o homem; consiste de graças inesgotáveis, do esplendor Divino e iluminação celestial. Através deste amor o mundo do ser recebe vida. Através deste amor o homem é dotado de existência física até que, através do sopro do Espírito Santo - este mesmo amor - ele recebe a vida eterna e torna-se a imagem do Deus Vivo. Este amor é a origem de todo o amor no mundo da criação. (Abdu’l-Baha, Paris Talks, p. 181)

'Abdu'l-Bahá na Terra Santa, 1920
Todos os anos os Bahá'ís expressam o seu amor pelas Figuras Centrais da Fé observando solenemente o Seu falecimento e saída deste mundo: o martírio do Báb em 9 de Julho; a ascensão de Bahá’u’lláh em 29 de Maio; e em 28 de Novembro, a ascensão de 'Abdu'l-Bahá. Mas o que isso significa isso em termos dos ensinamentos Bahá’ís sobre a vida eterna?

Quando faleceu em 1921, ‘Abdu'l-Bahá - muitas vezes referido amorosamente como "o Mestre" ou o "Exemplo Perfeito" do que significa ser um bahá'í - deixou um legado de grande serviço e devoção constante aos ideais Bahá'ís da paz, do amor e da unidade.

Exilado do Seu país natal quando era criança e preso durante quarenta anos, ‘Abdu'l-Bahá viajou pelo mundo, quando já era idoso, para levar a mensagem do Seu pai sobre a unidade da humanidade às pessoas em toda a parte. Aclamado como um embaixador global da paz, amado e reverenciado em todo o mundo pela Sua humildade, pela Sua abnegação e pela Sua defesa da paz e da unidade, nomeado cavaleiro pelo Império Britânico pelo Seu trabalho que alimentou os pobres e evitou a fome na Palestina durante a Primeira Guerra Mundial, 'Abdu'l-Bahá abandonou este mundo aos 77 anos de idade, após uma vida de serviço humilde à humanidade.

O Seu neto Shoghi Effendi - que ‘Abdu’l-Bahá nomeou como o Guardião da Fé Bahá'í - mais tarde resumiu os últimos anos do Mestre, durante os quais Abdu’l-Bahá pediu aos Bahá’ís que não lamentassem a Sua morte:

Ao concluir as Suas cansativas viagens pelo Ocidente, que consumiram os últimos resquícios das Suas forças esmorecidas, escrevera: "Amigos, aproxima-se o tempo em que já não estarei convosco. Fiz tudo o que podia ser feito. Servi a Causa de Bahá'u'lláh até o limite máximo da Minha capacidade. Trabalhei dia e noite durante todos os anos da Minha vida. Oh! Quão intensamente desejo ver os crentes assumir as responsabilidades da Causa!... Os Meus dias estão contados e, salvo isto, não resta nenhuma outra alegria para mim." Alguns anos antes, Ele aludira assim à Sua morte: "Ó Meus fiéis amados! Se em algum momento acontecimentos aflitivos ocorrerem na Terra Santa, nunca se sintam perturbados ou agitados. Não temam, nem se lamentem. Pois tudo o que acontecer irá enaltecer o Verbo de Deus e difundir as Suas divinas fragrâncias." E também: "Lembrem-se, quer Eu esteja ou não na terra, a Minha presença estará sempre convosco." "Não considerem a pessoa de 'Abdu'l-Bahá", aconselhou Ele aos Seus amigos, numa das últimas Epístolas, "pois esta pessoa terá, por fim, de Se despedir de todos vós; antes, fixai o vosso olhar no Verbo de Deus... Os amados de Deus devem levantar-se com tamanha firmeza, que se num dado momento, centenas de almas, tal como ‘Abdu’l-Bahá, se tornarem alvo dos dardos das aflições, nada afectará ou diminuirá o seu... serviço à Causa de Deus." (Shoghi Effendi, God Passes By, pag. 309)

Mas lamentaram-se. O funeral de 'Abdu'l-Bahá reuniu a famosa e turbulenta diversidade religiosa da Terra Santa, atraindo gente consternada e admiradores de todas as religiões, raças, idades, origens e classes sociais. Uma forte sensação de perda e pesar dominava essas almas, e a intensidade dessa sensação uniu-as. O impacto inédito de ‘Abdu’l-Bahá e a libertação de emoções que o acompanhou resultaram num funeral como nunca se tinha visto.

