sábado, 17 de agosto de 2019

Só a Igualdade acaba com a Violência Doméstica

Por David Langness.

Nenhum marido Bahá’í deve alguma vez bater na sua mulher, ou sujeitá-la a qualquer forma de tratamento cruel; fazê-lo seria um abuso inaceitável da relação do casamento e contrário aos ensinamentos de Bahá'u'lláh. (Declaração sobre Violência contra Mulheres e Abuso Sexual, A Casa Universal de Justiça, 24 de Janeiro de 1993)
Quando trabalhava noutro país, a nossa filha reparou numa família que todas noites depois do trabalho regressava a casa. Via-os praticamente todos os dias e percebeu, após cumprimentar, sorrir e falar brevemente várias vezes com eles, que as duas crianças da família eram excepcionalmente educadas e bem-comportadas. Um dia elogiou a família pelo bom comportamento das crianças.

As vossas crianças são tão educadas”, disse ela aos pais.

Obrigado”, respondeu o pai agradado com o elogio. “Bato-lhes todas as noites. A minha mulher também.”

Aquela velha atitude, acreditem ou não, já tinha imperado em todo o mundo. Provavelmente já ouviram a expressão “poupar o chicote é estragar a criança”; mas alguma vez ouviram a expressão “the rule of thumb” (significa “regra de ouro” ou “regra prática”; literalmente significa “a regra do polegar”). Diz a tradição que esta expressão deriva da lei inglesa anterior a 1500, quando os maridos podiam legalmente bater nas mulheres com varas cuja espessura não fosse maior que o polegar do homem. Esse tipo de espancamento das mulheres, aceitável do ponto de vista legal e cultural, existiu durante milhares de anos. Só em 1982 é que a Comissão Americana para os Direitos Civis publicou um relatório pioneiro sobre abuso das esposas, intitulado “Under the Rule of Thumb” (“Sob a Regra do Polegar”).

O relatório da Comissão indicava que o abusa conjugal, físico ou psicológico, era assustadoramente comum. O Fundo das Nações Unidas para a População afirma que uma em cada três mulheres experimenta ataques físicos ou sexuais durante a sua vida – e a maioria destes tem lugar, não com estranhos, mas na relação conjugal.

Apesar de tudo isto, só muito recentemente é que tribunais, governos e polícia começaram a considerar a violência conjugal e doméstica como actos criminosos. Na verdade, ainda há muitos países que consideram a violência conjugal, os crimes de honra, o casamento forçado de crianças, os crimes de dote e o feminicídio como questões familiares e vez de ofensas criminais e violações dos direitos humanos. Se o marido é “dono” da mulher, tal como muitos sistemas legais o definem, então a escravatura doméstica abre as portas à violência doméstica.

Em resposta a este facto tão comum, as Nações Unidas publicaram em 1993 o documento Estratégias de Combate à Violência Doméstica: Um Manual de Recursos. Ali declarava:
... um grande número de países permite... a aplicação, por parte do marido, de castigos físicos moderados à respectiva esposa. Mais uma vez, a maioria dos sistemas legais não criminaliza as circunstâncias em que uma mulher é forçada, contra a vontade, a ter relações sexuais com o marido... De facto, no caso da violência conjugal sobre a mulher, existe a crença generalizada de que esta provoca, tolera ou até aprecia uma certa dose de violência por parte do marido.
Para contrariar estas atitudes prevalecentes em tantos locais, as décadas de 1980 e de 1990 testemunharam um grande movimento global para conter a onda de violência doméstica contra mulheres e uma resolução internacional: a Declaração das Nações Unidas sobre Eliminação de Violência contra Mulheres. Afirma:
… a violência contra mulheres é uma manifestação das relações de poder historicamente desigual entre homens e mulheres, que levou à subjugação e discriminação das mulheres pelos homens, e impediu o pleno progresso das mulheres; essa violência contra as mulheres é um dos principais mecanismos sociais pelos quais as mulheres são forçadas a uma posição de subordinação em relação aos homens.
A comunidade Bahá’í tem apoiado activamente a resolução da ONU e continua a defender relações de poder iguais entre homens e mulheres.
... saiba-se mais uma vez que enquanto mulher e homem não reconhecerem e conseguirem a igualdade, o progresso social e político não será possível aqui ou em qualquer outro lugar. Pois o mundo da humanidade consiste em duas partes ou membros: uma é a mulher e a outra é o homem. Enquanto estes dois membros não tiverem força igual, não se poderá estabelecer a unicidade da humanidade, e a alegria e felicidade da humanidade não serão uma realidade. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 76)
Enquanto estes dois... não tiverem força igual”, afirma 'Abdu'l-Bahá, “a alegria e felicidade da humanidade não serão uma realidade”. Há quase dois séculos que os ensinamentos Bahá'ís defendem relações de poder iguais a que se referem as Nações Unidas.

Vários estudos científicos provam que abusos sexuais, ataques sexuais e as violações são tipicamente cometidas por homens que libertam a sua raiva sobre as mulheres, motivados pelo desejo de dominar e controlar, e também pelo desejo do prazer sexual. Esta combinação de motivações revela algo profundamente desigual na relação de autoridade e domínio entre homens e mulheres em muitas sociedades. Quando os homens têm mais poder – não apenas força física, mas também poder político e social – o poder é muitas vezes usado contra as mulheres “para as manter no seu lugar”.

Porque saímos de uma era passada na história humana em que a força física imperava, e iniciámos uma nova era em que a força intelectual, moral e física prevalecerá, temos agora a possibilidade de tratar ambos os géneros com igualdade – e acabar com os ataques sexuais.

O que podemos fazer para impedir os ataques sexuais e a violência contra as mulheres? Podemos mudar a equação de poder subjacente, e nesse processo fazermos tudo o que for possível para que homens e mulheres – como dizem os ensinamentos Bahá’ís - tenham “força igual”.

-----------------------------
Texto original: Only Equality Stops Domestic Violence (www.bahaiteachings.org)

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

Sem comentários: