domingo, 1 de dezembro de 2013

Impuros - A minoria Bahá’í proscrita no Irão

Artigo de  Anthony Vance, porta-voz da Comunidade Bahá'í dos EUA, publicado no Huffington Post. Os links e os sombreados são da minha responsabilidade.
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Qualquer pessoa que tenha visto o filme "A Lista de Schindler" lembra-se da cena em que o protagonista do filme é temporariamente detido por beijar uma prisioneira judia de um campo de trabalho num momento raro de celebração. Esta era uma violação das leis raciais do regime nazi, que se baseavam em teorias que afirmavam que o "sangue" (ou genes) judaico era prejudicial para a sociedade e que, em alguns casos, os judeus eram mesmo portadores de uma contaminação perigosa.

Essas teorias perniciosas são, naturalmente, rejeitadas por sólidos dados científicos e hoje, geralmente, consideradas como resultado particularmente extremo de séculos de anti-semitismo na Europa. Embora os conceitos nazis se focassem concentrassem numa raça ou etnia e se destacassem pelos seus resultados brutais, há semelhanças surpreendentes com conceitos utilizados hoje no Irão que visam atingir as crenças do indivíduo.

Recentemente, um conhecido jornalista iraniano e antigo acérrimo defensor do regime, Mohammad Nourizad, visitou a casa de uma família Bahá’í no Irão para expressar o seu arrependimento pela situação da família. Durante a visita, ele aceitou uma chávena de chá de uma criança Bahá’í de 4 anos de idade e deixou-se fotografar beijando os pés da criança.

Os pais da criança - Kamran Rahimian e a sua esposa Faran Hessami - estão presos por terem trabalhado como instrutores de psicologia no BIHE (Instituto Bahá'í de Educação Superior). O BIHE foi criado pela comunidade Bahá’í, a maior minoria religiosa não-muçulmana do país, em 1987, como resposta à política do regime iraniano de excluir jovens Bahá'ís de ensino superior. As palavras de Nourizad, juntamente com a foto dele a beijar os pés da criança, provocaram muitas discussões no Irão, à medida que a fotografia e a história se espalharam pelas redes sociais. A comunicação social ocidental pegou na história e viu nela um acto de contrição por parte de Nourizad.

No entanto, é importante compreender que, no contexto da cultura iraniana, foi muito mais do que isso.

Lembro-me de histórias da década de 1980 em que os prisioneiros Bahá'ís no Irão eram levados de olhos vendados entre as suas celas e salas de interrogatório. Por vezes, os guardas para evitar tocar nos Baha'is, seguravam na ponta de um lápis e diziam ao prisioneiro para segurar na outra extremidade, de modo a conseguir guiar o prisioneiro sem ter de lhe tocar.

Num artigo publicado este ano, uma conhecida advogada iraniana, Mehrangiz Kar, recordou uma situação em que representava um cliente Baha'i que lhe tinha fornecido documentos. Kar estava satisfeita por ver que o julgamento era presidido por um juiz jovem, com educação formal em direito, com bom aspecto; assumiu que seria provável que ele tivesse menos preconceitos contra os Bahá'ís.

Quando o juiz estendeu a mão para receber os documentos, parou de repente e perguntou se os papéis tinham vindo do cliente Baha'i; depois retirou a mão, pegou um lenço de papel, e só então recebeu os documentos, certificando-se que a sua pele não tocava neles.

O conceito de purificação ritual encontra-se enraizado em várias tradições religiosas, incluindo do Islão e do Judaísmo. Hoje, ainda é aceite por muitos muçulmanos iranianos. O Governo Iraniano tomou medidas legais para se certificar que esta se aplica às profissões que os Bahá’ís podem exercer. Numa carta datada de 9 de Abril de 2007, o Gabinete de Supervisão de Locais Públicos da Força de Informação e Segurança Pública da província de Teerão enviou para os comandantes regionais da polícia e para os chefes das forças de informação e segurança, instruções para impedir os Bahá’ís de exercer um vasto leque de profissões, incluindo "negócios de elevado rendimento". A mesma carta também proibia os Bahá’ís de exercer em 25 "categorias de actividades sensíveis" e negócios, que incluem a indústria do turismo, a venda de computadores, publicações e uma vasta gama de negócios alimentares. Em relação a este último, a carta estabelece o seguinte: "De acordo com os cânones religiosos, não serão emitidas autorizações de trabalho para os seguidores da perversa seita Bahaista em categorias de negócios relacionados ao Taharat [limpeza] (1. Restauração em salas de recepção; 2. Buffets e restaurantes; 3. Mercearias; 4. Lojas de kebab; 5. Cafés; 6. Lojas de alimentos e supermercados; 7. Gelatarias, lojas de sumos de frutas e refrigerantes; 8. Confeitarias; 9. Esplanadas)"

Assim, ao visitar uma residência Bahá’í, ao beber chá em chávenas usadas pelos seus anfitriões, e ao beijar os pés da criança "impura", Nourizad estava a fazer muito mais do que expressar arrependimento. Ele estava a desafiar os fundamentos teológicos nas mentes de muitos iranianos, especialmente os seus clérigos, de que a perseguição e marginalização dos Bahá’ís na sociedade são justificáveis.

