sábado, 8 de junho de 2024

Existe um Povo Eleito?

Por Maya Bohnhoff.


Será que Deus tem um povo eleito? Se sim, porquê? Este foi mais um tema da conversa com o meu amigo online Epi, uma Testemunha de Jeová.

Ele continua a acreditar que houve um mestre verdadeiramente divino na história do mundo (Jesus Cristo), uma Sagrada Escritura (os 66 livros da Bíblia Protestante traduzidos pela Sociedade Torre de Vigia), e um povo eleito (os Judeus, os Cristãos, e agora, as Testemunhas de Jeová).

Observei que o conceito de um povo eleito que tem o exclusivo protecção, alimentação e educação divina (espiritualmente falando) vai contra os ensinamentos reais de Cristo, conforme revelados nos Evangelhos – especificamente no Sermão da Montanha.

Mas Epi estava inflexível: os Judeus, os Cristãos e as Testemunhas de Jeová são o povo eleito, dizia ele, e só pode haver um profeta e um povo eleito.

Ironicamente, foi exactamente por isso que os fariseus rejeitaram Cristo.

Para eles, havia apenas um profeta que as Escrituras mencionavam como tendo visto a Face ou Forma de Deus – Moisés. No entanto, ali estava Jesus de Nazaré, um humilde carpinteiro, que afirmava ter a mesma relação com Deus. Pior ainda, ele estava a interpretar e acrescentar as Suas próprias ideias aos ensinamentos divinos e transmitindo-os a todos – até mesmo, imagine-se, aos samaritanos!

Cristo nunca falou de um povo eleito. Em vez disso, Ele deixa claro no Sermão da Montanha (especificamente Mateus 7) que Deus dará alimento espiritual para todos os Seus filhos, não lhes dará coisas que não os nutrirão (uma pedra em vez de pão) ou que lhes sejam prejudiciais (uma cobra em vez de um peixe). Nessas mesmas palavras, Ele também diz ao seu público que eles têm a capacidade espiritual de distinguir o bem do mal.

Então, em quem podemos acreditar? Nos patriarcas judeus ou em Cristo? Eu acredito em Cristo.

Epi respondeu: o motivo pelo qual Jeová escolheu a nação (que veio) de Abraão foi porque Abraão era o único que fazia o que estava correcto aos olhos de Deus. Todas as outras pessoas no mundo não faziam.

Isto introduz um dilema mais profundo. Que “razão” válida pode Deus ter para violar a Sua própria natureza e os Seus ensinamentos espirituais evidentes?

Depois de revelar a natureza de Deus como um pai mais amoroso e perfeito do que qualquer ser humano, Cristo fala sobre como distinguir a verdade da falsidade. A medida que Ele usa é “pelos seus frutos os conhecereis”. Se isso é verdade para os seres humanos, quanto mais deve ser verdade para Aquele que deu essa orientação? Estás preparado para acreditar que o fruto do comportamento de Deus é o engano?

Qual é a minha conclusão? Estas parecem ser as escolhas diante de nós:
  • Deus intencionalmente não deu orientação a grandes grupos humanos e teve um comportamento que levaria um pai humano a ser preso. Então, como podemos entender as afirmações de Cristo sobre as qualidades essenciais de Deus?
  • Deus é o Pai amoroso que Cristo descreveu, e os seres humanos erraram e estão, para citar Cristo, “ensinando doutrinas que são mandamentos de homens” (Marcos 7:7). Estamos a construir a nossa compreensão da fé não na palavra de Deus, mas nos nossos próprios padrões imperfeitos de comportamento.
Qual destas opções é verdadeira? Essas são as únicas duas possibilidades que consigo ver. Conseguem ver outra opção?

Por favor, entende que eu não estou a rejeitar a Bíblia. Estou a rejeitar uma interpretação humana particular da Bíblia. Estou sugerindo que se as palavras de Cristo são verdadeiras - como os Bahá'ís acreditam que são - então nós, humanos, temos de entender o conceito de “eleito” (e muitas outras coisas) de uma maneira muito diferente.

Tu dizes que esses muitos milhões de almas que não conheceram Moisés ou Cristo sofreram ao ter de viver numas trevas espirituais. Elas ignoravam a vontade de Deus, não por escolha própria, mas apenas porque não viviam no lugar certo, na hora certa. No entanto, em vez de lhes transmitir a Sua vontade, Deus decidiu puni-las pelo seu infortúnio, ignorando-as durante milénios. E seguindo esse raciocínio, Ele até permitiu que profetas falsos usassem os Seus próprios ensinamentos para enganar os seres humanos, defendendo a mesma devoção a Deus e o mesmo amor aos seus semelhantes que Moisés e Jesus ensinaram.

Isso parece-te correcto? Um pai humano trataria uma criança ignorante dessa maneira, especialmente se a criança lhe pedisse para aprender alguma coisa? Um pai amoroso iria colocar a criança na escola para adquirir conhecimento através dos professores?

Então, repito — usando a Palavra de Cristo como modelo — se Deus é quem Cristo revela, Ele não deixaria essas pessoas sem a Sua orientação. Não seria justo, nem misericordioso; e também seria contrário à revelação de Cristo.

Eu também pergunto o que significa ser “eleito”. Acho que Cristo resume isso concisamente em Marcos 2:17 quando diz aos fariseus: “'Jesus, ao ouvir aquilo, respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ora eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.» Os eleitos de Cristo não eram os virtuosos e os cultos; eram os incultos, os pobres, os espiritualmente doentes, os orgulhosos, os materialistas.

Olha para a história: não vês que os mensageiros de Deus levam a Sua luz aos mais necessitados — àqueles que vivem nas mais profundas trevas? É ao elevar o mais baixo da humanidade que Ele prova o poder das Suas palavras.

'Abdu'l-Bahá, o filho mais velho de Bahá’u’lláh e o centro da Sua Aliança, expressa essa ideia numa oração Bahá’í que Ele revelou. Ele pergunta:

Como posso ter sucesso a menos que Tu me ajudes com o sopro do Espírito Santo, me ajudes a triunfar com hostes do Teu glorioso reino, e derrames sobre mim as Tuas confirmações, as quais só por si podem transformar um mosquito numa águia, uma gota de água em rios e mares, e um átomo em luzes e sóis?

Espero que a conversa com o meu amigo Testemunha de Jeová Epi lhe tenha dado uma percepção maior do significado dessas luzes e desses sóis.

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Texto original: Is There Only One Chosen People? (www.bahaiteachings.org)


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Maya Bohnhoff é Bahá’í e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.

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