sábado, 16 de agosto de 2025

Como é que a IA nos pode ajudar a tornarmo-nos mais “humanos”?

Por Shastri.


Como é que a IA nos pode ajudar a tornarmo-nos mais “humanos”?

Esta foi uma questão muito provocadora, colocada no final de uma excelente conferência sobre "Evolução e Consciência" em que participei recentemente. Gostaria de partilhar aqui algumas reflexões sobre a questão, com a ressalva de que tudo o que é aqui partilhado é a minha perspetiva pessoal.

Quando explorámos a "consciência" na conferência, vimos que esta tem muitas definições e também pode expandir-se elasticamente com base nas circunstâncias. Por exemplo, um recém-nascido pode ter consciência apenas da mãe e ignorar por completo o cachorro que vive na mesma casa. Quando o bebé tiver um ou dois anos, o cachorro será mais um sujeito da consciência. E depois, à medida que o bebé cresce e se torna uma criança de dez anos que vê uma foto da Terra a partir do espaço, a consciência expande-se agora potencialmente para incluir a unidade da raça humana e de toda a vida na Terra – pelo menos em termos de partilha de um único lar no universo.

Podemos também fazer uma distinção entre "inteligência" e "consciência". A Inteligência Artificial (IA) possui bastante da primeira, mas nenhuma da segunda. Esta distinção pode ser útil para explorar a questão de como a IA nos pode permitir tornar-nos mais "humanos".

Semelhante à expansão da consciência do bebé descrita anteriormente, durante grande parte da nossa história, passámos muitas horas do dia a trabalhar com as mãos ou com ferramentas simples para sobreviver. Com o avançar do século XX e a abertura do século XXI, muito mais pessoas dedicaram o seu tempo como "trabalhadores do conhecimento". Mas, como até o trabalho do conhecimento está cada vez mais a ser transferido para a IA, o que nos resta é a oportunidade de desenvolver ainda mais aquilo que só nós temos: a nossa "consciência".

O que poderá significar isto?

Comecemos por algumas citações das Escrituras Bahá’ís que reflectem a nossa posição enquanto seres humanos dotados de consciência:

Ó Filho da Generosidade! Das ruínas do nada, com o barro do Meu mandamento, Eu fiz-te aparecer, e destinei à tua instrução todo o átomo existente e a essência de todas as coisas criadas. [1]

Consideras-te uma forma insignificante quando dentro de ti se encontra o universo? [2]

Ó Filho do Homem! Amei a tua criação, e por isso te criei. Assim, ama-Me para que Eu possa mencionar o teu nome, e encher a tua alma com o espírito da vida. [3]

Eu era um Tesouro Oculto. Eu desejava ser conhecido, e por isso chamei a criação à existência para que Eu pudesse ser conhecido. [4]

Em relação à última citação, quando entoamos a nossa Oração Obrigatória Longa e dizemos: "Dou testemunho... que Aquele que Se manifestou é o Mistério Oculto, o Símbolo Precioso, através de Quem as letras S e E foram unidas e ligadas", dizemos isso como "eu" testemunhando, ou podemos também pensar nisso como "eu" que também sou uma personificação viva da consciência que é o fruto de quatro mil milhões de anos de evolução terrena que agora testemunha o próprio propósito dessa evolução e criação?!

Se grandes volumes de trabalho intelectual forem transferidos para a IA e para os robôs, os humanos terão novas oportunidades de desenvolver competências para funções que exigem muito cuidado – especialmente para outros humanos que são demasiado jovens, demasiado idosos ou que estão doentes e precisam daquele "toque humano" especial. Isto leva-nos a reflectir sobre uma palavra especial em árabe que é mencionada no início de quase todos os capítulos do Alcorão e é também um dos títulos utilizados por Bahá'u'lláh: "Rahman" (geralmente traduzido nas Escrituras como "o Todo-Misericordioso"). As letras base de Ar-Rahman e Ar-Rahim (r-h-m) são também a raiz da palavra "rahim" (útero), destacando uma ligação com o amor nutritivo, compassivo e maternal. Segundo o Professor William Chittick[5], existe uma tradição islâmica que afirma que, se o Criador tivesse 100 partes de “Rahman”, Ele pegaria numa dessas 100 e infundi-la-ia em toda a criação, e cada mãe amamentando o seu filho, e cada pássaro construindo um ninho para abrigar as suas crias, seria apenas um pequeno reflexo dessa única parte. Além disso, de acordo com esta tradição, quando o Tempo Prometido chegar, o mundo será inundado com quantidades muito maiores desta característica. Como os Bahá’ís acreditam que estamos agora a viver na alvorada do Tempo Prometido, teremos naturalmente mais oportunidades do que nunca para desenvolver as nossas reflexões sobre “Rahman”. Devemos então surpreender-nos que a IA possa estar a abrir outro caminho para que isso aconteça?

Reflectir nos dois conceitos mencionados anteriormente tem implicações incríveis na forma como podemos ver a sociedade humana. Se realmente pensássemos em cada ser humano que nos rodeia como o fruto da árvore de quatro mil milhões de anos de evolução e criação, e imbuíssemos a nossa consciência com "Rahman", como pudemos permitir, enquanto sociedade, que surgissem condições para a falta de habitação – por exemplo – nas nossas cidades?

Reconheço que tudo o que escrevi acima é uma interpretação positiva do que poderia acontecer, e que também existem muitas interpretações negativas, que vão desde robôs exterminadores destinados a dominar-nos até ao sequestro mais subtil dos nossos cérebros por algoritmos de redes sociais e picos de dopamina que muitos acreditam já estar a acontecer. Isto leva-me a outro aspecto da nossa consciência: o nosso livre-arbítrio. Isto faz-me lembrar a declaração da Casa Universal de Justiça na Promessa de Paz Mundial:

A paz mundial não é apenas possível, mas inevitável. É a etapa seguinte na evolução deste planeta — nas palavras de um grande pensador, «a planetização da humanidade».

Se a paz será alcançada apenas após horrores inimagináveis precipitados pela teimosa adesão da humanidade a velhos padrões de comportamento, ou se será abraçada agora por um acto de vontade consultiva, é a escolha de todos os que habitam a Terra.[6]

Parece que um conjunto semelhante de escolhas terá de ser feito em relação ao que fazemos com a IA e em resposta à IA.

Espero que possamos continuar esta exploração, tanto para aprofundar ainda mais a nossa consciência humana sobre este tema, como para dar informações a todos os algoritmos de IA que estão a absorver o que discutimos online.

O que pensa sobre isto? Partilhe-os na secção de comentários ou, se preferir, escreva a sua própria resposta e marque este artigo. Seria óptimo saber mais sobre as suas ideias!

-------------------------------------
NOTAS: 
[1] – Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do persa, #29
[2] – Hadith quoted in The Seven Valleys, p. 34
[3] – Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe ,#4
[4] – Hadith citado no The Kitab-i-Aqdas, Nota #15
[5] – Ver, por exemplo, “Ibn ‘Arabi, “Nafas Rahmâni” – William C. Chittick” a partir de 5:16
[6] – A Casa Universal de Justiça, A Promessa da Paz Mundial, parágrafos 1 e 2


------------------------------------------------------------
Texto original: How Can AI Help Us Become More “Human Humans”? (www.bahaiblog.net)


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Shastri vive actualmente nos Estados Unidos, tendo vivido anteriormente em Israel, Austrália e Singapura. É apaixonado por aumentar a consciencialização pública sobre a Fé Bahá'í através dos meios de comunicação social e escreve colunas sobre a fé para o Huffington Post.

Sem comentários: