Alláh'u'Abhá!
Sou Bahá'í de terceira geração, tenho 41 anos. Eu também sou gay. Na escala de Kinsey (que tem seis pontos), acabei por obter 4,5 pontos, o que corresponde a cerca de 75% da escala (0 totalmente heterossexual, 3 bissexual e 6 totalmente homossexual). Infelizmente, isto significa para mim que cerca de 75% do meu interesse sexual é focado nos homens. Ups! Eu sou… e as pessoas têm um problema com isso.
Apenas um pouco sobre mim: tal como outras pessoas neste país que estudaram na década de 1980 ou antes, fui ensinado pela sociedade americana que um homem sentir-se atraído por homens era considerado moralmente errado, mesmo antes de eu saber associar esse conceito a mim próprio. Mais tarde, quando finalmente aceitei em mim uma atração inata por outros homens, podem imaginar o impacto na minha autoestima, pois tive de aceitar que o meu novo impulso sexual enquanto jovem, era uma parte tão importante da excitação de qualquer jovem quando se encaminha em direção à idade adulta, estava desfeito.
Na escola secundária, frequentava bibliotecas com esperanças intensas — mas, em última análise, inúteis — de encontrar provas de que esta característica odiosa era uma fase que eu iria ultrapassar ou uma condição que poderia ser curada. Acabei por descobrir que a cura não funciona, e prejudica muito quem a tenta, aumentando a ideia suicida em caso de recaída, e outras coisas.
A dada altura, percebi: “Ok. Então, os meus desejos homossexuais espontâneos, mas inabaláveis, são malignos… já percebi. O que fiz eu para nascer maligno? Tenho de continuar maligno? Ou posso simplesmente esconder que sou maligno e fingir que sou bom?” Isso significa fazer o que os homens gays fazem há séculos: esconder isso como loucos, negar, fazer sexo em segredo e casar com uma mulher para realmente o ocultar? Desculpem, para mim isto parece mais maligno do que fazer sexo com homens.
Percebo que viver com um homem e ter uma relação emocional e sexual com ele É uma escolha de vida e é algo proibido na Fé. Afirmo que, no meu caso, pelo menos a atracção NÃO É uma escolha: nos anos 1980, quem escolheria ser uma espécie de leproso social? Eu não.
Infelizmente, a sexualidade não pode ser alterada por meios humanos, pelo menos não neste momento da história, e poucos de nós têm a capacidade espiritual de simplesmente ignorar os nossos desejos interiores. Uma pessoa pode retirar a prioridade ao sexo e às fantasias na sua cabeça até certo ponto, claro, mas isso estará sempre presente, em segundo plano. E uma pessoa que nasceu tal como eu — isto é, não foi moldada dessa forma por agressões ou outros meios abusivos — tem de transferir o ódio às suas características, porque as tem.
Assim, ao longo dos anos, fui lendo algumas coisas e, aos poucos, fui encontrando o que procurava, camada a camada. Em primeiro lugar, descobri que Shoghi Effendi interpretou a lei de Bahá’u’lláh contra a pederastia como também contra os Bahá’ís terem relações sexuais homossexuais. Conversei com Bahá’ís gays e não-bahá’ís heterossexuais que estão interessados na Fé, mas que não conseguem ultrapassar o que consideram ser uma intolerância e uma negação dos direitos humanos.
Mas continuando a ler, descobri que o Guardião também disse que se começarmos a sancionar os Bahá’ís que praticam sexo homossexual, também teremos de começar a sancionar os Bahá’ís que praticam sexo heterossexual extraconjugal e os Bahá’ís que cometem adultério, e observou que naquela época – a que chamou “ponto baixo na história espiritual” – envolver-se nessas sanções seria “ridículo”.
Face à lei Bahá’í, pela primeira vez na minha vida, vi o sexo homossexual listado ao lado de sexo heterossexual extraconjugal em qualquer contexto, e de repente tudo fez sentido para mim. Quantas pessoas conhece que se casaram virgens? Não muitos? Eu conheço poucas. Na verdade, não me consigo lembrar de nenhuma. Pensando bem, o sexo extraconjugal é a norma neste país, não a excepção, e é difícil encontrar virgens actualmente.
