Por David Langness.
Das formas conhecidas de governo humano — aristocracia, autocracia, teocracia ou democracia — quais são recomendadas pelos ensinamentos Bahá’ís e porquê?
As respostas a estas questões reflectem o facto de todas as três figuras centrais da Fé Bahá’í — o Báb, Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá — terem sofrido terrivelmente sob o regime severo, arbitrário e repressivo de governos autoritários e teocráticos.
A nova religião do Báb surgiu em Shiraz, na Pérsia, em 1844, e cedo se transformou num movimento espiritual impactante por toda a Pérsia, então governada pela Dinastia Qajar, um governo aristocrático fortemente influenciado por clérigos teocráticos. Por serem considerados hereges pelo clero e pelo governo da Pérsia, mais de 20.000 Bábis morreram numa série de massacres por todo o país. O Báb, por ordem do primeiro-ministro do Xá, foi executado publicamente por um pelotão de fuzilamento na cidade de Tabriz, a 9 de Julho de 1850.
Bahá’u’lláh, anunciado pelo Báb, proclamou e fundou a Fé Bahá’í em 1863 — o que resultou na Sua prisão, tortura e exílio para a colónia penal mais distante do Império Otomano, a cidade-prisão de Acre, no que é hoje Israel. Apesar de não ter cometido qualquer crime, Bahá’u’lláh passou os últimos quarenta anos da Sua vida como prisioneiro exilado do corrupto regime persa do Xá Nasiri-din e do sultão otomano Abdul-Aziz.
‘Abdu’l-Bahá, filho e sucessor de Bahá’u’lláh, liderou a comunidade Bahá’í mundial até ao Seu falecimento em 1921. Exilado e preso durante 40 anos juntamente com o Seu pai, ‘Abdu’l-Bahá foi finalmente libertado da opressão das aristocracias otomana e persa após a Revolução dos Jovens Turcos de 1908, que obrigou o governante do Império Otomano a realizar eleições democráticas e a restaurar o Estado de direito constitucional.
As Características Distintivas da Revelação Bahá'í
Dado o tratamento severo e injustificado que recebem por parte dos regimes autoritários rígidos, seria de esperar que as figuras centrais da Fé Bahá’í recomendassem formas alternativas de governo, não autocráticas — e foi isso que aconteceu.
Bahá'u'lláh, nas Suas epístolas aos governantes e líderes religiosos do mundo, recomendou formas de governo democrático, elogiando as democracias parlamentares que conservavam uma forma moderada de aristocracia. Neste excerto da sua Epístola do Mundo, Bahá'u'lláh elogiou monarquias constitucionais democráticas como a da Inglaterra:
O sistema de governo que o povo britânico adoptou em Londres parece ser bom, pois está adornado pela luz tanto da realeza como da consulta ao povo...
Ó vós que habitais na terra! A característica distintiva que marca o carácter preeminente desta Revelação Suprema consiste em termos, por um lado, apagado das páginas do Santo Livro de Deus tudo o que tenha sido causa de contenda, malícia e maldade entre os filhos dos homens, e, por outro, estabelecido os pré-requisitos essenciais da concórdia, da compreensão, da unidade completa e duradoura.
Numa das suas epístolas inspiradoras aos governantes do mundo, Bahá'u'lláh elogiou a Rainha Vitória pelo seu apoio ao governo democrático:
… Ouvimos também dizer que confiaste as rédeas do conselho nas mãos dos representantes do povo. Na verdade, agiste bem, pois assim os alicerces do edifício dos teus assuntos serão fortalecidos e os corações de todos os que estão sob a tua protecção, sejam eles nobres ou humildes, estarão tranquilizados.
O Governo Constitucional e o Estado de Direito
Os Bahá'ís acreditam no governo constitucional baseado no Estado de Direito, como disse 'Abdu'l-Bahá nas Suas Epístolas: "O Governo Constitucional, de acordo com o texto irrefutável da Religião de Deus, é a causa da glória e prosperidade da nação, bem como da civilização e liberdade do povo."
Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í após o falecimento de 'Abdu'l-Bahá, escreveu no seu livro "A Presença de Deus" que:
O estabelecimento de uma forma constitucional de governo, na qual os ideais republicanismo e a majestade da realeza, caracterizada por Ele como “um dos sinais de Deus”, são combinados, são recomendados por Ele [Bahá’u’lláh] como uma realização meritória…
Nas Suas viagens ao hemisfério ocidental e às nações da Europa e da América do Norte, no início do século XX, após a Sua libertação de quatro décadas de prisão, ‘Abdu’l-Bahá abordou frequentemente estes temas relacionados com a democracia nos Seus discursos e palestras, como ilustra este discurso proferido em Nova Iorque em 1912:
Considerem a enorme diferença que existe entre a democracia moderna e as antigas formas de despotismo. Sob um governo autocrático, as opiniões dos homens não são livres e o desenvolvimento é sufocado, enquanto em democracia, como o pensamento e a expressão não são restringidos, assiste-se ao maior progresso. O mesmo se aplica ao mundo da religião. Quando prevalece a liberdade de consciência, a liberdade de pensamento e o direito de expressão — isto é, quando cada homem, de acordo com os seus próprios ideais, pode exprimir as suas crenças — o desenvolvimento e o crescimento são inevitáveis.
