Depois de discutirmos o que o apóstolo João quis dizer quando advertiu contra acrescentar ou retirar palavras do livro da sua profecia, o meu amigo Epignose, uma Testemunha de Jeová, afirmou que a Bíblia era infalível e estava livre de erros.
Quando lhe pedi que me mostrasse a referência bíblica, ele indicou-me umas palavras da segunda Epístola de S. Paulo a Timóteo: “Toda a Escritura, divinamente inspirada, é proveitosa para ensinar… Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra.” (2 Tm 3:16-17)
Reparei que já tinha ouvido este mesmo argumento desde a minha infância nas igrejas que frequentei e de cristãos de diversas denominações. Pedi a Epi que lê-se cuidadosamente estes versículos e pensasse as suas implicações.
Primeiro: O que significa “toda a Escritura” para S. Paulo? Antes das palavras citadas, S. Paulo diz:
Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido. E que, desde a tua meninice, conheces as sagradas escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus. (2 Tm 3:14-15)
O Epi usava as palavras “toda a Escritura”, para se referir tanto ao Antigo Testamento quanto ao Evangelho, que começavam a ser redigidos quando Paulo escrevia sua carta a Timóteo. Mas Paulo está a referir-se às Sagradas Escrituras que ele e Timóteo conhecem desde a infância - os livros do Tanakh - e ele está a repetir as palavras de Cristo: “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam; E não quereis vir a mim, para terdes vida.” (Jo 5:39-40)
Cristo e Paulo dizem que a Torá fala de Cristo (especificamente, Deuteronómio 18:15), mas os sábios judeus certamente não acreditavam nisso. Na minha caminhada espiritual, achei importante entender porque é que isso não aconteceu.
Se “toda a Escritura” incluir versículos além das Escrituras Judaicas – isto é, se incluir os Evangelhos ou as Epístolas escritas pelos Apóstolos às congregações Cristãs – então temos a questão: Quem decide o que é Escritura?
Num artigo anterior, referi que há uma variedade de Bíblias diferentes com diferentes de livros – entre elas, Bíblias católicas, ortodoxas e coptas. Qual é número de livros correto?
Segundo: O que nos dizem as citações da Epístola a Timóteo sobre as Escrituras? Dizem-nos que são inspiradas por Deus, benéficas (ou lucrativas) para o ensino da Fé, e que podem tornar-nos sábios e preparados para fazer um bom trabalho.
Não diz que é infalível ou livre de erros, e não inclui livros que ainda não tinham sido escritos.
Não estou a dizer que os Evangelhos não sejam Sagradas Escrituras. Acredito com toda a minha alma que eles são Escritura. Estou a dizer que se aplicarmos o versículo tal como Paulo o apresenta, então também excluiria livros que hoje consideramos divinamente inspirados.
Os judeus acreditavam que a revelação de Deus havia terminado com o seu Livro Sagrado, e que Ele não falaria novamente até ao Dia do Juízo Final. Como Cristã, eu acreditava que tinha havido uma revelação adicional através de Jesus Cristo, mas adoptei a crença de que não haveria mais revelações divinas até ao “fim do mundo”, que os discípulos de Cristo acreditavam que aconteceria durante as suas vidas. No entanto, já se passaram mais de dois mil anos, e milhões de cristãos ainda esperam pelo fim do mundo.
Isto representa um problema porque, como sabemos, existem versículos com centenas de anos em traduções “autorizadas” de Bíblias cristãs, e que mais tarde se descobriu que não estavam nos manuscritos mais antigos, ou que tinham sido traduzidos incorretamente. Uma dessas traduções imprecisas causou uma revisão significativa até mesmo na Bíblia King James. Especificamente, os estudiosos procuraram nos textos gregos originais um excerto em Mateus 28:19-20 que tinha sido traduzido como: “Estarei convosco sempre, até ao fim do mundo”. Eles perceberam que, por alguma razão, a palavra grega “eon”, que significa “tempo”, tinha sido traduzida como “mundo”.
Isto é uma diferença significativa com consequências graves. As ideias sobre o fim do mundo moldaram a crença e a doutrina cristã durante séculos. Mas agora sabemos que Cristo não usou essa palavra, e a maioria das Bíblias foi actualizada para refletir isso. Note-se que a Bíblia Torre de Vigia das Testemunhas de Jeová usa a frase “o final do sistema de coisas”, e vê isso como o fim de uma época e o início de outra. Os Bahá’ís partilham este entendimento.
Quando era criança, perguntei várias vezes aos meus pais e aos pastores da igreja: “Porque é que Deus deixou de Se revelar para há mais de 2000 anos?” Nunca me deram uma resposta satisfatória, até que finalmente recebi a resposta de Bahá’u’lláh – que Ele continuava a revelar-Se. Em vez disso, alguns de nós pararam de ouvir porque acreditávamos ter ouvido tudo: depois com o advento de Cristo, muitos acreditavam, o mundo simplesmente acabaria.
Imagine o meu embaraço quando percebi que tinha desenvolvido uma crença na finalidade da mensagem de Cristo com base, em parte, numa tradução errada que contradizia as próprias palavras de Jesus:
Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito da Verdade, ele guiar-vos-á em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e anunciar-vos-á o que há de vir. Ele glorificar-me-á, porque há de receber do que é meu, e vo-lo anunciará. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo anunciará. (Jo 16:12-15)
Aqui Cristo predisse uma revelação adicional de Deus por outro Conselheiro – alguém que terá acesso à mesma fonte infinita de conhecimento e autoridade divinos que o próprio Jesus Cristo.
Em Abril de 1912, ao falar perante uma audiência cristã numa igreja em Washington D.C., o filho e sucessor de Bahá'u'lláh, 'Abdu'l-Bahá, reflectiu sobre aquela mesma passagem das Escrituras, que o pastor da igreja tinha usado no seu sermão dessa manhã. 'Abdu'l-Bahá disse:
Amanheceu o século em que o Espírito da Verdade pode revelar estas verdades à humanidade, proclamar essa mesma Palavra, estabelecer os verdadeiros fundamentos do Cristianismo e libertar as nações e os povos da escravidão das formas e das imitações. A causa da discórdia, do preconceito e da animosidade será removida, e a base do amor e da amizade será estabelecida. Portanto, todos vós devem esforçar-se de coração e alma para que a inimizade desapareça completamente, e que a discórdia e o ódio desapareçam completamente do meio do mundo humano. Deveis ouvir a advertência deste Espírito da Verdade. Deveis seguir o exemplo e os passos de Jesus Cristo.
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Texto original: Is the Bible Infallible and Inerrant? (www.bahaiteachings.org)
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Maya Bohnhoff é Bahá’í e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.
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