Será isto, então, um indício de que, mesmo que eu tenha relações sexuais com um homem, isso não é assim tão diferente de dois heterossexuais terem relações sexuais fora do casamento; contra a lei, certamente, mas não é algo tão grave que eu deva — ou qualquer pessoa deva — odiar-me por isso? Isso parece-me mais correcto.
Agora estou mais certo de que as leis de Bahá’u’lláh são para proteger toda a humanidade, em todo o mundo, e promover a melhoria do mundo inteiro. Olhando para isto, fomos criados, como foi dito, por Deus com amor, por amor, para O amar e servir o próximo. Parece mais razoável, então, que Bahá'u'lláh nos tenha dado estas leis para evitar que nos magoássemos a nós próprios; uma espécie directrizes protectoras que podemos ultrapassar, mas que provavelmente nos levam por caminho mais pedregoso. Assim, estas leis foram-nos dadas da mesma forma que um pai amoroso dá regras a um filho amado, que não quer ver magoado, nem exposto a sofrimentos aleatórios.
No fundo, sei que tenho de escolher um homem ou uma mulher, e sei e aceito que estou a abdicar de algo que me é querido de qualquer forma. Ou vou contra a minha preferência sexual e tento encontrar uma companheira que realmente me queira depois de ser honesto com ela sobre a minha história e sexualidade; ou escolherei um bom homem e, ao fazê-lo, perderei as potencialidades de uma equipa familiar marido-mulher, na qual vejo grande valor para aqueles que são capazes. É claramente muito mais difícil ter bebés biológicos por razões óbvias, e não menos importante ter de lidar potencialmente com o preconceito anti-gay que não desapareceu apenas por causa da legalização do casamento gay. Está menos visível, mas não desapareceu.
Felizmente, depois desta viagem pelas Escrituras Bahá’ís e pela minha própria consciência, alma e bússola moral, está finalmente a tornar-se evidente para o meu coração e mente que não sou definido apenas (ou mesmo principalmente) pela minha sexualidade, não, pelo menos, por Bahá’u’lláh. E como homem, gay ou não, preciso de amar todo o meu ser, mesmo as partes de que talvez não goste ou não compreenda — porque até essas partes podem ter um valor oculto. Iria eu a escrever-vos sobre esta minha faceta tão pessoal que provavelmente deixará desconfortável pelo menos uma pessoa que a leia aqui? Não, não sou sádico. No entanto, eu talvez possa ajudar o próximo Bahá’í gay que encontrar, tão desiludido e autodestrutivo como eu já fui. Essa é a minha esperança.
O meu coração diz-me que, independentemente das outras pessoas e das suas crenças, Deus ama-me incondicionalmente e quer o melhor para mim, e a resposta à minha pergunta é que não, não sou menos homem aos olhos de Bahá’u’lláh. E também me diz que Deus nunca fomentaria o ódio contra nenhum dos Seus filhos, por nenhum motivo, mesmo que sejam gays. Agradeço a Deus por ter conseguido, não muito tarde na minha vida, aprender a ver-me como um homem, não como um "homem gay" ou como um "homem bi" ou incluindo qualquer outro identificador absurdo.
Penso que terá interesse em saber que existe uma organização oficial Bahá’í (uma comissão da Assembleia Espiritual Nacional dos Bahá’ís do Canadá) da qual faço parte, e que deverá expandir-se por toda a América do Norte assim que possível. Chama-se BNASAA (Baha’i Network on AIDS, Sexuality, Addictions and Abuse, “Rede Bahá'í sobre SIDA, Sexualidade, Vícios e Abuso”). Queremos iniciar grupos locais de serviço, um termo para pessoas que organizam grupos liderados por Bahá’ís, círculos de oração, aprofundamento juvenil e outras actividades semelhantes que também servem o plano de 5 anos. Por favor, partilhem a nossa página no Facebook.
Sou o James, sou gay, sou Bahá'í e faço o melhor que posso. Para mais informações podem contactar comigo através de jhrussell [at] gmail [ponto] com.
Obrigado por lerem este texto.
JHR
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Este texto foi publicado há cerca de dez anos no site de Susan Gamage, com o título "Being Gay and Baha'i".
É publicado neste blog com permissão do autor.
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