sábado, 18 de junho de 2016

Após Orlando: defender os direitos humanos das pessoas LGBT

Por David Langness.

Bahá'u'lláh ensinou que um padrão comum de direitos humanos deve ser reconhecido e adoptado. Aos olhos de Deus todos os homens são iguais; não há distinção ou preferência por qualquer alma no domínio da Sua justiça e equidade. (‘Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 181)
Ontem à noite estive num comício e numa vigília com velas na minha pequena cidade no norte da Califórnia para lembrar as vítimas LGBT do massacre Orlando.

Eu fui para lamentar as jovens vidas tão tragicamente perdidas e os graves ferimentos sofridos; para digerir a minha própria mágoa com o horrível abuso da religião, que tipicamente os terroristas fazem para justificar os seus actos irreligiosos; e para sair em defesa de uma comunidade minoritária que sofreu severa perseguição e privação dos seus direitos humanos durante séculos. Fui porque o FBI diz que as pessoas LGBT são o grupo mais frequentemente atingido por crimes de ódio nos Estados Unidos. Fui porque acredito na unidade da humanidade.

Também fui porque a Casa Universal de Justiça, o corpo dirigente global (e democraticamente eleito) da Fé Bahá'í, afirmou o seguinte numa declaração em 2010:
Os Bahá’ís são intimados a eliminar das suas vidas todas as formas de preconceito e a manifestar o respeito para com todos. Portanto, considerar com preconceito ou desdém aqueles com uma orientação homossexual seria contra o espírito da Fé. Além disso, um Bahá’í é incitado a ser "um protector e defensor da vítima da opressão", e seria totalmente apropriado para um crente sair em defesa daqueles cujos direitos fundamentais são negados ou violados.
Enquanto estava ali na vigília com tanta gente, as bandeiras do arco-íris agitavam-se com a brisa, sentia o cheiro das velas acesas, e ouvia um estudante gay a recitar os nomes dos mortos, a minha mente, de repente, levou-me de volta para a Escola Lakeview Elementary, na cidade em que cresci: Moses Lake, Washington.

Na década de 1950, aquela pequena comunidade agrícola nos planaltos centrais do Estado de Washington mostravam todos os tipos de preconceitos comuns da época. Viviam lá duas famílias afro-americanas e a cidade mal os tolerava. Tínhamos uma família latino-americana em Moses Lake e a maioria das pessoas pensava neles como os "mexicanos nojentos". Todo mundo conhecia o agricultor japonês como "o Japa". As mulheres ficavam em casa e cozinhavam, a menos que fossem enfermeiras ou professoras (não havia outra profissão aceitável para as mulheres). Os homens eram homens - machistas, violentos e grosseiros - e qualquer afastamento do papel masculino padrão era visto como depravação ou pior. Os adultos em Moses Lake, com poucas excepções, tinha todos os fanatismos e ódios americanos comuns, e seus filhos normalmente herdavam-nos.

Irónico, não é? Moses Lake (Lago Moisés), uma cidade com o nome de um profeta de Deus, cheia de intolerância e ódio.

Durante a vigília, lembrei-me claramente de um rapaz na minha turma do 5º ano chamado Stanley, apesar de nunca ter pensado nele durante décadas. O Stanley era diferente. Ele tinha uma maneira efeminada e uma figura magra e própria de menina. Ele falava com uma pronúncia estranha. Mexia-se de uma forma delicada e não gostava de praticar desportos ou das brigas no pátio como os outros rapazes. Só fazia amizades com meninas. Os rapazes mais velhos chamavam-lhe "maricas", e eu, na minha inocência de 5º ano, não fazia ideia do que significava essa palavra depreciativa.

Um dia, depois da escola, um grande grupo de rapazes decidiu "apanhar aquele maricas" do Stanley e "dar-lhe uma lição". Estando ali e vendo o grupo a formar-se, tive um enorme desejo de fazer parte dele. Não queria magoar ninguém; só queria, como a maioria das crianças da minha idade, ser aceite, normal e convencional, ser um membro do grupo. Assim, apesar do meu próprio horror interior, corri atrás do Stanley com aquele grupo de rapazes que gritava e vociferava. Tal como uma cena do romance O Deus das Moscas de William Golding, a nossa multidão de cerca de vinte rapazes perseguiu o Stanley e tentou apanhá-lo. Corremos atrás dele, como uma alcateia de pequenos animais ferozes, tentando eliminar do rebanho um não-conformista. Tremo de vergonha, agora que escrevo isto, mas na altura dizia para mim próprio que apenas me estava a divertir, a perseguir alguém diferente para o fazer cumprir as mesmas regras a que todos obedecíamos.

Felizmente para o Stanley, ele foi rápido; correu mais do que nós. A meio da perseguição, porém, eu parei de correr. Não consegui evitar; senti-me profundamente degradado por dentro quando vi Stanley olhar para trás com pânico nos olhos. De alguma forma, percebi, naquele momento e naquele lugar, que nunca queria causar novamente esse tipo de medo e terror a outra pessoa. Não queria voltar a ser parte daquele grupo. Não queria odiar. Percebi, quando pensei nisto, que aquele momento representou um ponto de viragem na minha vida de jovem. No dia seguinte, na escola, encontrei o Stanley e disse-lhe que estava arrependido.

Na vigília pelas vítimas Orlando, fiquei a meditar sobre aquele incidente. Perguntei-me porque é que as pessoas fazem coisas como aquela em que vergonhosamente participei, para tentar levar alguém ou alguma coisa para um caminho diferente. Porque é que rejeitamos, demonizamos, repudiamos e destruímos aqueles que não se assemelham, agem ou crêem como nós? Porque é que os nossos preconceitos - a maioria herdados das nossas famílias e das nossas culturas - determinam as nossas acções tão previsivelmente?

Quando penso no massacre de Orlando e no ódio terrível que este representa, parece-me que a nossa tarefa mais difícil consiste em libertar-nos daqueles velhos preconceitos profundamente enraizados. Mas isso é exactamente isso que os ensinamentos Bahá'ís nos apelam a fazer:
Por esta razão, todos os seres humanos devem apoiar-se fortemente uns aos outros e procurar a vida eterna; e por esta razão os amantes de Deus neste mundo contingente devem tornar-se as misericórdias e as bênçãos enviadas por aquele Rei clemente dos reinos visíveis e invisíveis. Que purifiquem a sua visão e vejam toda a humanidade como folhas, flores e frutos da árvore da existência. Que em todos os momentos se preocupem em fazer algo bondoso para um dos seus semelhantes, oferecendo a alguém o amor, a consideração, e a ajuda atenciosa. Que não vejam ninguém como inimigo, ou que lhes deseje mal, mas que pensem em toda a humanidade como seus amigos; que vejam o estrangeiro como um próximo, o estranho como um companheiro, libertando-se de preconceitos e não construindo barreiras. (‘Abdu'l-Bahá, Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, pp. 1-2)

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Texto original: After Orlando: Defending the Human Rights of LGBT People (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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