Por Maya Bohnhoff.
A religião e a ciência são duas asas
com as quais a inteligência do homem pode subir às alturas, com as quais a alma
humana pode progredir. Não é possível voar apenas com uma asa! Se um homem
tentar voar apenas com a asa da religião cairá rapidamente no atoleiro da
superstição, enquanto se tentar apenas com a asa da ciência não conseguirá
qualquer progresso, mas cairá no lamaçal desesperante do materialismo. (‘Abdu’l-Bahá,
excerto de uma palestra na Rue Camoens, Paris, 12-Novembro-1911)
A Revolução Científica libertou a
ciência da religião. A nova ciência libertou o espírito da matéria. A razão e a
experiência substituíram a revelação como fonte de conhecimento no mundo. Após
a Revolução Científica tornou-se inevitável que Deus acabasse por ser
totalmente afastado da natureza e que a ciência negasse a existência de Deus. (Margaret
J. Osler, Professora de História e Professora Adjunta de Filosofia na
Universidade de Calgary e autora do livro Reconfiguring the World: Nature, God,and Human Understanding in Early Modern Europe)
No seu
ensaio no livro Galileo goes to Jail,
a professora Osler prossegue o raciocínio anterior com estas palavras:
“Estas
afirmações não fundamentadas fizeram o seu percurso na história popular da
ciência e são frequentemente repetidas”. Osler apresenta uma lista de pessoas
das facções religiosa e secular do debate que “repetem este mantra reforçando a
crença de que o séc. XVII testemunhou o divórcio entre ciência e religião”.
Acho
interessante que ela use a ideia de divórcio – como se a ciência e a religião
fossem um casal numa crise de meia-idade que trocam a sua vida a dois por
fantasias de juventude e carros desportivos. Olhando para o álbum dos anos em
que ciência e religião estiveram juntas, é claro que a palavra não foi
escolhida por acaso.
Até ao
século XIX, a ciência ainda não era ciência; era “filosofia natural” ou
“história natural”. Nem existiam cientistas, conhecidos como tal. Os homens e
mulheres que se dedicavam à ciência eram, muito frequentemente, pessoas de fé,
e muitas vezes, membros do clero. Como referi anteriormente, a filosofia
natural era parte integrante dos currículos de todas as universidades
medievais, e tinha poucas referências à doutrina da Igreja. A teologia era
ensinada como uma área de estudos distinta, numa faculdade especializada.
A filosofia
natural focava-se em temas como a origem do universo ou a Primeira Causa, as
leis que regiam a criação e a sua concepção, a natureza da alma e do corpo
humano. Nesses tempos, a ciência incipiente estava próximo do significado do
seu nome scientia – isto é, o
conhecimento real da essência das coisas. Aos olhos de alguns, isto impediu a
“filosofia natural” de se tornar uma verdadeira ciência (scientia) porque as observações dos seres humanos eram imperfeitas,
e consequentemente incapazes do nível de rigor necessário para conhecer a
essência de qualquer coisa.
Johannes Kepler |
Quando li
sobre a história da filosofia mecânica, que tenta explicar todos os fenómenos
naturais em termos mecanicistas, assumi que os seus promotores pretendiam
eliminar Deus do processo. Mas fiquei surpreendida ao descobrir que eles eram
profundamente religiosos. Entre eles incluíam-se luminárias como Gassendi,
Descartes e Boyle. Até mesmo Johannes Kepler, com a sua certeza que Deus tinha
criado um universo que exibia ordem e harmonia mecânica, podia ser contado
entre os proponentes da filosofia mecânica.
A analogia
que me vem à ideia quando penso na alegada dicotomia entre filosofia mecânica e
filosofia espiritual é a escrita. Quando penso no que é necessário para
escrever um romance desde o primeiro brilho nos olhos até ao último parágrafo,
vejo dois grandes processos em funcionamento: místico e mecânico. O místico
inclui a geração da ideia para a história – o nascimento e génese das
personagens, os momentos de inspiração e voo da imaginação, a paixão que liga
eventos, personagens e linhas do enredo e traduzi-lo por palavras. Por outro
lado, a actividade mecânica de passar estas palavras e ideias para uma forma
física – escrever, tal como escrevi este texto – exige que que elas sejam
elaboradas de forma a serem experimentadas por outras pessoas.
Estes dois
processos dependem mutuamente um do outro. As ideias ficam no campo dos sonhos
se não as colocamos no papel; se isso acontecer, nunca se tornarão uma
história. Por outro lado, sem essas ideias, essas interligações, essas personagens,
o meu amor por elas e a minha paixão pela história, não haverá nada para o
processo mecânico registar, e também não haverá história. Parafraseando a
professora Osler: até numa criação mecânica há espaço (ou necessidade) de um
propósito e de um desenho.
O romance
existe porque eu pego no produto do meu processo intelectual/espiritual e
aplico-lhe o processo mecânico. As palavras que escrevo revelam o intelecto por
trás de si. Também são evidências do processo espiritual.
Não me
surpreende descobrir que vários filósofos naturais expressaram a opinião de
que, tal como disse Osler, "a filosofia natural, devidamente seguida, leva
ao conhecimento do Criador". Entre os que sustentavam essa visão estava
Lord Kelvin (físico matemático e engenheiro) que aconselhou:
Não tenham medo de ser livre pensadores.
Se pensarem com força suficiente, serão forçados pela ciência a acreditar em
Deus, que é a base de toda Religião. Descobrirão que a ciência não é antagónica,
mas útil à religião. (William Thomson, 1º Barão Kelvin)
Opiniões
semelhantes têm surgido de vozes religiosas – especialmente de Bahá'u'lláh, que
escreveu "O princípio de todas as coisas é o conhecimento de Deus", e
do Seu filho 'Abdu'l-Bahá, que escreveu: "A ciência é o esplendor do Sol da
Realidade, o poder de investigar e descobrir as verdades do universo, o meio
pelo qual o homem encontra um caminho para Deus".
Isaac Newton
escreveu no Principia que:
... todo o discurso sobre Deus é
derivado de uma certa semelhança das coisas humanas, que, embora não sendo
perfeita, é, no entanto, um certo tipo de semelhança... E abordar o Deus dos fenómenos
é certamente parte da filosofia natural.
Por outras
palavras, por muito imperfeita que seja a nossa capacidade de compreensão, a
criação pode dizer-nos alguma coisa sobre as qualidades do Criador, tal como a
minha escrita diz ao leitor algo sobre mim.
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Texto original: Did the ScientificRevolution Liberate Science from Religion? (www.bahaiteachings.org)
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Maya
Bohnhoff é Baha'i e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção
científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora
(juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View
Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na
www.commongroundgroup.net.
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