sábado, 8 de fevereiro de 2014

Uma posição Bahá’í no debate Criação/Evolução

O texto que se segue é uma tradução de um artigo de Stephen Friberg (físico experimental e membro da comunidade Bahá'í) a propósito de um debate sobre Criacionismo/Evolucionismo, num canal de TV dos Estados Unidos. Trata-se de uma das mais interessantes explicações sobre a posição Bahá'í em relação a este tema.

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Stephen Friberg
O conflito sobre a evolução e as origens da humanidade, veio mais uma vez à tona com o debate entre Bill Nye - o Homem da Ciência - e Ken Ham - o jovem criacionista. Os bilhetes para o debate esgotaram-se em minutos, criando-lhe uma expectativa semelhante à final do Super Bowl ou uma digressão dos Rolling Stones. Claramente, as pessoas estão interessadas.

E é claro que há oposição. Dan Arel, escrevendo pela Fundação Richard Dawkins, protestou afirmando que "os cientistas não devem debater com criacionistas". O conhecido astrofísico e apresentador de televisão Neil de Grasse Tyson disse numa entrevista a Bill Moyers que é improvável a reconciliação entre a fé e a razão.

Mas nem toda a gente se opõe a esses debates ou é pessimista sobre o futuro da relação entre esses dois aspectos influentes de nossa vida organizada. Muitos, incluindo membros da Fé Bahá'í, desejam um futuro em que a ciência e a religião - a fé e a razão – se reconciliem e não se oponham.

A Fé Bahá'í sustenta a unidade da ciência e da religião como um ensinamento central e enfatiza que a religião deve estar de acordo com a ciência. 'Abdu'l-Bahá (1844-1921), filho e intérprete nomeado dos ensinamentos de Bahá'u'lláh (1817-1892), falou e escreveu repetidamente sobre o tema nas suas visitas às capitais europeias em várias cidades de toda a América do Norte.

Por exemplo, 'Abdu'l-Bahá disse a uma audiência em Filadélfia, em 1912, que:
Deus dotou o homem de inteligência e razão, com as quais lhe é exigido que determine a veracidade de questões e proposições. Se as crenças e opiniões religiosas se encontram em contradição com os padrões da ciência, então são meras superstições e imaginações, pois a antítese do conhecimento é a ignorância, e a filha da ignorância é a superstição.
Então, o que diz a Fé Bahá'í dizer sobre a evolução e a criação?

De acordo com os ensinamentos Bahá’ís, Deus é "o Autor, o Criador". A natureza e todas as coisas criadas são a personificação da vontade de Deus:
A natureza na sua essência é a personificação do Meu Nome, o Autor, o Criador... A natureza é a Vontade de Deus e a Sua expressão no, e pelo, mundo contingente... Está dotada de um poder cuja realidade os homens de sabedoria não conseguem entender. De facto, um homem de visão nada pode perceber nela salvo o esplendor refulgente do Nosso Nome, o Criador. (Bahá'u'lláh, Epístola da Sabedoria)
A natureza, segundo os ensinamentos Bahá’ís, "está inteiramente sujeita ao domínio e controle das leis naturais" e estas leis naturais proporcionam "uma ordem completa e um modelo perfeito, do qual [a natureza] nunca sairá." Todas as coisas criadas "foram criadas perfeitas e completas desde o início." Esta perfeição não se manifesta imediatamente; apenas vai aparecendo gradualmente. (NOTA: Na citação seguinte, os termos " homem" e "humano" são usados alternadamente sem um sentido específico de género)
Da mesma forma, o globo terrestre desde o início foi criado com todos os seus elementos, substâncias, minerais, átomos e organismos; mas estes só surgiram gradualmente: primeiro o mineral, depois o vegetal, seguidamente o animal e, finalmente, o homem. Mas desde o início estas classes e espécies existiam, mas não estavam desenvolvidas no globo terrestre, e depois, apenas apareceram gradualmente. Pois a organização suprema de Deus e o sistema natural universal abrangem todos os seres, e todos estão sujeitos a esta regra. Quando reflectires sobre este sistema universal, verás que nenhum dos seres no momento em que vem à existência atinge o limite da perfeição. Não; eles crescem e desenvolvem-se gradualmente, e, em seguida, atingem o grau de perfeição. ('Abdu'l-Bahá, Respostas a Algumas Perguntas, cap. 51)
Os ensinamentos Bahá’ís comparam este processo de desenvolvimento com a evolução de um embrião para um adulto e com a transformação de uma semente numa árvore madura. Os seres humanos não apareceram de forma instantânea, mas desenvolveram-se gradualmente, por etapas:
No mundo da existência, o homem percorreu sucessivas etapas até ter alcançado o reino humano. Em cada etapa da sua progressão, ele desenvolveu a capacidade para avançar para a próxima etapa e condição. Enquanto no reino do mineral ele estava a ganhar capacidade para passar para a etapa do vegetal. No reino do vegetal foi submetido à preparação para o mundo animal e, a partir daí, ele seguiu para a etapa, ou reino, humano. Ao longo desta viagem de progressão ele sempre foi, potencialmente, homem. ('Abdu'l-Bahá, Promulgation of Universal Peace, p. 225)
Segundo as escrituras Bahá’ís, o homem é muito mais do que um animal. Possui uma realidade tripla:
O homem está dotado de uma realidade exterior ou física. Ele pertence ao domínio material, o reino animal, porque surgiu a partir do mundo material. Esta realidade animalesca do homem é partilhada em comum com os animais. O corpo humano está, tal como os animais sujeito às leis da natureza. Mas o homem está dotado de uma segunda realidade, a realidade racional ou intelectual; e a realidade intelectual do homem predomina sobre a natureza... No entanto, há uma terceira realidade, no homem, a realidade espiritual. ('Abdu'l-Bahá, Foundations of World Unity, 51)
Em resumo, as escrituras Bahá’ís descrevem a evolução como tendo prosseguido etapa a etapa, desde o mundo da matéria inanimada até ao mundo da humanidade. Neste processo, não há nenhum desvio em relação às ciências da evolução (para uma descrição mais detalhada, ver C. Mehanian and S. Friberg, Religion and Evolution Reconciled, The Journal of Baha'i Studies 2003 13 (1-4): 55-93).

