Alguém consegue imaginar um evento mais incrível e inspirador do que ver um ente querido ser trazido de volta à vida?
Considere-se, por exemplo, o quão espantadas devem ter ficado as pessoas no tempo de Cristo ao testemunhar alguns dos seus entes queridos regressarem à vida no exacto momento da crucificação de Cristo: “Então, o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. A terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos, que estavam mortos, ressuscitaram; e, saindo dos túmulos depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos.” (Mt 27:50-53)
A emoção e o interesse gerados por este incrível acontecimento terão tido um impacto profundo, não só nos judeus, mas também nos seus contemporâneos. No entanto, estranhamente, nenhuma fonte fora da Bíblia regista este fenómeno surpreendente, embora os santos que ressuscitaram tenham tido muito a dizer sobre a experiência da morte, com inúmeras pessoas ansiosas por ouvir e registar os seus relatos. No mínimo, os membros da família teriam passado histórias orais às gerações futuras, mas tais relatos não existem. Uma vez que não o fizeram, talvez devêssemos considerar a possibilidade de, em vez de detalhar uma ressurreição física, a Escritura descrever em linguagem figurada uma ressurreição espiritual — uma ressurreição em que os corações de alguns judeus santos foram influenciados pela mensagem e crucificação de Cristo para se levantarem dos túmulos da “morte espiritual” (descrença) para “renascer espiritualmente” ou serem “ressuscitados” como crentes n’Ele.
Além disso, se entendermos esta ressurreição como tendo uma natureza simbólica, o que significa isto sobre a natureza da própria ressurreição de Cristo?
Cristo profetizou: “Assim como Jonas esteve no ventre da baleia, três dias e três noites, assim o Filho do Homem estará no seio da terra, três dias e três noites.” (Mt 12:40)
Estranhamente, o corpo físico de Cristo não passou “três noites no seio da terra”, pois a Bíblia diz que Cristo foi crucificado na sexta-feira e ressuscitou no domingo. Então, estaria Cristo a sugerir que o seu “corpo metafórico” seria ressuscitado? Se sim, o que poderá ser esse corpo?
O apóstolo Paulo equipara “o corpo de Cristo” aos crentes em Cristo:
“Os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo…” (Rm 12:5)
“Vós sois o corpo de Cristo e cada um, pela sua parte, é um membro.” (1 Cor 12:27)
Se o corpo ressuscitado de Cristo for realmente o conjunto dos crentes ressuscitados, então a profecia sobre a ressurreição de Cristo após três dias faz sentido, pois parece que os discípulos perderam a fé na quinta-feira à noite no Jardim do Getsémani e a recuperaram-na domingo - exactamente três dias e três noites depois. Por outras palavras, os crentes (o corpo de Cristo) estavam no seio da terra (espiritualmente mortos) durante aquele período de três dias, como exemplificado pela traição de Judas, a negação de Pedro e os discípulos fugindo com medo no momento da prisão e crucificação de Cristo. George Townshend, arcediago da Igreja Anglicana, explica a extensão do desânimo dos discípulos:
A crucificação lançou-os no… desespero profundo… Durante três dias, a causa e a realidade de Cristo (os Seus Ensinamentos, bençãos, perfeições e poder espiritual) permaneceram nos seus corações, mortos e sepultados. Quando, passados três dias, os discípulos se tornaram seguros e firmes, e começaram a servir a causa de Cristo, e decidiram espalhar os ensinamentos divinos... a Realidade de Cristo tornou-se resplandecente e encontrou vida. (The Heart of the Gospel, pp. 140-141)
Assim, a narrativa da ressurreição de Cristo não descreve literalmente o que aconteceu, mas mostra que o corpo de Cristo, os crentes, perderam brevemente a sua fé e depois recuperaram-na, tornando-se tão fiéis e comprometidos que espalharam a mensagem de Cristo por todo o mundo. Os ensinamentos Bahá’ís deixam claro este importante ponto simbólico:
A Causa de Cristo era como um corpo sem vida; e quando, passados três dias, os discípulos se tornaram seguros e firmes, e começaram a servir a Causa de Cristo, e decidiram espalhar os ensinamentos divinos, pondo em prática os Seus conselhos e levantando-se para servi-Lo, a Realidade de Cristo tornou-se resplandecente e a Sua generosidade apareceu; a sua religião encontrou vida; os Seus ensinamentos e as Suas advertências tornaram-se evidentes e visíveis. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, p. 104)
O Homem Rico e Lázaro, por Frans Francken d. J. (1581 - 1642) |
A parábola de Cristo descreve o destino de um homem rico e de um mendigo depois de morrerem. O mendigo, Lázaro, obtém conforto de Abraão no céu, enquanto o homem rico lamenta a sua condição no inferno, implorando a Abraão que envie um Lázaro ressuscitado aos seus irmãos, para que não acabem no inferno como ele. Abraão responde: “Têm Moisés e os profetas; que eles [os irmãos] os ouçam”. O homem rico replica: “Não, pai Abraão; mas se alguém dentre os mortos for ter com eles, irão arrepender-se”. Abraão responde: “Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.” (Lc 16:19-31)
Em resumo, o homem rico deseja que os seus irmãos alcancem a fé e evitem o tormento do inferno. Acredita que uma visita do ressuscitado Lázaro garantiria a sua fé. Cristo, porém, explica que se os irmãos do homem rico não foram persuadidos pela Palavra de Deus, a ressurreição dos mortos não teria poder para produzir tal influência. Na sua essência, Cristo realça que a “fé” deve repousar seguramente e somente na Palavra de Deus, e descarta o poder das ressurreições físicas milagrosas.
Assim, no essencial, a realidade da ressurreição de Cristo é espiritual, e as Escrituras transmitem-na usando linguagem figurada. Claramente os discípulos perderam a fé em Cristo durante três dias, mas posteriormente esta reacendeu-se, e transformou-se numa chama de fogo que nunca poderia ser apagada. Depois, os seguidores de Cristo espalharam a Sua mensagem redentora, a Sua Palavra transformadora, por todo o mundo, abençoando todos os que a abraçaram.
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Texto original em inglês: The Resurrection–Through Christ’s Eyes (www.bahaiteachings.org)
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Alex Gottdank é um Bahá’í de origem judaica e cristã, autor do livro Preparing for Christ’s New Name, uma análise da natureza do regresso de Cristo. Como pioneiro bahá'í, ele foi membro da Assembleia Espiritual Nacional das Western Caroline Islands entre 1988 e 2000. Actualmente é professor de história em San Juan Capistrano, na Califórnia.
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