sábado, 30 de abril de 2022

Hipocrisia e Religião

Por David Langness.


 
Ó FILHO DO ESPÍRITO!
Sabe, em verdade: aquele que ordena aos homens a serem justos e comete, ele próprio, iniquidades, não pertence a Mim, ainda que tenha o Meu nome.

Ó FILHO DO SER!
Não atribuas a nenhuma alma o que não atribuirias a ti próprio, nem digas o que não fazes. Este é o Meu mandamento para ti; observa-o. 
(Bahá’u’lláh, Palavras Ocultas, do árabe, #28 e #29)

Estas poderosas advertências das Escrituras Bahá'ís advertem-nos sobre uma grande falha humana chamada hipocrisia.

Quando eu era criança, os meus pais levavam-me a uma pequena igreja Protestante na pequena cidade rural onde morávamos. No início, eu gostava de lá ir. Comecei a cantar, brincar com as outras crianças da minha idade e tinha a sensação, mesmo quando era criança, de que Deus amava, cuidava e protegia as crianças. Aos seis, sete e oito anos, a igreja parecia um lugar que Deus poderia querer visitar, um santuário para sentimentos espirituais, bondade e amor.

Mas quando completei 9 anos e tudo começou a desmoronar-se para mim. Gradualmente, percebi que algumas das crianças da igreja se consideravam melhores do que as outras, e, sem dúvida, melhores do que eu. Éramos uma família pobre, e as crianças das famílias mais ricas - descobri aos nove anos de idade – desprezavam as crianças pobres. Criticavam as nossas roupas, os nossos valores, a nossa falta de sofisticação. Eles intimidavam-nos ou ignoravam-nos. Percebi rapidamente que estabeleciam um sistema de classes, que aprendiam com os seus pais e que imitavam o sistema de classes sociais estratificado, preconceituoso e injusto que existia no mundo dos adultos. Nesse seu sistema, pobres, negros e mestiços estavam na base; e eles estavam no topo.

Quando percebi isto, foi um choque. Não acreditávamos todos no mesmo Deus? E Deus não nos pedia para amar e sermos gentis uns com os outros? No meu pensamento infantil, não conseguia entender porquê a igreja - entre todos os outros lugares - tinha que ser assim.

Num sábado, estava a ajudar meu pai numa oficina da Chevrolet onde ele trabalhava, quando apareceu um dos pastores da igreja com o seu carro para reparação. Fiquei com meu pai enquanto ele escrevia a ordem de serviço. O pastor sorriu, cumprimentou o meu pai e a mim, e então o problema do carro. Quando ele terminou, ele disse para o meu pai: “E é claro que você vai dar-me o desconto do clero”.

O meu pai olhou para o homem e disse: “Não oferecemos desconto para o clero. Fazemos um preço justo, nem mais nem menos do que qualquer outra pessoa.” O pastor foi-se embora muito zangado.

Hipócrita”, disse o meu pai.

Pai, o que é um hipócrita?”, perguntei.

É uma pessoa que não pratica aquilo que prega”, respondeu-me o meu pai. Mais tarde, quando eu tinha idade suficiente para perceber o significado forte dessa palavra, o meu pai contou-me que o pastor que tinha pedido o desconto do clero tinha sido considerado culpado de desvio de dinheiro da igreja e, caído em desgraça, rapidamente se afastou da igreja e da comunidade.

Sensível à hipocrisia que via na congregação e no pastor, abandonei a igreja pouco depois e comecei a procurar um sistema de crenças cujos adeptos não fossem hipócritas. Todo adolescente parece descobrir a hipocrisia do mundo adulto, e eu não fui exceção. Eu queria um caminho que me levasse à pureza que sentia quando era criança, e procurei em vários lugares.

Encontrei a Fé Bahá'í durante essa busca, e conheci Bahá'ís maravilhosos e dedicados que, sem dúvida, praticavam o que pregavam - embora os Bahá'ís não façam pregação. Encontrei um novo modelo de espiritualidade, onde as pessoas realmente tentam fazer o melhor para viver de acordo com os magníficos e generosos ideais Bahá'ís de unidade e paz. Encontrei uma comunidade mundial onde cada crente é chamado por Bahá'u'lláh, nas Palavras Ocultas acima, a renunciar à hipocrisia e encontrar uma expressão autêntica e real da verdade da sua própria alma.

Mais tarde, porém, quando me tornei adulto, percebi que todos nós temos alguma hipocrisia em nós - incluindo eu próprio. Aprendi a tentar olhar para dentro de minha própria alma e a avaliar as minhas acções contra os meus ideais, com o objetivo de aproximar os dois. Aprendi que ninguém jamais alcança a perfeição e que todos, sem excepção, lutam para viver de acordo com as suas crenças e os seus sistemas de valores. Aprendi a olhar para as minhas próprias falhas, não para as dos outros. E aprendi que todas as pessoas têm que travar essa batalha profundamente espiritual contra as suas próprias falhas e dificuldades interiores. Bahá'u'lláh diz-nos:

A honestidade, a virtude, a sabedoria e um caráter santo contribuem para o enaltecimento do homem, enquanto a desonestidade, a impostura, a ignorância e a hipocrisia levam ao seu rebaixamento. Por Minha vida! A distinção do homem não está em adornos ou riqueza, mas sim, na conduta virtuosa e na verdadeira compreensão. (Bahá’u’lláh, Kalimát-I-Firdawsíyyih [Palavras do Paraíso])

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Texto original: Hypocrisy and Religion (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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