Há exactamente 155 anos, no dia 21 de Junho, várias centenas de Babis foram massacrados em Nayriz, no sul da Pérsia. Foi um dos poucos momentos em que na história da religião Babi, os crentes pegaram em armas para se defender. Foi também um dos eventos trágicos daquele ano de 1850, que culminaria com o fuzilamento do Báb.
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O episódio de Nayriz está profundamente ligado a um dos mais distintos discípulos do Báb: Siyyid Yahyay-i-Darabi, mais conhecido por Vahid (em português, "Incomparável"). Vahid era um homem de confiança do Xá que tinha sido encarregado por este de investigar as actividades do Báb e dos Seus seguidores e que acabou por aceitar a religião babi. O seu prestígio na Pérsia e, especialmente, entre os Babis era enorme. Para onde quer que viajasse a sua presença era sempre aguardada com grande interesse.
No início de 1850, depois de passar por Yazd - onde proclamou abertamente o aparecimento do Qaim na pessoa do Báb - seguiu viagem para a região de Nayriz. A sua fama e influência precedia-o e numa das povoações da região - Chinar-Sukhtih – onde a maioria da população tinha aceite a nova religião, a sua chegada era aguardada com expectativa. Ao contrário, o governador de Nayriz, Zaynu'l-'Abidin Khan, encorajado pelo clero muçulmano, estava determinado a impedir a sua permanência na região; chegaram mesmo a ameaçar os habitantes com severas represálias se permitissem a estadia de Vahid naquelas terras. Esta ameaça foi reforçada com a preparação de mil soldados para enfrentar a chegada de Vahid.
As ameaças do governador esmoreceram a fé de alguns babis e estimularam o entusiasmo de outros. Ao ter conhecimento das ameaças e intenções do governador, Vahid preocupou-se primeiramente com a segurança dos Babis que viajavam consigo. Decidiu ocupar o pequeno forte de Khajih nas imediações de Chinar-Sukhtih, onde outros babis se juntaram ao seu grupo; seguidamente ordenou que se reforçassem os muros do forte e da povoação.
Alguns dias mais tarde os soldados do Governador cercaram o forte. Após os primeiros confrontos (em que foi morto o irmão do governador e dois dos seus sobrinhos foram feitos prisioneiros), o governador pediu um reforço militar (canhões e cavalaria) ao Governador-Geral de Shiraz. Mas a determinação dos babis era enorme e nem a chegada desses reforços - com ordem para exterminar os sitiados - foi suficiente para tomar o forte.
O governador de Nayriz tentou outro método: a traição. Enviou uma mensagem aos sitiados onde afirmava ter sido induzido a atacar os babis por pessoas indignas; que começava agora a conhecer o verdadeiro carácter dos ensinamentos daquela religião quem em nada denegria o Islão, nem encontrava motivações políticas entre os babis que pudessem meter pôr em causa a segurança do país; e para dissipar todas as dúvidas e evitar mais derramamento de sangue, solicitava que os chefes babis viessem a falar com as autoridades no exterior do forte.
Apesar de perceber as intenções do Governador, Vahid abandonou o forte, na companhia de cinco babis e dirigiu-se ao acampamento militar, onde durante três dias foi saudado com grandes celebrações. Durante esses dias os oficiais fingiram grande interesse pelaspalavras de Vahid e satisfizeram todos os seus pedidos. Exteriormente manifestavam respeito e admiração pelas suas palavras, mas em segredo engendravam um estratagema para tomar o forte.
Pediram a Vahid que escrevesse uma mensagem aos companheiros que ainda estavam no forte, solicitando-lhes que abandonassem o local, pois a tropa não lhes faria qualquer mal. Vahid decidiu escrever duas mensagens; a primeira correspondeu aos pedidos dos sitiantes; a segunda alertava os babis para não se deixarem enganar pelas maquinações do Governador. No entanto, o portador desta segunda mensagem acabou por a levar às mãos do Governador e nunca foi entregue aos Babis. Apenas a primeira mensagem chegou ao forte.
Após aqueles três dias, os babis sitiados aguardavam com ansiedade instruções de Vahid; ao lerem a única mensagem que lhes foi entregue, abandonaram o forte e dirigiram-se a Chinar-Sukhtih. Logo à entrada dessa localidade foram emboscados e começaram a ser massacrados. Entretanto, no campo dos sitiantes começaram a insultar Vahid e a recordar-lhe os nomes dos familiares do Governador que tinha morrido nos combates. O tom agressivo da linguagem foi subindo e acabaram por amarrar Vahid e sujeitá-lo a várias humilhações.
Em Chinar-Sukhtih a população pôs-se em fuga; várias famílias, com crianças e idosos, tentaram fugir para as montanhas; outros esconderam-se onde podiam na povoação. Várias casas foram incendiadas e outras saqueadas. A maioria dos homens capturados foi executada; as mulheres e crianças, agredidas e aprisionadas. Parte dos cativos foi obrigada a desfilar pelas ruas de Nayriz, no meio de insultos e espancamentos; outros foram levados para Shiraz, onde, perante os cadáveres desmembrados dos seus entes queridos, também foram obrigados a desfilar pelas ruas da cidade.