Os líderes mundiais enviaram cartas e telegramas. Winston Churchill enviou um telegrama pedindo para "transmitir à Comunidade Bahá'í, em nome do Governo de Sua Majestade, a sua simpatia e condolências". Mas 'Abdu'l-Bahá também foi chorado pelos residentes mais pobres da Terra Santa, que Ele amou, apoiou, alimentou e ajudou durante décadas.

O Seu serviço fúnebre e enterro tiveram lugar no dia 29 de Novembro de 1921, um dia após o Seu falecimento, na encosta do Monte Carmelo, na Palestina Otomana, hoje Israel. Milhares de pessoas subiram a montanha, “Uma grande multidão”, escreveu o Alto Comissário Britânico para a Palestina, “reuniu-se, chorando a Sua morte, mas regozijando-se também pela Sua vida”.

A urna contendo os restos mortais de 'Abdu'l-Bahá foi transportada ao lugar de repouso final aos ombros dos Seus entes queridos… O longo séquito de enlutados, entre soluços e choros de muitos corações pesarosos, subia vagarosamente as encostas do Monte Carmelo, em direção ao mausoléu do Báb… Próximo da entrada leste do Santuário, o caixão sagrado foi colocado sobre uma mesa simples, e, na presença daquela vasta multidão, nove oradores, que representavam as Fés Muçulmanas, Judaica e Cristã… proferiram as suas orações fúnebres… A urna foi então levada para uma das câmaras do Santuário e ali desceu, triste e reverentemente, para a sua última morada, num sepulcro adjacente àquele em que jaziam os restos mortais do Báb. (Shoghi Effendi, God Passes By, pag. 310)

O governador de Jerusalém afirmou: "Nunca encontrei uma expressão mais unida de pesar e respeito do que a que foi causada pela absoluta simplicidade da cerimónia." Os observadores da imprensa estimaram a presença de mais de dez mil pessoas: árabes, turcos, persas, curdos, arménios, europeus, americanos, Judeus, Católicos, Cristãos Ortodoxos, Anglicanos, Muçulmanos, Drusos e Bahá'ís, funcionários do governo e clero, os mais ricos e os mais pobres, todos estavam ali para mostrar o seu profundo respeito pelo homem a quem um conhecido jornal chamou “A Personificação do Humanitarismo”. Enlutada, chorando e lamentando, a enorme multidão sentiu coletivamente uma tão profunda de perda que muitos participantes se debateram fortemente para conter as suas emoções.

Era um luto pela perda de alguém tão único e tão humilde, tão sábio e altruísta e tão dedicado no serviço aos outros, que receavam ter perdido algo muito mais do que um ser humano - alguém insubstituível, alguém extremamente precioso, não apenas um homem, mas uma alma verdadeiramente heroica e transcendente.

Muitos naquela multidão gigantesca deviam literalmente suas vidas a 'Abdu'l-Bahá, quer pelas generosas doações que Ele fizera aos pobres durante décadas ou pelos cereais que Ele armazenou para alimentar o povo faminto da Palestina durante o que eles chamaram de “A Grande Desgraça”, a longa Guerra Mundial que cortou o abastecimento de alimentos para a região.

O falecimento de ‘Abdu’l-Bahá e o Seu funeral no dia seguinte produziram uma das manifestações públicas mais espontâneas, profundas e unidas, de afecto e ternura que a Terra Santa alguma vez viu. A ascensão de 'Abdu'l-Bahá não apenas demonstrou a realidade dos ensinamentos Bahá'ís sobre a eternidade do amor, mas reavivou na nossa memória o conselho gentil que Ele deu a outros que perderam entes queridos:

A inescrutável sabedoria divina está subjacente a esses acontecimentos que partem o coração. É como se um jardineiro bondoso transferisse um arbusto novo e viçoso de um local exíguo para uma área muito espaçosa. Essa transferência não faz o arbusto murchar, atrofiar ou perecer; pelo contrário, essa mudança fará com que cresça e se desenvolva, que adquira vivacidade e delicadeza, que verdeje e dê frutos. Este segredo oculto é bem conhecido do jardineiro, mas as almas que estão inconscientes destas graças supõem que ele, na sua ira e cólera, tenha arrancado o arbusto. No entanto, para aqueles que estão cientes, este facto oculto está manifesto, e este mandamento predestinado é considerado uma graça. Portanto, não vos sintais consternados ou desconsolados pela ascensão deste pássaro da fidelidade; pelo contrário, sob todas as circunstâncias orai por esse jovem, suplicando perdão por ele, e elevação da sua condição. (‘Abdu’l-Bahá, Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, nº 169)

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Texto original: Love and Grief: the Passing of Abdu’l-Baha (www.bahaiteachings.org)


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