Por Preethi.
Quando era criança e tinha a capacidade de concentração de uma mosca, frequentar a igreja com a minha família era para mim uma provação semanal de três horas de duração. Lembro-me de me sentar nos bancos da igreja a observar as mesmas cerimónias complicadas todas as semanas e de não perceber por que razão fazíamos aquilo. Eu também não estava sozinha. As minhas amigas, igualmente aborrecidas e descontentes, queixavam-se da duração e da repetição dos rituais, desafiando os nossos pais a mostrarem-nos onde é que na Bíblia Jesus mencionava qualquer um destes rituais.
Os nossos pais sorriam pacientemente e incentivavam-nos a ver a beleza nas nossas tradições. "É assim que as coisas sempre foram feitas", era a resposta comum. Não era uma resposta de todo satisfatória para uma criança. "Tradição pela tradição!", dizia eu, impaciente.
Mas agora que já sou adulta, consigo finalmente recordar estas práticas e ver a beleza de cada uma delas. Em criança, achava fastidiosos os cânticos solenes em latim; mas agora, ouvir esses mesmos cânticos ajuda-me a sentir mais reverente. Em criança, costumava tossir de forma irritante para demonstrar a minha aversão ao incenso; mas agora compreendo que o incenso representa uma oferenda a Deus, feita por amor e devoção. Quando era criança, assistir a estes longos cultos semanais era um teste à minha própria vontade de viver, mas só agora compreendo o significado teológico por detrás da ordem dos cultos.
Lembro-me de ter ficado intrigada, quando me tornei Bahá’í, com o que parecia ser uma completa ausência de rituais na Fé Bahá’í. A nossa publicação sobre "O que o Natal significa para os Bahá'ís" gerou muitos comentários que me fizeram refletir sobre a abordagem Bahá'í em relação aos rituais e tradições.
Em contraste com a minha aversão incondicional à tradição enquanto criança, já não sinto que a tradição seja sempre algo mau. A tradição refere-se a costumes que são transmitidos de uma geração para outra. Em muitos casos, são uma celebração da identidade e herança cultural únicas de uma pessoa. Estas práticas são transmitidas para preservar esta herança cultural ou porque contêm alguma sabedoria e são de benefício prático.
Incorporar as práticas tradicionais na nossa prática espiritual não é, por si só, prejudicial. Só se torna um problema quando permitimos que as tradições se tornem rituais e quando sentimos que estamos presos a elas.
Os rituais são muito diferentes da tradição. Os rituais referem-se a actos prescritos associados a práticas espirituais que são obrigatórias. Embora o significado destes rituais nem sempre seja facilmente compreendido, aceita-se que existe um profundo significado e consequência espiritual subjacente a cada um deles.
Embora existam alguns destes rituais na Fé Bahá’í - como as acções prescritas para recitar as Oraçãos Obrigatória Média e Longa – estes são raros. Com referência a estes rituais, Shoghi Effendi explica:
Bahá’u’lláh reduziu todos os rituais e formas a um mínimo absoluto na Sua Fé. As poucas formas que existem – como as que estão associadas às duas orações diárias obrigatórias mais longas – são apenas símbolos da atitude interior. Há sabedoria nelas e uma grande bênção, mas não nos podemos obrigar a compreender ou a sentir estas coisas; é por isso que Ele nos deu também a oração, muito curta e simples, para aqueles que não sentiam o desejo de realizar os actos associados às outras duas. (de uma carta escrita em nome de Shoghi Effendi, data de 24 de Junho de 1949, publicada no Lights of Guidance)
O problema da tradição é que, muitas vezes, as pessoas agarram-se a elas e começam a sentir-se presas a elas. Confundem as suas práticas tradicionais, adoptadas de acordo com a sabedoria das gerações passadas, num contexto histórico específico, com rituais divinamente revelados, obrigatórios e intemporais. Como resultado, muitas práticas criadas pelo homem passam a ser consideradas obrigatórias e imutáveis, quando, na verdade, existe apenas uma meia dúzia de prescrições que foram divinamente reveladas e que devem ser observadas.
Shoghi Effendi alertava frequentemente para esta tendência e exortava os Bahá’ís a lembrarem-se de distinguir entre o que lhes era exigido pelas leis Bahá’ís e outros costumes e práticas que os indivíduos eram livres de adoptar, mas que não definiam as práticas Bahá’ís.
