Imagino que para a maioria dos leitores deste blog, Ahmad Batebi seja um nome que nada diz. Mas provavelmente associarão este nome com uma imagem, se vos disser que ele é um antigo estudante iraniano que ficou conhecido internacionalmente quando apareceu em Julho de 1999 na capa da revista The Economist, exibindo a camisa manchada de sangue de um colega seu.
Essa foto correu o mundo, através de jornais, revistas e agências noticiosas; tornou-se um ícone do movimento reformista de estudantes iranianos. Posteriormente, Batebi foi preso, e condenado à morte. Devido enormes a protestos internos e internacionais, a sua pena foi reduzida a 15 anos de prisão.
Em Junho de 2008, durante uma saída temporária da prisão para tratamento médico, Batebi conseguiu fugir do Irão e obteve asilo político nos Estados Unidos.
Surpreendentemente, Ahmad Batebi é o nome que hoje surgiu em diversos blogs bahá'ís; vários emails trocados entre Bahá'ís também referem o seu nome. Tudo isto de deve a um artigo de sua autoria (publicado no dia 2 de Setembro no RoozOnline), e cuja tradução para inglês foi publicada hoje no site Iranian.com. Neste artigo Batebi - que não é Bahá'í - questiona todos os motivos que levam os Xiitas a perseguir os Bahá'ís no Irão, e expressa uma grande solidariedade e simpatia para com a actual situação dos Bahá'íis iranianos.
No artigo em causa, Batebi cita extensamente uma carta de um jovem bahá'í chamado Hesam Mithaqi que lutou contra a demente insanidade ideológica do governo iraniano após ser expulso do Instituto Sanai de Estudos Superiores, em Isfahan, em 2006. É um documento comovente, especialmente porque Mithaqi escreve sem rancor.
A CARTA DE MITHAQI
"Em 1385 [2006] participei no exame nacional de acesso à universidade e entrei no Bacharelato em Tradução Inglesa, no Instituto Sanai de Estudos Superiores, em Isfahan”
"Logo no primeiro semestre, o nosso professor da cadeira de Estudos islâmicos perguntou-nos: «Temos minorias religiosas nesta turma?». A menina Rezai [uma Bahai], um estudante cristão e eu declarámos que pertencíamos às minorias religiosas. Também acrescentei que iria dar pouca importância aos Estudos Islâmicos. O professor pediu-me então que identificasse a minha religião, mas como eu sabia que seria pouco prudente mencionar a palavra «Bahai», evitei responder de forma directa. Mas o professor insistiu, e eu indiquei que seguia a Fé Baha’i.
"Depois dessa aula, a menina Rezai e eu fomos falar com o professor e sugerimos que dadas as circunstâncias prevalecentes seria melhor evitar debater a Fé Baha’i na aula e na universidade, pois poderia causar problemas para nós e para ele. Ele aceitou e desde então nenhuma discussão teve lugar durante as nossas aulas.
"No final do segundo semestre, e depois de recebermos um certificado com as nossas notas, fomos notificados em 14/4/86 [05 Julho 2007] que no anterior mês de Farvadin [Março 2007] a universidade tinha recebido instruções oficiais para nos expulsar. Em resposta, a universidade tinha explicado às autoridades superiores que tinha relutância em expulsar qualquer estudante a meio de um semestre, e solicitaram uma reavaliação da decisão inicial. No entanto, foram confrontados com uma resposta hostil. E consequentemente, decidiram enviar-nos, juntamente com uma carta, à Organização de Avaliação para determinar a nossa situação.
"Algum tempo depois da nossa ida à Organização [de Avaliação] foi-nos dito para ir à universidade pois eles iram comunicar-nos a sua decisão. Mas nós dissemos: «Temos de regressar à escola com a vossa decisão». Foi-nos, então dito que procurássemos uma resposta junto do gabinete da Organização [de Avaliação] em Teerão, na avenida Karim-Khan Zand. Também nos foi indicado o número de referência de uma carta (86/4/18, m/1/270) e fomos informados que essa carta já tinha sido enviada para o gabinete em Teerão.
"Quando fomos ao escritório da Organização em Teerão, reunimo-nos com Dr. Nurbakhsh. Ele disse que tinha trabalhado diligentemente para garantir os direitos dos Bahais e estava a trabalhar para garantir uma forma de podermos frequentar a universidade. Também nos sugeriu que não abordássemos outros gabinetes governamentais pois isso não daria fruto algum.
"Depois de visitar o escritório acima mencionado, fomos ao Ministério da Ciência e aí soubemos que a carta enviada pela nossa universidade para esse Ministério tinha desaparecido! No entanto, um dos funcionários indicou que a dita carta estava com o Dr. Muslemi. Quando nós abordámos o Dr. Muslemi, este negou ter qualquer conhecimento e disse que tinha emitido o ficheiro para a Organização de Avaliação.
"Simultaneamente, escrevi uma carta ao representante de Isfahan no Parlamento Islâmico, Dr. Kamran, embora sua secretária não me tenha dado o número de referência da carta. Também escrevi por email a muitos outros membros do Parlamento e ao gabinete do Presidente; nenhuma destas mensagens obteve resposta.
"Até hoje continuo a deslocar-me aos escritórios do Ministério da Ciência, da Organização para a Avaliação, da Agência para a Instrução Revolucionária, aos escritórios dos membros do Parlamento e de outras agências governamentais. Porém, nunca me foi dada nenhuma resposta lógica até à data; todos afirmam que não estão envolvidos no processo e encaminham-se para outros escritórios.
