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A detenção durante mais de um ano na prisão de Evin de sete dirigentes da comunidade Bahá'í iraniana foi largamente noticiada. O seu encarceramento continuado sem acusação nem acesso a aconselhamento legal, suscitou reacções de preocupação e protesto de todos os sectores – incluindo governos, activistas de direitos humanos, organizações não-governamentais, personalidades influentes, cidadãos comuns e incontáveis iranianos.
A detenção às primeiras horas da madrugada de toda a liderança da maior minoria não-muçulmana do Irão é suficientemente dramática para encher cabeçalhos. Mas o encarceramento dos sete foi apenas o mais recente desenvolvimento de uma campanha de 30 anos conduzida pelas autoridades iranianas para erradicar a Comunidade Baha’i. Um memorando secreto de 1991, ratificado pelo Líder Supremo do Irão, e divulgado pelas Nações Unidas em 1993, esboça um vasto plano para bloquear o desenvolvimento e progresso dos Baha’is, negando-lhes todas as oportunidades de ter uma influência na sociedade iraniana. Além disso, o memorando exigia sinistramente que “se deve elaborar um plano para confrontar e destruir as suas raízes culturais fora do país”.
Criar uma cultura de ódio
Um dos aspectos da actual campanha de perseguição contra os 300.000 Baha’is do Irão tem, porém, sido menos noticiado. Desde Setembro de 2005, o jornal estatal Kayahan tem publicado numerosos artigos denegrindo a comunidade e as suas crenças. A sua intenção: criar entre os leitores sentimentos de suspeição, desconfiança e ódio contra os Baha’is. Os artigos do Kayhan – juntamente com outras publicações que circulam largamente no Irão – distorcem e denigrem deliberadamente as práticas e crenças Baha’is, falsificam as vidas dos seus venerados fundadores e dirigentes, ressuscitam alegações contra os Baha’is baseadas em documentos que há muito se provaram ser falsos, e fabricam memórias de "antigos Baha’is" que agora "viram a luz" e regressaram ao Islão. Todos estes artigos apresentam as crenças Baha’is de forma a causar a maior ofensa possível aos Muçulmanos.
Este flagrante discurso de ódio não se limita à imprensa. Num caso recentemente reportado, uma estudante do ensino secundário que corrigiu a informação sobre a sua fé Baha’i numa aula de história, e cujos comentários o professor foi incapaz de contrariar, foi sujeita a uma apresentação por um clérigo que atribuiu aos Baha’is actos tão imorais que a estudante não foi capaz de contar à sua mãe o que foi dito. O clérigo concluiu dizendo que uma “senhora americana nua” tinha guiado os Baha’is.
Os media mundiais não hesitaram em cobrir a publicação das caricaturas do Profeta Maomé num jornal dinamarquês e as subsequentes cenas de violência em todo o mundo. No entanto, nada foi escrito sobre os 4000 exemplares de um livro ilustrado para crianças intitulado "O Falso Babak", apresentado como uma oferta às crianças das escolas iranianas. O livro é um relato calunioso, historicamente distorcido, e profundamente insultuoso, da vida de uma das figuras proféticas da fé Baha’i, conhecido como o Báb, retratando-o como um rapaz imbecil da aldeia cuja longa exposição ao sol do meio dia durante as orações o leva a reclamar ser um profeta, levando à sua morte.
A história demonstra os perigos desta propaganda, dirigida simultaneamente a adultos e crianças. Durante as anteriores campanhas governamentais de perseguição contra os Baha’is – como em 1955 e 1979 – a violência propagou-se inicialmente através de palavras, sermões e falsas declarações. "As palavras devem ser vistas como uma força com potencial para libertar uma energia poderosa, positiva ou negativa", escreveu o cientista político Professor Eliz Sanasarian. "Insultos e estereótipos, através da repetição, tornam-se aceites como verdade, com sistemas de conceitos, crenças e mitos plenamente elaborados."
