Há muito exemplos históricos de sociedades que se esforçam por manter os seus preconceitos mais profundos.
Morris Fraser, um psicólogo infantil que trabalhou em Belfast com crianças traumatizadas pelo conflito na Irlanda do Norte, descreveu uma situação em que as crianças de cada lado viam as pessoas do outro lado como criaturas monstruosas:
... os equívocos e os preconceitos das crianças, como seria de esperar, reflectem os dos mais velhos - a sua única fonte de informação na ausência de experiência. Para a criança Protestante, o católico é um preguiçoso, desonesto, sujo, um criador de grandes famílias, gerador de pobreza comunitária... Na atitude da criança católica há um medo mais consciente. Para ela, o protestante é a pessoa que quer queimá-la, matá-la, privá-lo do seu lar e dos seus pais (Children in Conflict, p. 139)Esta percepção preconceituosa e exagerada tornou-se uma parte significativa do trauma infantil.
Na Irlanda do Norte, uma criança tenta falar com um militar britânico |
Quando crianças irlandesas do doutor Fraser conheceram e falaram pela primeira vez com pessoas católicas (ou pessoas protestantes, conforme o caso) o seu terror e ódio desapareceram. No fundo, eram apenas pessoas; não eram as criaturas repugnantes e más que tinham imaginado. No seu livro, Fraser afirma que as crianças da Irlanda (e sociedade irlandesa como um todo) beneficiariam muito com uma educação integrada. Quando o livro foi escrito, todas as crianças católicas frequentavam a escolas católicas e todas as crianças protestantes frequentavam escolas públicas. Fraser salientou que todos os esforços para mudar esta situação enfrentaram uma resistência vigorosa, tanto do Estado como da Igreja. E acrescenta:
Os líderes da Igreja em Ulster não gostam da palavra "segregação"; preferem dizer que o sistema é simplesmente de "educação separada." Dizem-nos que as crianças podem brincar nas ruas depois da escola, pois não existe qualquer proibição sobre isso. "Lamentável absurdo", escreveu um professor no Irish News. "Lamentável, porque soa como a justificação agradável para qualquer leitor que não conhece o Ulster. Absurdo, porque, num sistema de gueto, isso é uma impossibilidade física." - Ibid., P. 168.Cada grupo quis manter o que entendia ser o seu território, a sua área de poder e de controlo. Era contra os seus próprios interesse deixar que as crianças se misturassem, vissem as coisas com os seus próprios olhos e aprendessem por si próprias.
Preconceitos, deliberadamente atiçados por quem está no poder, criam uma atmosfera que produz atrocidades. No período que antecedeu os 1994 massacres de Tutsis e Hutus moderados em Ruanda, "foram distribuídos cartazes e folhetos que desumanizadas Tutsis como «cobras», «baratas» e «animais»" (Leia uma crónica dos acontecimentos que ocorreram no Ruanda, em 1994). Esta desumanização deliberada permitiu o genocídio que ocorreu depois.
Os Bahá'ís compreendem esse tipo de preconceito, porque eles próprios, por vezes, sofrem com essa eliminação deliberada da sua humanidade. Desde a revolução no Irão, por exemplo, os trabalhadores de recenseamento muitas vezes informam que aldeias predominantemente ou exclusivamente Baha'is não têm população. E quando lhes pedem para explicar a discrepância, respondem friamente: "eles não são humanos seres" ou "eles são apenas Bahá'ís" (Peter Smith, In Iran: Studies in Babi and Baha’i History, p. 218).
'Abdu'l-Bahá sugere:
Não se enalteçam acima dos outros, mas considerem todos como vossos iguais, reconhecendo-os como servos do Deus uno. Saibam que Deus é compassivo para com todos; portanto, amem a todos das profundezas dos vossos corações, dêem preferência aos seguidores de todas as religiões antes de vós próprios, tenham pleno amor por todas as raças e sejam amáveis com pessoas de todas as nacionalidades. Nunca falem de modo depreciativo sobre os outros, mas elogiem sem distinção. Não manchem as vossas línguas a falar mal dos outros. (The Promulgation of Universal Peace, p. 452)Nestes tempos, temos muitas oportunidades para observar os resultados da educação das crianças numa atmosfera de preconceito, e da sua alimentação com imagens manipuladas e fantasiosas sobre "o mal dos outros." Quando as crianças não podem investigar a verdade por si próprias, elas aprendem a ver o outro lado como o bicho-papão, pois eles são facilmente doutrinadas. Muitos tornaram-se crianças-soldados, tragicamente incapazes de ver os seus inimigos como seres humanos. Um jovem que fugiu à vida de criança-soldado no Sudão recorda: "O meu desejo era matar o maior número possível de muçulmanos e árabes, e o segundo era que eu queria uma bicicleta" (leia esse relato a partir de uma ex-criança-soldado no Sudão).
Estas atitudes desenvolvem-se numa atmosfera de desconfiança e ódio entre adultos. As crianças da comunidade absorvem as atitudes dos adultos. Isso não surpreende, nem assusta, os adultos envolvidos, até que eles percebam que a criança reflecte algo bizarro, distorcendo e exagerando tudo o que vê, por vezes transformando uma simples aversão e desprezo num desejo selvagem de aniquilação, tal como acontece em muitas comunidades divididas. Em todo o mundo, os filhos de adultos preconceituosos e intolerantes entram na sua própria vida adulta cheios de necessidade de justificar as suas próprias acções repletas de ódio, culpando ainda mais as suas vítimas. E depois, a sociedade que semeou ventos começa a colher tempestades.
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Texto original: Teaching Children to Hate (www.bahaiteachings.org)
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Shiring Sabri é professora de história e Literatura na Townshend International School na Republica Checa. Tem vários ensaios e poemas publicados, nomeadamente The Incomparable Friend: The Life of Bahá’u’lláh Told in Stories (2006), The Pinckelhoffer Mice (1992) e The Purpose of Poetry (the Journal of Bahá’í Studies Vol.1, no.1).
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