Aqui fica a tradução de um artigo divulgado pela Associated Press e publicado em vários jornais e sites um pouco por todo o mundo
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DUBAI, Emirados Árabes Unidos (AP) – Os conceitos cristãos de paraíso e inferno tiveram origem no Irão. O sagrado Talmude judaico está polvilhado de ideias e palavras iranianas. E alguns iranianos amam a cidade israelita de Haifa como um local sagrado.
Estas são algumas das fascinantes pérolas da Encyclopedia Iranica, um projecto que se tem vindo a desenvolver desde 1973, que procura destilar 5000 anos da história, geografia e vida iranianas, em 45 volumes onde se proclama a grandeza do Irão.
“Hoje, mais do que em qualquer outra altura, precisamos de manter viva a nossa cultura iraniana”, afirmou o director da Iranica, Ehsan Yarshater, a uma audiência de 350 pessoas, numa sessão de recolha de fundos no mês passado no Dubai. O jantar opíparo, o concerto e o leilão renderam 100.000 USD para um projecto que custará ainda mais 20 milhões de dólares e, pelo menos, mais uma década a concluir.
O Governo Iraniano opõe-se amargamente à enciclopédia, e o governo americano apoia-a. Mais de metade do orçamento da enciclopédia provém das dotações no Americanas para as Humanidades, que a tem financiado como um projecto de grande significado cultural desde 1979 - o mesmo ano em que os estudantes iranianos ocuparam a embaixada iraniana em Teerão.
"Quando estiver concluída será um magnifico presente para os nosso filhos e para as gerações vindouras", afirma Yarshater, um académico iraniano da Universidade de Columbia em Nova Iorque.
A enciclopédia é o trabalho da vida de Yarshater, agora com 86 anos e sofrendo da doença de Parkinson. Iniciou a enciclopédia há 32 anos, pouco depois de ter abandonado o Irão. O projecto ameaça ultrapassá-lo. Outro iranologista de Columbia, Ahmad Ashraf, assumirá a liderança do projecto se Yarshater falecer antes de o completar.
Apenas 13 volumes desta enciclopédia escrita em inglês foram publicados até hoje (vai na letra G). Tem sido tão lento que os gestores abandonaram a abordagem "uma-letra-de-cada-vez" e estão a solicitar todos os artigos de uma vez.
Cada volume custa 1 milhão de dólares a produzir, afirma Mark Houshmand, que dirige o grupo de apoio da enciclopédia no Dubai. O Dubai onde residem cerca de 300.000 iranianos, tem uma grande comunidade estrangeira que apoia o projecto, tal como Los Angeles, Nova Iorque, Genebra, Londres Toronto e Miami.
O volumes podem ser encomendados no Site da Iranica por preços que oscilam entre os 250 e os 350 dólares cada (ou os primeiros 12 por 3450 UDS). Quando estiver concluída ocupará mais espaço nas prateleiras do que os 29 volumes da Encyclopedia Britannica.
Há 2500 anos, o Império Persa estendia-se da Líbia até à China, e incluía a Turquia e o norte da Índia. O domínio persa renasceu no séc. XI, estendendo-se da Turquia ao Bangladesh, dominando a Ásia Central até ao avanço da civilização Ocidental na Ásia, em meados do séc. XIX.
Assim, a enciclopédia cobre os aspectos persas de lugares fora das suas fronteiras de hoje, incluindo a Ásia Central, a Índia, o Norte de África, a Grécia e a Albânia.
A maior parte do trabalho também está a ser feito fora do Irão, porque o governo iraniano se opõe ao projecto. Segundo os gestores do projecto, sediado em Columbia, os académicos no Irão dizem ter sido hostilizados.
O PROBLEMA: YARSHATER É BAHÁ'Í
Muito da vergonha dos Iranianos surge do facto de Yarshater pertencer à fé Baha'i, afirma Houshmand.
“Ele não é bem-vendo no Irão. Não gostam do trabalho que ele está a fazer. Não querem que ele receba qualquer crédito”, afirma Houshmand. “Tudo por causa da sua religião. Devia ser irrelevante. Mas infelizmente, com o regime iraniano de hoje, estas coisas são muito relevantes”.
Os baha’is têm sido fortemente perseguidos pelo actual e pelos anteriores, regimes iranianos. Em 1868, vários baha’is foram exilados para a Palestina, agora Israel, onde construíram santuários em Haifa, que eles agora consideram uma cidade santa, afirma a enciclopédia.
Entradas como esta, que documentam as ligações da República Islâmica com Israel e o seu passado pré-islâmico, são consideradas contrárias à revolução islâmica de 1979, pelo actual governo.
Conceitos como a sobrevivência da alma de uma pessoa após a morte, o dia do juízo, paraíso e inferno e anjos sagrados, tudo deriva da sobrevivente fé Zoroastriana do Irão, uma religião com mais de 3000 ano, anterior aos Cristianismo e ao Islão, afirma a enciclopédia. A linha dura iraniana também não vê com bons olhos as crenças zoroastrianas.
