sábado, 29 de fevereiro de 2020

Porque é que os Humanos começaram a jejuar?

Por David Langness.


Os nossos antepassados evoluíram como caçadores e colectores – durante centenas de milhares de anos; os humanos pré-históricos passaram as suas vidas procurando comida.

Muito antes de existirem sociedades agrárias ou culturas agrícolas, nós caçávamos e colhíamos constantemente, porque a comida nem sempre era abundante, e por vezes nem sequer estava disponível. Isto significa, segundo os cientistas, que as pessoas jejuavam involuntariamente – e depois quando encontravam comida, celebravam. Devido a estas condições de evolução, os humanos desenvolveram gradualmente um código genético – um genótipo – que permitia que os seus corpos se desenvolvessem adaptando-se a estes ciclos de abundância e jejum.

Por este motivo, uma pessoa saudável e bem alimentada consegue sobreviver durante várias semanas sem comer. O Dr. Alan Lieberson, num artigo publicado na revista Scientific American em 2012, assinalou vários casos em que as pessoas que deixavam de comer durante longos períodos de tempo, incluindo o caso bem conhecido do Mahatma Gandhi, que com 74 anos de idade realizou uma greve da fome durante 21 dias em protesto contra a sua detenção sem acusação pelas autoridades britânicas na Índia. Gandhi sobreviveu e viveu mais alguns anos.

Ainda temos connosco esse código genético de fome-abundância, apesar da maioria das culturas no mundo desenvolvido se alimentarem de forma mais consistente, consumindo duas, três ou mesmo quatro refeições regulares por dia, além de lanches e sobremesas ininterruptamente. Como resultado, os nossos aparelhos digestivos estão quase sempre cheios, e são incapazes de permitir que os nossos corpos sintam os efeitos benéficos do vazio temporário e do processo de limpeza natural que isso provoca.

Segundo uma investigação científica recente, esse tipo de jejum intermitente pode ajudar-nos a mantermo-nos saudáveis durante mais algum tempo. Vários estudos demonstraram os benefícios para a saúde de padrões de jejum intermitentes, restrições calóricas, e abstinência voluntária. Porque estes padrões podem replicar as dietas fome-abundância dos nossos antepassados, muitos investigadores reconhecem as vantagens de esvaziar periodicamente o sistema digestivo humano, permitindo-lhe repouso, auto-limpeza e purificação sem a constante presença de comida.

Você alguma vez jejuou? Os Bahá'ís jejuam todos os anos durante 19 dias, abstendo-se de comida e bebida durante o dia, e apenas comendo e bebendo durante o período nocturno. É claro que estar sem comer nem beber durante 12 horas, e repetir este processo durante 19 vezes pode ter um efeito profundo na mente, no coração e na alma – e este tipo de jejum cíclico e intermitente também tem benefícios físicos.

Mas, como as próprias Escrituras Bahá'ís salientam, quem já tentou esta prática sabe que não é fácil:
Apesar de exteriormente o Jejum ser difícil e árduo, interiormente é abundante e tranquilo. (Bahá'u'lláh, citado em Importance of Obligatory Prayer and Fasting, # XVI)
Assim, apesar do Jejum Bahá’í ter um objectivo essencialmente espiritual, também tem enormes benefícios físicos. A ciência medicinal mostra que o jejum cíclico e intermitente tem os seguintes benefícios:

  • Diminuição dos níveis de açúcar no sangue e de resistência à insulina;
  • Combate às inflamações;
  • Melhoria do estado do coração com a redução do colesterol e triglicerídeos;
  • Estímulo de funções cerebrais e prevenção de doenças neuro-degenerativas como Alzheimer e Parkinson;
  • Aumento do metabolismo e ajuda no controlo de peso;
  • Aumento dos níveis de hormona do crescimento humano, um factor chave no crescimento e fortalecimento muscular;
  • Auxílio na prevenção do cancro;
  • Atraso no envelhecimento e aumento da longevidade.

Se pensarmos nisto, percebemos que tudo faz sentido. Dar ao nosso sistema digestivo a oportunidade de descansar e de se limpar anualmente durante alguns dias seguidos, é semelhante ao agricultor sábio que deixa parte dos seus campos em pousio durante uma temporada. Quando um terreno fica em pousio, o solo reabastece-se num processo natural de repouso e recuperação, tal como muitas células do nosso corpo quando jejuamos intermitentemente. Este processo de limpeza física reflecte a limpeza espiritual que todos as sagradas escrituras nos encorajam a realizar:
Ser puro e santo em todas as coisas é um atributo da alma consagrada e uma característica necessária da mente não escravizada. A melhor das perfeições é a imaculabilidade e o ego libertar-se de todos os defeitos. Quando o individuo está, em todos os aspectos, limpo e purificado, então tornar-se-á um centro focal de Luz Manifesta. ('Abdu'l-Bahá, Selections from the Writings of 'Abdu'l-Bahá, #129)
Os estudos científicos sobre jejum intermitente mostram quem um padrão regular de restrições calóricas, em que as pessoas reduzem o consumo regular de nutrientes com o jejum cíclico, pode gerar benefícios significativos. O jejum intermitente pode reduzir os factores de risco de várias doenças crónicas em animais e humanos, e aumentar dramaticamente o tempo de vida:
Há muito que as religiões defendem que o jejum é bom para a alma, mas os seus benefícios para o corpo só foram reconhecidos no início do século XX, quando os médicos começaram a recomendá-lo como tratamento para várias doenças, nomeadamente a diabetes, obesidade e epilepsia.

Investigações similares sobre restrições calóricas iniciaram-se na década de 1930, após o nutricionista Clive McCay, da Universidade de Cornell, ter descoberto que os ratos sujeitos a uma dieta diária rigorosa desde a nascença viviam mais e tinham menos probabilidades de desenvolver cancro e outras doenças ao longo da vida, quando comparados com outros animais que comiam o que queriam. As investigações sobre restrições calóricas e períodos de jejum cruzaram-se em 1945, quando cientistas da Universidade de Chicago descreveram que a alimentação em dias alternados prolongava o tempo de vida dos ratos tal como a dieta diária nas experiências anteriores de McCay. Além disso, o jejum intermitente “parece atrasar o desenvolvimento de perturbações que levam à morte”, escreveram os cientistas de Chicago. (David Stipp, “How Intermittent Fasting Might Help You Live a Longer and Healthier Life,” Scientific American, January 2013)
Os cientistas compreendem agora que as pessoas que jejuam regularmente conseguem aumentar consideravelmente o seu tempo de vida, assim como reduzir as doenças crónicas físicas e mentais comuns na terceira idade. Estudos públicos bem documentados mostraram, em áreas onde a população tem uma prática religiosa consistente de jejum, que essas populações vivem mais e com melhor saúde.

Os estudos de investigação indicam que estes efeitos positivos aparecem porque o jejum também desencadeia um processo conhecido como autofagia, uma espécie de reciclagem nas células para libertação de moléculas danificadas, incluindo as que estão associadas ao Alzheimer, Parkinson e outras doenças neurológicas.

Assim, considerando apenas os benefícios físicos, talvez queiram tentar jejuar com os Bahá'ís neste ano. Isto vai mudar-vos, mas também abrirá os vossos corpos e as vossas almas a um novo campo de possibilidades.

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Texto original: When and Why Did Humans Start Fasting? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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