sábado, 25 de novembro de 2023

Aqasi, o Infame Grão-Vizir da Pérsia

Por Tom Lyasght.

Haji Mirza Aqasi (1846)
Em 1848, o xá Muhammad, rei da Pérsia com 39 anos de idade, estava a morrer.

Segundo o Islão Xiita, o monarca supremo da Pérsia governava como um representante divino – até à vinda do Prometido, a quem os muçulmanos chamavam Qa’im. Assim, o xá – a palavra persa para “rei” – possuía um poder absoluto, sem nenhum tribunal civil para controlar as suas decisões arbitrárias, incluindo o poder de vida ou morte sobre todos os que governava.

No entanto, o xá Muhammad não personificava o estereótipo do tirano ditatorial; assemelhava-se mais ao arquétipo do Rei Pescador – o Rei Ferido. Nesse mito, o rei incapacitado, demasiado doente para governar, aguarda a chegada de um nobre desconhecido que possui poderes para curá-lo.

Na Pérsia, havia um cenário semelhante no final da década de 1840, quando o xá Muhammad ouviu falar de um jovem santo que diziam ter poderes de cura. Imediatamente Ele enviou uma comitiva real a cavalo para escoltar o Báb – um título que significa “o Porta” – até à sua presença real.

Interessado em ideias pseudo-místicas, o xá Muhammad nomeou o seu tutor de infância como orientador espiritual, conferiu-lhe o cargo governamental de grão-vizir, e reverenciava-o como um semideus. Haji Mirza Aqasi, assumir astuciosamente o título pseudo-piedoso de Haji (“peregrino”), explorou a curiosidade do seu jovem pupilo por todas as coisas transcendentes. Através de truques de magia e interpretações de sonhos, o ambicioso tutor conseguiu controlar o futuro xá, e a sua nomeação como grão-vizir tornou-se uma inevitabilidade histórica.

No entanto, o grão-vizir e autodenominado milagreiro não se revelou capaz de curar a gota incapacitante do xá Muhammad. E temendo perder a sua primazia como conselheiro real, Aqasi impediu o xá de se encontrar com o Báb. E para isso, ele desterrou o Báb para uma prisão remota. Encarcerado na fortaleza montanhosa do castelo de Mah-Ku, o Báb escreveu ao xá Muhammad sobre o seu vizir intriguista:

Por Aquele em cujas mãos está a minha alma, ele não atirou ninguém para a prisão, salvo ele próprio. Imaginas que aquele que nomeaste Chanceler no teu reino seja o melhor líder e o melhor apoiante? Não, juro pelo teu Senhor. Ele criar-te-á graves problemas devido ao que Satanás incutiu no seu coração e, na verdade, ele próprio é Satanás. (Selections from the Writings of the Bab, p. 25)

O Xá Muhammad e Aqasi
As maquinações de Haji Mirza Aqasi são descritas de forma intensa no meu romance histórico recentemente publicado, Persian Passion (“Paixão Persa”), que descreve o motivo para Shoghi Effendi se referir ao grão-vizir do xá Muhammad como um “génio do mal” (God Passes By, p. 82).

O novo livro mostra precisamente como o grão-vizir do xá Muhammad conseguiu ser a descrito como “Anticristo da Revelação de Babi” e porque é que, no seu oportunismo diabólico, não hesitou em perseguir um profeta de Deus.

Abbas Mirza, pai do xá Muhammad, era o herdeiro do Trono do Pavão; no entanto, a sua morte prematura levou à promoção do seu filho. Abbas Mirza, juntamente com o seu conselheiro, o Qa’im Maqam, foram dois dos homens mais notáveis da Pérsia do século XIX. Percebendo que o que acontecia no mundo era ignorado na Pérsia, dominada pelos xiitas, Abbas Mirza enviou os primeiros estudantes persas para a Europa para aprenderem como modernizar o seu país. No seu leito de morte, ainda preocupado com o destino da sua terra natal, Abbas Mirza pediu ao seu filho, que em breve subiria ao trono como xá Muhammad, que nomeasse Qa’im Maqam como grão-vizir.

Abbas Mirza também pediu ao xá Muhammad que prometesse nunca iria “derramar o sangue” de Qa’im Maqam, pois sabia que o seu filho tinha cegado dois dos seus próprios irmãos para evitar que competissem com ele pelo trono.