Durante a sessão de angariação de fundos, entre a audiência encontravam-se diplomatas americanos e suíços, assim como algumas das maiores estrelas pop do Irão pré-revolucionário, incluindo os cantores Mahasti e Aref (ambos viajaram de Los Angeles). O mais famoso pianista iraniano, Anoushirvan Rohani, hoje residente em Los Angeles, tocou as suas musicas melancólicas até tarde às primeiras horas da madrugada.
“A minha indiferença sobre a atitude do regime [iraniano] face aos Estados Unidos não podia ser maior” afirmou Sara Masinaei, de 24 anos, uma residente no Dubai que emigrou de Teerão com a sua família quando tinha 8 anos. “O que é importante para mim é a história, a língua e as tradições do Irão. Quero que os meus filhos, e os filhos deles, beneficiem daquilo que estamos a apoiar hoje”.
Abbas Bolurfrushan afirmou que os exilados se preocupam por perder o contacto com o Irão e a sua língua persa. (...) Mas Bolurfrusha, que dirige o Conselho de negócios Iraniano sediado no Dubai afirmou que está preocupado primeiramente com assuntos práticos, tais como as sanções da ONU, que impedem o seu comércio com o Irão.
“Estou farto do passado glorioso”, afirma Bolurfrushan. “O que é que temos hoje? Os iranianos têm que sair do passado e dedicar-se a construir o presente”.
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Texto Original: Move over Britannica, here's Encyclopedia Iranica
9 comentários:
Marco, qual é a posição da comunidade islamica portuguesa em relação à perseguição dos Bahais no Irão? (Presumo que vocês já tenham falado com eles sobre isso).
Nunca perguntei directamente a nenhum membro da comunidade islâmica portuguesa a opinião sobre este assunto; não me custa perceber que a esmagadora maioria deles seja contra o que o governo iraniano faz aos baha’is. Mas também percebo que seja um assunto incómodo para os muçulmanos.
Há episódios que não podemos apagar da história (antiga ou contemporânea). Há coisas que lá estão e preferíamos que não estivessem. Veja-se por exemplo, como o tema dos massacres que a tropa portuguesa fez em África incomodam alguns portugueses. Todos preferíamos que isso não tivesse acontecido.
Por isso, imagino que qualquer muçulmano bem intencionado (e verdadeiramente crente) também fique incomodado com o tema das perseguições aos baha’is e preferisse que isso nunca tivesse acontecido.
Também penso que assim será, só perguntei porque podia ter havido uma referência directa ao assunto.
Conhecendo (através da televisão) o Cheik Munir não me custa a acreditar que ele condenasse a situação!
gh,
É um erro colossal pensar que o "verdadeiro crente" não pode jamais cometer atrocidades. Por muito que custe engulir esse sapo há que admitir que a crença não me diz rigorosamente nada dessa pessoa.
Pedro Fontela,
Se um "crente verdadeiro" não cumpre os ensinamentos éticos da sua religião, então deixa de o ser.
No meu entender, "crente verdadeiro" é uma condição que se pode atingir; não é um estatuto vitalício que se alcança.
Gostei e concordo em absoluto com este último comentário do GH, e acrescentaria que, a condição de crente não tem nada de vitalício, tudo se pode perder, até uma vida inteira de serviço e devoção, para com a sua religião e para com a humanidade.
Na escrituras Bahá'ís isso é mencionado nomeadamente em relação ao momento da morte, ou seja, na fase de transição da vida terrena para o mundo espiritual, momento em que tudo se pode perder ou tudo ganhar, é digamos assim o último teste...
gh,
Que interpretação dos ensinamentos é que deve seguir? The devil is in the details...
Restrigindo-me apena ao post do querido amigo Marco:
- O Irão de hoje está a deitar pela borda fora mais de 3000 anos de história.
- Quem não reconhece a história do seu povo e das suas crenças, vai forçosamente repetir os erros do passado.
- O facto de haver muitas personalidades norte americanas a apoiar esta enciclopédia não significa, de todo, que o executivo norte americano o apoie.
- O governo iraniano está a cometer um erro de palmatória ao renegar a qualidade e os esforços destes investigadores para trazerem à luz da sociedade hodierna todos os progressos que este grande povo, iraniano, tem feito ao longo dos seus milhares de anos de história.
- O governo iraniano tem razão ao insurgir-se contra a propaganda americana - o filme os 300 é uma prova da propaganda norte americana para desacreditar este glorioso povo -, pois esta propaganda não é apenas dirigida ao governo actual do Irão, mas sim contra toda a sua história de glória e conquistas, e contem inverdades de bradar aos céus.
- O facto de ter sido um Bahá'í a dar inicio à redescoberta desta épica história, só prova que os Bahá'ís iranianos têm um profundo respeito pelo Irão e o seu passado, não tendo nada a ver com o actual regime de Teerão.
- O facto de o governo do Irão estar incomodado com esta enciclopédia, prende-se só e apenas porque o principal investigador ser um a Bahá'í.
- Não aceitar o mérito deste trabalho por parte do governo iraniano é só estarem a tentar tapar o sol com uma peneira.
- Só repete a história quem não conhece a história.
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