É por demais evidente que, no futuro, não haverá centralização nos países do mundo, sejam eles de governo constitucional, republicanos ou democráticos. Os Estados Unidos podem ser citados como exemplo de governo futuro — ou seja, cada província será independente em si mesma, mas haverá uma união federal a proteger os interesses dos vários estados independentes.
Resistir à Opressão com Justiça
As Escrituras Bahá'ís elogiam as formas democráticas de governo e o Estado de direito, não só porque os governos tirânicos e autocráticos restringem a liberdade e tratam o seu povo injustamente, mas porque, como 'Abdu'l-Bahá escreveu aos Bahá'ís persas há mais de um século, devemos "resistir à opressão com justiça" enquanto "promovemos a civilização para toda a humanidade".
Em resumo, ó amados do Senhor! Não considerem a tirania e a iniquidade dos ignorantes. Resistam à opressão com justiça, oponham-se à tirania com equidade e respondam à sede de sangue com amor e bondade. Sede benfeitores do progresso da Pérsia e do seu povo, e esforçai-vos por promover a civilização para toda a humanidade.
Apesar dos constantes ataques à própria democracia, o número de governos democráticos livres no mundo aumentou rapidamente desde a revelação de Bahá’u’lláh. Até ao século XIX, a maioria dos líderes das nações e das religiões opunha-se amplamente à democracia, e muito poucos governos podiam ser descritos como democráticos; mas hoje, de acordo com o "Fórum Mundial sobre a Democracia", existem democracias eleitorais em 120 dos 192 países existentes, representando quase 60% da população mundial.
Será que o Mundo Inteiro poderia ser uma Democracia?
A Fé Bahá’í contém elementos importantes da democracia na sua própria ordem administrativa. Os Bahá'ís não têm clero; todas as decisões administrativas são tomadas por grupos de Bahá’ís eleitos democraticamente, compostos por nove membros — designados por Assembleias Espirituais Locais e Nacionais nestes respectivos níveis e designados por Casa Universal de Justiça a nível internacional. Hoje, a Casa Universal de Justiça é o único órgão governamental global eleito por aqueles que representa em todo o mundo — embora os Bahá’ís acreditem que, um dia, toda a humanidade poderá ser governada pacificamente por uma democracia eleitoral.
Numa das Suas conversas com um funcionário do governo americano durante a Sua viagem aos Estados Unidos em 1912, ‘Abdu’l-Bahá deu este conselho, como relata Shoghi Effendi no seu livro A Ordem Mundial Bahá’u’lláh:
"Poderá servir melhor o seu país", foi a resposta de 'Abdu'l-Bahá a um alto funcionário do governo federal dos Estados Unidos da América, que O questionara sobre a melhor forma de promover os interesses do seu governo e povo, "se se esforçar, na sua condição de cidadão do mundo, por auxiliar na eventual aplicação do princípio do federalismo que fundamenta o governo do seu próprio país às relações existentes entre os povos e as nações do mundo."
Os ensinamentos Bahá’ís citam frequentemente as democracias representativas como modelos de um futuro sistema mundial de governação — rejeitando a tirania, proibindo a escravatura e defendendo reiteradamente o estabelecimento de uma democracia constitucional baseada no Estado de direito — não apenas em todas as nações, mas também numa futura ordem mundial federalizada.
Visando este objectivo global, Bahá'u'lláh escreveu:
Não pode haver dúvida alguma de que, se a estrela da justiça, que foi obscurecida pelas nuvens da tirania, lançasse a sua luz sobre os homens, a face da Terra seria completamente transformada.
O Grande Ser, desejando revelar os pré-requisitos para a paz e a tranquilidade do mundo e o progresso dos seus povos, escreveu: Chegará o tempo em que a necessidade imperativa de se realizar uma vasta e abrangente assembleia de homens será universalmente compreendida. Os governantes e os reis da Terra deverão comparecer nela e, participando nas suas deliberações, deverão examinar os meios e as formas que lançarão os alicerces da Grande Paz mundial entre os homens.
Esta visão inspiradora de um governo global democrático que apoia e defende a paz mundial inspira pessoas em todo o mundo — o que explica porque é que os Bahá’ís trabalham diligentemente todos os dias para a tornar realidade.
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Texto original: What Type of Government Do the Baha’i Teachings Recommend? (www.bahaiteachings.org)
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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