Para muitos, a simples menção da palavra Bahá’í tem sido um tabu. Um documentário realizado em 2011 - Tabu Iraniano" - por um iraniano cineasta muçulmano, Reza Allamehzadeh, abordou abertamente este tabu e as suas raízes históricas.

Não é por acaso que, nas várias entrevistas à comunicação social, o ex-presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, raramente, ou nunca, mencionou a palavra " Bahá'í ", em resposta a perguntas sobre a perseguição da comunidade Bahá’í. Em vez disso, ele usou expressões como "esse grupo" quando os referiu. Mais recentemente, em 29 de Julho, o líder supremo, o Ayatollah Ali Khamenei, reemitiu uma fatwa proibindo a socialização com a "seita perversa e enganadora", terminologia utilizado para se referir aos Bahá'ís.

Durante os últimos dez anos, porém, uma série de factores começaram a corroer este preconceito: a crescente consciência, muito facilitada pela Internet, sobre a natureza pacífica da comunidade Bahá’í; a grande circulação de uma carta aberta de 2009, dirigida à comunidade Bahá’í e assinada por mais de 250 conhecidos intelectuais e artistas iranianos, principalmente na diáspora, expressando "vergonha" pela forma como Irão tem tratado a sua minoria Bahá’í; a impopularidade do regime e da falta de credibilidade, que tem minado a sua propaganda anti-Bahá’í; o desejo da Prémio Nobel Shirin Ebadi em ser advogada do grupo de sete dirigentes Bahá’ís detidos, e a declaração do outrora sucessor oficial do Ayatollah Khomeini - o falecido Ayatollah Hussein Ali Montazeri - que em 2008 declarou que aos Bahá'ís devem ser concedidos "direitos de cidadania".

Agora, num momento em que a perseguição fomentada pelo Estado contra os Bahá’ís tem vindo a aumentar, Nourizad tocou corajosamente no cerne da questão e desafiou o preconceito profundamente enraizado de que os Bahá’ís, só por acreditar numa religião que surgiu após o Islão, são tão degenerados ao ponto de ser "impuros". Esperemos que o futuro demonstre que Nourizad desempenhou um papel relevante no desmantelamento de uma construção tão distorcida e destrutiva da realidade.

Entretanto, no meio deste ambiente, o Ocidente não pode permitir que a recente "ofensiva de charme" do governo iraniano se transforme em complacência sobre os direitos humanos. Vale a pena ressaltar que não havia Bahá'ís entre os 11 prisioneiros de consciência libertados em Setembro, imediatamente antes da visita do Presidente Rouhani à ONU. O governo iraniano também não revelou qualquer progresso na resolução do assassinato, em 24 de Agosto, de Ataollah Rezvani, um conhecido Bahá’í na cidade de Bandar Abbas, que tinha sido alvo de repetidas ameaças, tanto de funcionários do Ministério da Informação, como de telefonemas anónimos. A ausência de uma investigação séria consolida ainda mais a visão de muitos clérigos que o sangue Bahá’í é "mobah", o que significa que pode ser derramado impunemente, um estatuto que outras minorias religiosas iranianas reconhecidas pela Constituição Iraniana - cristãos, judeus e zoroastrianos - apesar dos seus sérios problemas com perseguições, não partilham com os Bahá’ís.

No dia 14 de Outubro, rusgas em 14 residências Bahá’ís na cidade de Abadeh foram seguidas por interrogatórios por funcionários do governo durante o qual os ocupantes das residências foram instados a deixar a cidade ou enfrentar eventuais esfaqueamentos; supostamente, os funcionários afirmaram que os habitantes da cidade estavam furiosos e prontos a atacá-los. Estas acções desmentem as declarações de tolerância do presidente Rouhani e outros altos funcionários e não augura nada de bom para o futuro imediato da comunidade Bahá’í. Cerca de 115 Bahá’ís permanecem nas prisões do Irão - o número mais alto em duas décadas - e, pelo menos, outros 430 com processo judiciais em curso, correm risco de ser presos.

Nos próximos meses, os responsáveis políticos fariam bem em considerar que a sinceridade das intenções do Irão para melhorar a sua imagem de direitos humanos e para se projectar como um actor responsável na comunidade internacional poderia mais exacta se fosse avaliada pelas suas acções em relação aos Bahá’ís. A libertação dos 115 prisioneiros Bahá’ís seria um início sério. No entanto, em última instância, os Bahá’ís nunca estarão livres de perigo e os seus direitos como cidadãos nunca estarão firmemente seguros enquanto a elite clerical do Irão não seguir o exemplo da Nourizad e repudiar publicamente os conceitos teológicos que os designa como "impuros" e o seu sangue como "mobah". Isso é o mínimo exigido pela aplicação de normas universais civilizadas, consagradas nos tratados internacionais de direitos humanos - dos quais o Irão é signatário - incluindo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

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FONTE: 'Unclean' -- Iran's Outcast Baha'i Minority (Huffington Post)

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