Sempre sussurrando aos ouvidos do seu ex-aluno, o diabólico Aqasi sugeriu ao novo monarca que era possível esquivar-se das duas promessas feitas ao pai sem faltar à sua palavra. Haji Mirza Aqasi recomendou que estrangulassem até a morte Qa’im Maqam, sem derramar o seu sangue. Este acto ignóbil foi cometido, e sobre isso Bahá’u’lláh escreveu:

Sua Majestade o xá Muhammad, apesar da excelência da sua condição, cometeu dois actos hediondos. Um foi a ordem de desterrar o Senhor dos Reinos da Graça e da Magnanimidade [o Bab]; e o outro, o assassinato do Príncipe da Cidade dos Estadistas e das Realizações Literárias [Qa’im Maqám]. (Tablets of Baha’u’llah, p. 65)

Depois de apagar “a luz da era”, Aqasi substituiu Qa’im Maqam como grão-vizir do xá Muhammad. No entanto, o seu estilo de vida devasso e licencioso levou rapidamente à falência o tesouro real. Por outro lado, as suas políticas desastrosas levaram a Pérsia à beira da revolução.

Ironicamente, Aqasi sempre demonstrou um grande afecto por Bahá’u’lláh. O Vizir tentou durante muito tempo colocar o jovem Bahá'u'lláh sob a sua alçada como discípulo - apesar de Aqasi ter arruinado financeiramente o pai de Bahá'u'lláh, Mirza Buzurg. Tudo começou quando constou que Mirza Buzurg tinha mencionado o voraz apetite sexual de Aqasi; como represália, Aqasi destituiu Buzurg do cargo de ministro do governo das províncias de Borujerd e Luristão. Também lhe retirou a pensão governamental anual, e posteriormente confiscou a sua residência ancestral. E por fim, Aqasi chamou o então jovem Bahá’u’lláh à sua presença e queixou-se, como se esperasse que o filho tomasse partido contra o pai: “O que devo fazer? O que posso fazer? Ele é teu pai. Para o teu bem, tentarei esquecer isto e deixar o passado no passado.

Ainda tentando chamar a si o jovem Bahá’u’lláh, Aqasi ofereceu-Lhe um cargo governamental, que Bahá’u’lláh recusou educadamente. Mas, ao não se prostrar nem se humilhar perante o Grão-Vizir, Bahá’u’lláh de alguma forma debilitou a percepção elevada que Aqasi tinha de si próprio. Como a maioria dos falsos mentores que seguem os seus próprios interesses, e não os dos seus discípulos, Aqasi não tolerava ser dispensável, não aceitava não ser adorado.

Finalmente, em Agosto de 1848, Aqasi convenceu o xá Muhammad a decretar uma condenação à morte para Bahá’u’lláh. Assim, aquele ignóbil Vizir conseguiu a distinção única e perversa de ter ordenado a execução de dois Manifestantes de Deus – o Báb e Bahá’u’lláh. Quando o decreto imperial de morte foi publicado, foi recebido o “Sermão da Ira” revelado pelo Báb, em que ele Se dirige a Aqasi nestes termos: “Ó tu que não acreditaste em Deus e desviaste o teu rosto dos Seus sinais!” Ao mesmo tempo, também foi recebida uma epístola do Báb para o xá Muhammad, que referia o depravado Vizir:

Se não o tivesses nomeado com teu chanceler, ninguém lhe teria prestado a menor atenção. Em breve perecerás e te declararás livre do demónio a quem nomeaste como teu chanceler, dizendo: 'Ó, se eu não tivesse tomado o demónio como meu chanceler, nem nomeado um impostor como meu guia e conselheiro... (Selections from the Writings of the Bab, p. 26)

Menos de um mês depois, o xá Muhammad morreu. Cada decreto real emitido em seu nome tornou-se imediatamente letra morta. Bahá’u’lláh estava seguro. Menos de um ano depois, Aqasi também estava morto.

O resto é história. Apesar das intrigas criminosas do “bando de príncipes e governadores indolentes, inúteis, corruptos, incompetentes, que se apegavam firmemente aos seus privilégios ilícitos e eram totalmente subservientes a uma ordem clerical notoriamente degradada”, as narrativas heroicas dos Rompedores da Alvorada (The Dawn-Breakers) lembram-nos que devemos ver os actos espirituais altruístas dos nobres seguidores do Báb e de Bahá'u'lláh como uma poderosa fonte de inspiração. No fundo, essa mensagem divina é a luz que a nossa actual sociedade ensombrada poderia usar para perceber o rumo a tomar.

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Traduzido e adaptado do texto: The Villainous Grand Vizier of Persia (www.bahaiteachings.org)


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Tom Lysaght é autor de várias peças de teatro, nomeadamente “Heralds of the Covenant” (que foi exibida Durante o Congresso Mundial Bahá’í de 1992). Foi director da Radio Bahá’í do Lago Titcaca (Peru) e é autor do site Your Creative Stage que pretende lançar o teatro como instrumento de construção de comunidades.

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