sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Herança e Reconhecimento

Um testemunho de um descendente de Bahá'ís iraquianos

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O texto que se segue é uma tradução do artigo publicado no Washington Post/Newsweek, intitulado Faith as heritage, faith as recognition e de autoria de Remz Pokorny. O auror é um académico da Brandeis University que se dedica à área da Ciência Política e Estudos do Médio Oriente. O texto foi descoberto via Muslim Network for Baha’i Rights.
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Vamos começar pelo início: a minha mãe é uma refugiada iraquiana, em fuga do país onde nasceu devido a perseguição religiosa. O meu pai vem de uma família de classe média alta no Kansas, e quando criança foi viver para o estado de Washington.

Os meus pais conheceram-se num fireside - uma reunião informal onde um assunto espiritual é apresentado e debatido - em Concord, New Hampshire; o meu pai trabalhava na redacção do Bonton Globe e a minha mãe tinha acabado de chegar ao país. Se não se tivessem envolvido na Comunidade Bahá’í, não teriam namorado ou decidido casar-se, trazendo-me a mim e ao meu irmão ao mundo.

No início que a minha identidade era ambígua, quase indefinível. Mas desde o berço que a minha mãe me familiarizou com a sua língua, o árabe. Contou-me a história da sua perseguição como Baha’i no Iraque, que é uma narrativa infeliz de muitos baha’is no mundo islâmico. O pai e a mãe dela estiveram presos durante seis anos na década de 1970.

"Ahli chanow bel sijin min ani chinit jahala," recordava-me sempre a minha mãe. "Os meus pais estiveram presos quando eu era criança".

Quando as pessoas ouviam a minha mãe dizer que os seus pais estiveram na prisão, a questão era sempre a mesma: "Meu Deus, porquê?"

Imagino que o seu primeiro pensamento podia ser que os meus avós eram marginais ou criminosos. Mas a resposta da minha mãe chocava-os.

"Estiveram presos porque eram Baha’is", dizia. "Porque eram Baha’is".

Desde muito cedo que a minha mãe me transmitiu um sentido de orgulho Bahá'í. Ela adorava falar sobre a sua família e a sua contribuição para a narrativa Bahá'í. Uma das suas tias recebeu o título de "Cavaleiro de Bahá'u'lláh" pelo seu papel na fundação da Comunidade Baha’i de Chipre. Falava dos anos 1960 como um tempo heróico para os Bahá'ís do Iraque. O seu pai, apesar de estar a ficar cego, defendia destemidamente a Fé contra os agentes do governo iraquiano que tinham por hábito aparecer no Centro Nacional Baha’i em Bagdade e maltratar quem quer que encontrassem.

O meu avô era membro do conselho nacional dos Baha’is do Iraque, e por isso era uma das primeiras pessoas com quem eles queriam falar. Eles apontavam para as pilhas de escrituras baha’is nos arquivos nacionais e diziam: "Vamos levar estes livros".

A resposta do meu avô era: "Espere só um minuto e leia-os primeiro; depois diga-me se há algum mal em ter estes livros".

Os agentes acabaram por confiscar toda a biblioteca de livros baha’is, mas mesmo assim ficaram impressionados com a audácia do meu avô em defender a sua fé.

A abordagem da minha mãe ao educar-me como Baha’i era essencialmente emocional. As histórias que me contava e as orações que me ensinava foram uma parte importante do meu crescimento, desenvolvendo a emoção e uma profunda ligação com a narrativa da minha fé, que ainda é perseguida no Irão, a terra onde surgiu.

A abordagem do meu pai era diferente. A sua relação comigo sempre foi carinhosa, mas muito diferente da minha mãe. Ao contrário dela, ele não tinha sido educado como Baha’i. Apenas se tornou Bahá'í após anos de pesquisa espiritual durante a sua juventude. Encontrou a Fé no início da escola secundária, mas tinha dúvidas e questões que o fizeram ignorar a religião durante algum tempo.

Após anos de trabalho jornalístico a cobrir eventos políticos teve uma daquele momentos “Aha!” em que compreendeu que lhe tinha escapado algo importante na vida.

"Porque é que te tornaste Baha’i?" perguntava-lhe.

A sua resposta geralmente era algo do género: "Era a única coisa que fazia sentido para mim".

Sentido. Sempre pensei que isso era uma forma interessante de olhar a religião.

O meu pai deu uma nova luz ao significado de «pesquisar a verdade» ou «seguir um caminho espiritual em busca da paz». Ensinou-me a nunca tomar as coisas como garantidas ou a ficar demasiado confortável com a minha identidade Bahá'í herdada.

Na verdade, ele salientava e a minha mãe confirmava, que as crianças Bahá'ís são encorajadas nas nossas sagradas escrituras a "investigar a verdade de forma independente", e não apenas a declararem-se baha’is por tradição da história familiar. Por fim, acabei por aceitar a minha identidade religiosa devido aos meus esforços para explorar as suas verdades e à relevância para as minhas necessidades pessoais e necessidades do nosso tempo. Não foi apenas porque aquela era a forma com que eu tinha sido educado.

Não obstante, estas duas visões únicas, mas não mutuamente exclusivas sobre a fé - emocional e racional - moldaram-me enquanto jovem crente. Tenho as minhas raízes, mas questiono-me. Sou desprendido, mas sou determinado. Não considero as duas perspectivas como opostas, mas como complementares. O mesmo se passa com a minha exposição às culturas Oriental e Ocidental.

Tal como o casamento dos meus pais, sinto que estou a contribuir para a constante evolução da narrativa da Fé Bahá'í, que tem visto milhões de pessoas de origens tão diversificadas, e por vezes, irreconciliáveis, unirem-se para trabalhar pela unidade da humanidade.

"Tão poderosa é a luz da unidade", escreve Bahá'u'lláh "que pode iluminar a terra inteira".

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