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NOTAS
Descrições mais detalhadas do Episódio de Nayriz:
* Narrative of Mulla Muhammad Shafi' Nayrizi (inclui os incidentes de 1850 e 1853)
* The Nayriz Upheaval (The Dawnbreakers)
* If Walls Could Speak - An eyewitness account of the Bábís of Nayriz
12 comentários:
Que os teus anos te sejam quintuplicados por este magnífico post, meu amigo.
Quem se pode afirmar Bahá'í sem ter lido a Narrativa de Nabil?
Para mim, Os Rompedores da Aurora, são livros de pura magia sagrada com que a humanidade é brindada de mil em mil anos.
É uma narrativa escrita com o sangue dos heróis da Primeira Era. Quão alto lamento por não ter sido um dos Companheiros de Vahid...!
Meu caro amigo, acabei de te assaltar o blog e levei o link com post e tudo para O Quirólogo. Mil desculpas.
Mas como dizia o poeta:" compra pão e vinho mas rouba uma flor, pois tudo o que é belo não é de vender..."
O teu post está na categoria das rosas roubadas.
Meu caro Elfo,
Tinha um palpite que ias gostar. Na verdade, eu nunca li a Narrativa de Nabil. Apenas alguns episódios. Talvez no verão, quem sabe. Mas também estou a planear ler outras coisas… Vamos ver.
Tinha planeado escrever posts a propósito de algumas efemérides relacionados com eventos ou personagens da história Babi e Baha’i. Este foi um deles. Na próxima semana talvez escreva especificamente sobre o Vahid.
A Narrativa de Nabil é um relato da vivência de fé dos primeiros crentes. Não sei se será muito correcto, mas parece-me que há muitos paralelismos entre este livro e os Evangelhos.
Penso não estar a dizer nenhuma blasfémia se disser que Nabil está para a Nova Era como Heródoto está para o mundo antigo.
A Narrativa de Nabil foi aprovada pelo próprio Bahá'u'lláh e foi uma leitura recomendada a todos os Bahá'ís há dois anos atrás pela Casa Universal de Justiça.
De todos os livros que já li - e já li tudo o que existe em Portugal, mais uns poucos em espanhol e umas coisitas em inglês -, e com os quais senti o sangue a ferver foram precisamente "A Passagem de Deus" e "Os Rompedores da Alvorada"
Pensei que tinhas "roubado" este post. Afinal foi o post do martírio do Báb.
Os livros que mais mexem comigo são o Livro da Certeza e a Epístola ao Filho do Lobo.
Sou um "ladrão" cirúrgico. Deixo-te a montra intacta mas levo a melhor das jóias sem dares por isso.
Continua a debitar pérolas no teu post que todos estamos sequiosos de sabedoria.
Eu ainda não li os rompedores da Alvorada.
A História da Fé Bábi é comovente e a atitude muitos dos seguidores do Báb foi majestática e digna de admiração. Mas Elfo, se eu lá tivesse estado, e fosse um dos companheiros de Vahid, não sei o que teria feito.
The Dawn-Breakers is a very special book for me - it helped to fan the flames of my heart and deepen my faith when I was a lonely youth serving at my pioneer post. Thanks for posting this - the history of the Faith is full to the brim with heroes to inspire and amaze us. Their actions have sowed seeds in the hearts of countless youth the world over...
Sorry this isn't in Portuguese :( :) Allah'u'abha!
You're always welcome, Dan!
:-)
Eu apenas posso lamentar que haja amigos que não tenham lido tão fabuloso livro, no entanto, ainda estão a tempo.
Vou só contar-vos um episódio que se passou comigo quando andava na faculdade: Tinha que fazer um exame ou uma "frequência", já não sei. Sei isso sim que era décima terceira vez que ia tentar fazer a famigerada cadeira - Introdução ao Estudo do Direito -, então rodeei-me dos livros de estudo: Código Cívil + Constituição da República Portuguesa, + os meus apontamentos, mais estudos sobre o Direito na Comunicação, mais os apontamentos dos colegas e... Os Rompedores da Alvorada.
Por incrível que pareça não toquei em mais livro nenhum a não ser Os Rompedores da Alvorada, li, li, li... até que adormeci literalmente em cima dos livros. Ao outro dia fui fazer a cadeira e fi-la com catorze valores.
Abençoado seja o Báb.
Elfo,
Essa história que contaste é gira mas no meu caso suponho que isso só acontece aos outros.
Eu tb acho estranho essa história de vocês andarem a ler livros da vossa religiao antes dos exames da faculdade.
Eu e muitos colegas meus fizemos algumas cadeiras por "Espirito Santo de Orelha". E até houve duas cadeiras que que passei quase por milagre.
Mas agora vir dizer que alguem fez uma cadeira por causa de um livro sagrado, é que já me parece demais...
GH
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