"Agora que passaram dois semestres desde minha ausência da universidade, ainda não recebi a carta oficial da expulsão. De acordo com os regulamentos do Ministério da Ciência, se um estudante não frequenta dois semestres a sua expulsão é accionada automaticamente. Consequentemente, agora sou considerado agora um estudante expulso.
"Também tentei requerer a isenção do serviço militar e - inacreditavelmente! – eles têm o meu registo de estudante no Instituto de Sanai de Estudos Avançados. Por causa de minha isenção como um «estudante», recusaram conceder-me uma isenção geral.
"É estranho que a juventude de Bahai esteja impedida de frequentar as universidades, mas tenha que cumprir serviço militar."
PORQUE É QUE OS BAHÁ'ÍS SÃO PERSEGUIDOS?
Ahmad Batebi explica de forma admiravelmente clara porque é que, de acordo com a Constituição Iraniana, os Bahá'ís não devem ser privados do Ensino Superior. Também demonstra porque é que os Bahá'ís estão sujeitos a este e a muitos outros actos persecutórios pelos mullahs de Irão.
INVESTIGAÇÃO INDEPENDENTE DA VERDADE TAMBÉM É PARA MUÇULMANOS
É uma tradição do Islão Xiita que o crente escolha um ayatollah apropriado como um objecto da excelência, e que aceite o seu juízo em matérias de fé e de conduta. Mas Bahá'u'lláh, fundador da Fé Bahá'í, proibiu completamente esta prática. Bahá'u'lláh ensina que todos devem investigar a verdade por si próprios e chegar ao seu próprio juízo em matérias de fé e de consciência.
Batebi argumenta que isto é igualmente verdadeiro para Muçulmanos. As pessoas não podem ser forçadas a aceitar a filiação religiosa maioritária no país.
De acordo com uma certa leitura tradicional da lei Xiita, numa sociedade maioritariamente muçulmana, ao “Povo do Livro” não é permitido para fazer proselitismo da sua religião. Consequentemente, de acordo com esse mesmo entendimento, nessa sociedade o debate das crenças Baha’is também é proibido. No entanto, é importante ter presente que a compreensão é um acto pessoal; uma pessoa não pode pensar por outra.
Deste modo, cada crença é pessoal; e as convicções religiosas são pessoais e não sociais. Isto significa que a fé em matéria de convicção pessoal não é algo que se obtenha solicitando, ou rejeitando, determinadas crenças. Também uma sociedade não pode ser conduzida através de declarações ou anúncios públicos, a reforçar ou a mudar as convicções de uma pessoa. Por outras palavras: torna-se evidente que em matérias religiosas, as opiniões de um determinado líder, de uma escola de pensamento, ou mesmo de um governo, não podem sobrepor-se à vontade dos indivíduos.
A fé atinge-se com um exercício muito pessoal e profundo da consciência. Cada um de nós tem a sua própria maneira de reconhecer e aceitar uma verdade religiosa; isto envolve aspectos psicológicos e espirituais muito íntimos. Como é que isto pode ser delegado noutra pessoa?
E Batebi continua: na verdade, os Muçulmanos Xiitas têm a obrigação de investigar as pretensões de todos os que reivindiquem ser o Qa’im (Aquele que se levantará), a figura messiânica do Islão Xiita.
Os Bahá'ís acreditam que o Qa’im da Casa de Maomé se manifestou em 1844 e deixou um extenso corpo das escrituras. Além disso, o Qa’im profetizou o iminente surgimento de uma outra Pessoa e essa Pessoa é Baha'u'llah, fundador da Fé Baha’i. Os Baha’is também acreditam que os ensinamentos e as exortações da Fé Baha’i são consistentes com as necessidades do momento actual da humanidade, do actual estado de maturidade e de desenvolvimento do mundo, e as exigências dos povos no decorrer dos próximos séculos, e que é esta religião que preparará a humanidade para uma nova etapa da sua existência: a civilização global.
Isto significa que os muçulmanos xiitas devem investigar por si próprios as reivindicações da Fé Bahá'í e não confiar no juízos dos seus clérigos.
Batebi conclui: Não é verdade que um Muçulmano deve poder fazer as suas perguntas aos outros em completa liberdade, e que os outros também devem ter liberdade para partilhar e expor, sem nenhum restrição ou constrangimento, as suas opiniões e convicções religiosas? Tendo isto presente, então os Baha’is em todas as sociedades islâmicas devem ter completa e ilimitada liberdade de expressão.
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NOTA: Leiam o artigo de Ahmad Batebi na sua totalidade. Além de vos permitir perceber porque é que os Baha’is são perseguidos no Irão, também vos permitirá perceber o que é a frustração de viver numa sociedade profundamente dominada por uma ideologia religiosa.
4 comentários:
Ahmad Batebi foi chamado o "Cristo do Irão".
É muito significativo que ele tome uma posição destas.
Como???!!!
"Cristo do Irão" !!!???
Se assim for, Irão é a terra dos cristos...
Anónimo:
Isso foi uma expressão muito usada quando ele foi preso: "...his Jesus Christ-looking picture..."
Vê este artigo:
http://www.iran-press-service.com/articles_2003/Nov-2003/batebi_missing_121103.htm
Pedindo antecipadas desculpas pela “invasão” e alguma usurpação de espaço, gostaríamos de deixar o convite para uma visita a este Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...
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