Simultaneamente, as escrituras Bahá’ís descrevem a humanidade como criação de Deus, declarando que os seres humanos sempre existiram potencialmente, e caracterizam a realidade humana como distinta e diferente da realidade animal.

Aqui existe, de facto, um afastamento em relação a alguns pontos de vista conhecidos, mas não é um desvio em relação a factos e detalhes da ciência da evolução. Em vez disso, o afastamento é em relação a algumas perspectivas e interpretações - aquilo que são por vezes designadas narrativas da evolução - que se desenvolveram em torno das ciências da evolução.

E esta perspectiva Bahá’í não é profundamente diferente daquela "criação evolutiva", conforme é sustentada por organizações cristãs como a BioLogos (fundada pelo Dr. Francis Collins, director do National Institute of Health, indiscutivelmente o principal biólogo a nível mundial), por académicos do Catolicismo, e mesmo, por um amplo leque de religiosos instruídos, em todo o mundo.

Então, porque há tanto espalhafato, gritaria e choques em relação a questões científicas como a evolução que são facilmente compatíveis com a crença religiosa - e têm sido amplamente entendidas como tal ao longo de séculos (na verdade, milénios)? Parte da razão deve estar, certamente, no conflito sobre a ciência da evolução que vai ocupar Bill Nye e Ken Ham no seu debate de 04 de Fevereiro. A impressão que esse conflito cria - a triste resistência à ciência bem fundamentada que o criacionismo inculca - fortalece, certamente, a tendência entre as mentes científicas para ver a religião como uma espécie de pré-ciência primitiva que apresenta respostas erradas.

Sem dúvida, há muito mais do que isso. Muito do criacionismo é claramente uma resposta às denúncias da religião em nome da ciência, assim como uma reacção contra os movimentos populistas, como Darwinismo Social, que proclamavam as suas supostas verdades como factos derivados das ciências da evolução. E o conflito é uma boa reposição dramática, maravilhosa para motivar as tropas ou as congregações (ou os dadores) e para coleccionar títulos de jornais e comentários.

Mas, no fundo, é um conflito que apenas deve ser resolvido pacificamente. Homens e mulheres de boa vontade devem trabalhar juntos para colocar o assunto no merecido lugar - juntamente com outras batalhas ideológicas do século XIX que estão mortas ou moribundas. É apenas diversão ou um espectáculo secundário na nossa missão principal, que é trabalhar em conjunto para os tão necessários e longamente desejados objectivos de paz e prosperidade para todos os países e povos do mundo, independentemente das suas crenças – ou ausência destas.

Esperemos e oremos para que Bill Nye (o Homem da Ciência) e Ken Ham (o Homem Criacionista) percebem isto no seu debate.

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Texto original em inglês: A Baha'i Take on the Creation/Evolution Debate (Huffington Post)

O debate:


Sobre este assunto:
* Bill Nye v. Ken Ham: Why the Creationism Debate Is Just Another Fish War, Won't Change Minds (Christian Post)
* Bill Nye v Ken Ham: should scientists bother to debate creationism? (The Guardian)
* Bill Nye the 'Science Guy' debates Ken Ham about creation, evolution, February 4 (The Examiner)
* Bill Nye vs. Ken Ham: Should scientists bother debating creationists? (Christian Science Monitor)
* Pat Robertson Disagrees With Creationist Ken Ham, Says 'Let's Not Make A Joke Of Ourselves' (Huffington Post)

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