sábado, 27 de janeiro de 2007

Preconceitos Religiosos nos Manuais Escolares (2)

A propósito do artigo do Expresso sobre preconceitos religiosos em manuais escolares, aquele semanário publica alguns exemplos desses erros. Pelo conteúdo caricato (e mesmo patético) fizeram-me lembrar um livro publicado há alguns anos, intitulado "História de Portugal em Disparates". A única diferença é que esse livro era uma colectânea de disparates escritos por alunos em testes e exames; estes disparates que o Expresso apresenta são escritos por professores.

Aqui ficam essas "pérolas de sabedoria" com alguns comentários.


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(proposta de exercício)
"Actualizar a figura do judeu de Gil Vicente sob a forma de «um israelita fanático que participa em acções terroristas contra palestinianos»"

Aula Viva, 9º Ano, João Augusto da Fonseca Guerra e José Augusto da Silva Vieira, Porto Editora

COMENTÁRIO: Ao Expresso, Fonseca Guerra justifica-se: “casos de violência extremista merecem uma reflexão oportuna” . O que o autor parece não saber é que um manual escolar não é um manual de doutrinação política. Além disso, ficam duas questões por responder: qual o paralelismo possível do judeu retratado por Gil Vicente com um terrorista dos nossos dias? No exemplo apresentado, porque não o generalizou? (não sabe que há fanáticos em todas as religiões e em todas as sociedades?) A equidade deste manual também merece uma reflexão oportuna.


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“Mulheres – talvez o exemplo mais escandaloso da discriminação de um tipo de pessoas o que os países muçulmanos fazem às mulheres. Aí, elas não só estão submetidas ao marido, como não podem sair sozinhas, e não têm virtualmente direitos nenhuns.”

Língua Portuguesa 7, Maria Ascensão Teixeira e outros, Texto Editores

COMENTÁRIO: A editora afirmou ao Expresso que este livro já não se encontra à venda. Mesmo assim talvez pudessem lembrar à autora que o mundo islâmico não é uma enorme Arábia Saudita. Será que ela nunca ouviu falar em Benazir Bhutto, Tansu Ciller Hasina Wajed ou Khaleda Zia? Todas elas governaram países muçulmanos. Será que a autora alguma vez esteve num país de maioria muçulmana?

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“Além destes princípios (os 5 pilares do Islão) que devem ser integralmente respeitados, desde logo se estabeleceu ao crente a obrigação da jihad, a guerra santa destinada a espalhar a fé.”

O Tempo da História 10º ano, Célia Pinto de Couto, Maria Antónia Rosas, Porto Editora

COMENTÁRIO: ao Expresso, Maria Antónia Rosas afirma que pretendeu “desfazer o preconceito que o ideal da guerra santa pertenceu exclusivamente à religião muçulmana”. As autoras comparam a jihad com as cruzadas. E que tal começarem por esclarecer o que significa Jihad no Islão? Não sabem (ou não foram capazes de explicar) que que existe uma Jihad Maior que significa um esforço de aperfeiçoamento pessoal (uma luta contra o próprio ego) e uma Jihad Menor que significa luta contra o invasor? Não houve um pouco de intuição (já nem digo investigação histórica) para perceber que o conceito de jihad defendido hoje por radicais muçulmanos é uma distorção do que se encontra nos ensinamentos do Islão?


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“O cristianismo conservou do judaísmo uma característica fundamental: a sua intolerância, o fanatismo e o sentido totalitário da sua doutrina”

Cadernos de História, 10º ano, Pedro Almiro Neves, Porto Editora

COMENTÁRIO: Ao Expresso o autor diz que a sua fonte é a obra do historiador Pedro Grimal e que noutras páginas do manual há outros pontos de vista e que se pretende que os alunos aprendam a fazer escolhas. Mas o autor não tinha outras fontes, nem conhece outros historiadores? Como é possível uma generalização tão grosseira? Como pode um manual escolar conter uma afirmação anti-religiosa tão primária? Simplesmente patético.


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“Aos trinta anos, Jesus começou a pregar uma nova doutrina baseada na crença num único Deus (monoteísmo)...”

História e Geografia de Portugal – 5º ano, Edite Correia Nunes e outros, Texto Editores

COMENTÁRIO: Ao Expresso, a autora disse que apenas pretendia “simplificar”. Pois é. Tanto simplificou que os alunos arriscam-se a acreditar que os judeus eram politeístas. A propósito de monoteísmo, será que esta autora alguma vez ouviu falar de Abraão?


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“Podem resumir-se a quatro as causas do antijudaismo em Portugal no século XVI: os judeus enriqueciam de forma pouco clara sendo-lhes atribuída a ganância e a usura; ocupavam profissões importantes em forte percentagem, o que dificultava às outras pessoas o acesso a elas; assumiam grandes prestígio sociopolítico (...), eram fanáticos seguidores da sua religião, desrespeitando ao mesmo tempo valores e costumes cristãos.”

Ponto e Virgula, Língua Portuguesa, Constança Palma e Sofia Paixão, Texto Editores

COMENTÁRIO: a editora afirmou ao Expresso que não comenta estes textos. É pena. São tantas as acusações aqui contidas que talvez as acusações aqui contidas que talvez as autoras devessem apresentar uma queixa na Procuradoria Geral da República. E se o caso fosse bem investigado ainda íamos descobrir que também são os judeus que estão por detrás do caso do Apito Dourado.

6 comentários:

Anónimo disse...

De facto, até dava para rir se não fosse trágico.
Eu estava para te lançar uma pergunta sobre isto. No ano passado notei no livro de história do meu sobrinho uma alarvidade destas.
Talvez devêssemos organizar um ranking destas pérolas de ignorância!

Pedro Fontela disse...

Entre erros grosseiros e versões cor de rosa da história venha o diabo e escolha.

Marco Oliveira disse...

Eh eh eh eh
Estão aqui umas frases que davam umas boas piadas para o meu blog.
Mas concordo com o Pedro Fontela: também não vamos pintar a história das religiões de cor de rosa.
o ensino da religião deve ser objectivo (e não deve ser uma tentativa de proselitismo!)

Marco Oliveira disse...

O ensino do fenómeno religioso deve ser objectivo e isento; não deve, como refere o Cirilo, camuflar qualquer espécie de proselitismo. E deve expor o contributo das religiões na história da humanidade, não esquecendo as coisas boas ou más que tenham sido feitas em nome dessas religiões.

Alguns destes excertos dos manuais escolares revelam uma incapacidade par distinguir os ensinamentos originais da religiões com as distorções e manipulações que alguns crentes fizeram delas. É como confundir um cão com as suas pulgas. Isso é inaceitável num manual escolar.

Anónimo disse...

lembro-me perfeitamente de quando estava no 5º ano, a palavra "infieis" ser sinonimo de mouros ou muçulmanos, podiamos nos testes referirnos aos muçulmanos como infieis e a resposta estaria certa.
Ainda quanto ao islao, aprendiamos que os muçulmanos tinham um deus "chamado" Ala, o que no fundo é o mesmo que dizer que os espanhois tem um deus chamado "dios"

Anónimo disse...

E para os muçulmanos os infiéis são que não são muçulmanos.
Gente desde que existe história contada da humanidade não há uma que seja neutra, como vocês referem: objetiva.
Pois têm razão, deve ter chegada a hora de acabar com isso e aí que servem os diálogos por mais politizados que sejam devem servir.