Quanto ao serviço fúnebre Bahá’í, é extremamente simples, pois consiste apenas em orações congregacionais a serem lidas antes do enterro... a sua Assembleia Espiritual Nacional deve ter muito cuidado para impedir que qualquer procedimento ou ritual uniforme nesta matéria seja adoptado ou imposto aos amigos. O perigo nisto, como em alguns outros casos relativos ao culto Bahá’í, é que se desenvolva entre os fiéis um sistema definido de rituais e práticas rígidas. A máxima simplicidade e flexibilidade devem ser observadas... (Publicado no Lights of Guidance)
No entanto, isto não significa que tenhamos de evitar completamente as práticas tradicionais. Há muitos benefícios em incluir as práticas tradicionais na nossa própria prática espiritual. Incluir certos elementos da nossa herança cultural nas nossas práticas espirituais pode ser uma forma poderosa de alinhar a nossa identidade cultural com a nossa identidade espiritual. Além disso, há certas práticas que adoptei simplesmente porque são de benefício prático na minha vida como Bahá’í.
O importante é estar muito consciente do porquê de estar a fazer algo e manter uma separação muito clara entre o que é exigido pelas leis da Fé Bahá’í e as práticas que foram adoptadas.
Houve um Naw-Ruz, em que fiquei alojada com uma família Bahá’í de ascendência persa e tive a sorte não só de celebrar este Dia Sagrado Bahá’í com eles, mas também de observar e seguir em algumas das práticas culturais associadas ao Naw-Ruz enquanto celebração cultural persa. Como Bahá’í relativamente nova, poderia ter corrido o risco de ter ficado a pensar que as tradições persas do haft sin e dos ovos pintados faziam parte do que significava celebrar o Naw-Ruz como Bahá’í, mas os meus maravilhosos anfitriões – que, como se viu, eram tão sábios quanto generosos e hospitaleiros – fizeram questão de me explicar que práticas têm origem nos costumes persas e que práticas eram relevantes para o Naw-Ruz como Dia Sagrado Bahá’í.
Penso que isto é a chave.
A minha experiência daquele Naw-Ruz foi ainda mais rica por poder celebrar o Dia Sagrado com os meus amigos Bahá’ís, ao mesmo tempo que pude desfrutar da forma única como os meus amigos persas honravam a sua própria herança cultural, infundindo as suas celebrações com elementos de uma celebração persa tradicional do Naw-Ruz.
Da mesma forma, descobri que sou capaz de honrar a minha própria herança étnico-religiosa (a minha herança cultural é inseparável do Cristianismo) celebrando o Natal e a Páscoa de uma forma que esteja alinhada com as minhas crenças e práticas espirituais enquanto Bahá’í.
‘Abdu’l-Bahá falou sobre a importância de nos mantermos desapegados das nossas práticas culturais e de as alinharmos com a verdade, tal como revelada pelos ensinamentos de Bahá’u’lláh:
Este é o dia em que os dogmas devem ser sacrificados na nossa busca pela verdade. Devemos abandonar tudo, excepto o necessário para as necessidades de hoje, e não nos agarrarmos a qualquer forma ou ritual que se oponha à evolução moral. (Divine Philosophy)
Em última análise, esta é uma questão que exige flexibilidade e desprendimento. Por um lado, precisamos de ter cuidado para não confundir a tradição com as práticas espirituais exigidas pela lei Bahá’í. Por outro lado, porém, precisamos de ter cuidado para que isto não resulte na rejeição generalizada das inúmeras heranças culturais a que pertencem as pessoas da comunidade Bahá’í mundial.
Como podemos encontrar este equilíbrio? Como alinhar a nossa herança cultural com a nossa identidade espiritual enquanto Bahá’í? Gostaríamos de saber a sua opinião nos comentários!
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Texto original: Faith, Tradition and Rituals (www.bahaiblog.net)
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Na sua vida profissional, Preethi tem-se envolvido em áreas como a educação, o desenvolvimento comunitário e o direito. No entanto, no seu coração, ela é uma criança que vê o mundo como um enorme parque de brincadeiras. Actualmente está a desenvolver um projecto educativo para levar histórias e culturas do mundo aos jovens, com recursos no One Story Classroom.

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