Numa tal cultura, o ódio de toda uma população pode ser acicatado pela sistemática e implacável repetição de falsidades, que como consequência se tornam uma crença comum. Quando os cidadãos mobilizados tomam uma acção contra os seus vizinhos – sobre os quais lhes foi repetidamente dito que eram traidores, corruptos ou impuros – as autoridades absolvem-se da responsabilidade ao atribuir as culpas às acções da populaça.
Os efeitos desumanizadores do discurso
O Profeta fundador dos Bahá’ís, Bahá’u’lláh, estava, ele próprio, ciente dos efeitos do discurso. "Pois a língua é um fogo em brasas, e o excesso de palavras, um veneno mortal", escreveu ele. "O fogo material consome o corpo, enquanto o fogo da língua devora tanto o coração como a alma. A força do primeiro dura apenas pouco tempo, mas os efeitos do último persistem por um século". Certamente que as calúnias persistentemente dirigidas contra os Bahá’ís bombeadas sobre o povo iraniano durante mais de 150 anos coloriram as opiniões até dos liberais dos seus cidadãos que apenas recentemente começaram a falar em defesa dos seus compatriotas Bahá’ís.
Desumanizar uma parte da sociedade é um desenvolvimento profundamente perturbante em quaisquer circunstâncias. Na sua teoria de que o genocídio é um fenómeno que se desenvolve em sucessivas etapas, Gregory Stanton, Presidente da Genocide Watch, argumenta que na primeira fase assiste-se a uma categorização das pessoas baseada na raça, religião, nacionalidade ou etnicidade. Seguidamente são separados do resto da sociedade, e a sua diferença enfatizada, sendo forçados a ser identificados, quase como gado. Um exemplo disso foi a estrela amarela que os Judeus alemães tiveram de usar sob o domínio nazi. A terceira fase é a desumanização. A humanidade da vítima é negada, as suas características físicas são caricaturadas, o comportamento cultural é ridicularizado através de representações gráficas, discursos inflamados e da comunicação social. Os problemas sociais e económicos do país – e do mundo – são culpa sua.
Este padrão tem-se repetido ao longo da história. O "outro" é vilipendiado como um animal, um verme, uma peste, uma doença ou praticante de bruxaria. No Ruanda, os Tutsis eram descritos como baratas e cobras, acusados de comer órgãos vitais. Os Judeus na Alemanha eram, entre outras coisas, "cogumelos venenosos", porcos e aranhas.
"Os seres humanos que seguem outra coisa que não o Islão são como aqueles animais que vagueiam e lançam a corrupção", afirmou o Ayatollah Ahmad Jannati, o chefe do poderoso Conselho dos Guardiães. Os Bahá’ís no Irão têm sido rotulados como “perversos instrumentos de Satanás e seguidores do Diabo e das superpotências e seus agentes”. Foram acusados incontáveis vezes de espionagem. Mas quando é que na história humana houve alguma vez uma inteira comunidade de espiões num país, que contasse milhares de pessoas desde crianças a idosos?
Os Bahá’ís são rotulados como inimigos do Islão que "lutam contra Deus" e "espalham a corrupção na terra". No entanto, as escrituras Baha’is refém o Islão como "a abençoada e luminosa religião de Deus", e o Profeta Maomé como "a refulgente lâmpada dos Profetas", "Senhor da criação" e "Estrela d’Alva do mundo".
A sede internacional da Fé Baha’i está hoje localizada dentro das fronteiras do actual Estado de Israel. Mas como é que os Baha'is podem ser descritos como “Sionistas” quando Bahá'u'lláh foi exilado pelos governos Persa e Otomano para a cidade-fortaleza de 'Akka, em 1868, várias décadas antes do movimento sionista ter inicio, e oitenta anos antes da fundação do Estado de Israel?
Num programa orquestrado de perseguição, as autoridades iranianas tentaram persistentemente disfarçar o facto das suas acções serem motivadas apenas por ódio e preconceito religioso. Justificam as suas campanhas contra a comunidade Bahá’í afirmando que não se trata de uma religião mas de uma organização política. E quando não são rotulados de espiões ou agentes de várias agendas imperialistas ou colonialistas, os Bahá'ís enfrentam as constantes acusações de imoralidade, imodéstia e indecência. Nada podia estar mais longe da verdade.
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