sábado, 9 de julho de 2022

Porquê Celebrar o Martírio do Báb

Por Edward Price.
 

O Báb rejeitou constantemente os milagres como prova da verdade do Profeta de Deus. Mas o Báb fez mais do que isso. Ele proibiu os Seus seguidores de Lhe atribuírem qualquer milagre. E, portanto, o evento final na vida do Báb não é definido como um evento milagroso. No entanto, não há realmente nenhuma explicação plausível para isso. E, portanto, permanece um evento misterioso na história sagrada do mundo. (Dr. Nader Saiedi, Fevereiro de 2017, Los Angeles)

Ouvi pessoalmente o Dr. Saiedi fazer estes comentários e achei-os fascinantes no momento em que os ouvi. Ele enfatizou que o Martírio do Báb é um “evento misterioso”. Concordo. Mas fiquei a pensar: qual é a natureza desse mistério?

Estávamos no dia 9 de Julho de 1850, em Tabriz, na Pérsia. Naquela manhã, na prisão, o carcereiro foi buscar o Báb para cumprir a condenação à morte que os sacerdotes tinham decretado. O Báb estava a dar Suas últimas instruções ao Seu ajudante. O Báb disse:

Enquanto Eu não tiver dito todas as coisas que desejo dizer, nenhum poder terreno pode silenciar-Me. Mesmo que todo o mundo esteja armado contra Mim, serão incapazes para Me impedir de cumprir a Minha intenção, até à última palavra. (O Báb, citado por Nabil, traduzido por Shoghi Effendi, The Dawn-Breakers, p. 509)

Apesar disso, levaram-No.

Sam Khan, o comandante do regimento, responsável pela execução, estava preocupado. Sentia-se “tomado por grande medo de que sua acção lançasse sobre ele a ira de Deus”. Quando se aproximou do Báb, Ele disse-lhe:

"Segui as vossas instruções, e se a vossa intenção for sincera, o Omnipotente poderá certamente aliviar-vos da vossa dificuldade." (O Bab, citado por Nabil, traduzido por Shoghi Effendi, The Dawn-Breakers, p. 510)

O processo de execução continuou. E como todos sabem, 750 soldados dispararam e quando o fumo se dissipou, o Báb não estava morto, caído no chão. Tinha desaparecido. O discípulo que ia ser executado com ele, Anis, estava ali, bastante saudável e sorrindo. Depois de uma busca frenética, o Báb foi encontrado na Sua cela, concluindo a conversa que tinha sido interrompida anteriormente.

Sam Khan viu que o Bab tinha escapado às balas; supomos que isso eliminou a sua “dificuldade”. Seguidamente, ordenou que os seus homens abandonassem o local, jurando nunca mais se envolver em actos que pudessem causar danos ao Báb. Outro regimento foi chamado, e o Báb foi novamente trazido. Na segunda vez, Bab e Anis foram mortos; os seus corpos ficaram unidos, mas os seus rostos estavam estranhamente sem marcas.

Praça de Tabriz onde o Báb foi martirizado

Assim, a primeira pergunta é se este “evento misterioso” realmente aconteceu? Sim, os relatos históricos são abundantes, fiáveis e notavelmente consistentes na característica central da história – a primeira salva de disparos não matou o Báb.

Mas, na verdade, este não é o ponto central. Se o Báb não queria que as pessoas Lhe atribuíssem milagres, porque é que Ele fez da última acção da Sua vida um milagre?

Porquê contrariar os Seus próprios ensinamentos e fazer tal coisa na presença de milhares de testemunhas, garantindo assim, para sempre, que este evento seria o que as pessoas falariam em relação a Ele? Para mim, isto é o mistério.

Devo dizer que ninguém sabe a resposta, mas tenho três ideias para apresentar. Estas são apenas as interpretações humanas; decida por si próprio se estas ideias têm algum mérito.

1. Dar alegria à alma


Por graça, amor e compaixão por Sam Khan - apenas um homem, a quem Ele evidentemente achou sincero – o Báb pôs de lado o Seu próprio ensinamento sobre milagres e realizou um diante da multidão, a fim de confortar essa alma e responder ao seu pedido.

Há quem remova as dificuldades a não ser Deus? Dize: Louvado seja Deus! Ele é Deus! Todos são Seus servos e todos aquiescem ao Seu mandamento! (Oração revelada pelo Báb, Selections from the Writings of the Báb, p. 216)

O facto do Báb ter escapado às balas foi, na minha opinião, uma resposta amorosa ao pedido de uma alma sincera, Sam Khan. O ensinamento do Báb era levar alegria, e não tristeza, a todas as almas. Penso que, se Lhe perguntassem, Ele queria trazer alegria ao coração de Sam Khan.

Remover o fardo da “dificuldade” de Sam Khan foi, suponho, uma razão suficiente para aparentemente ir contra os Seus próprios ensinamentos. Foi uma demonstração do amor de Deus, uma ilustração dos extraordinários “milagres” que Deus realizará na vida de qualquer pessoa que procura, com sinceridade, a verdade e a justiça, e prova de que somente Deus pode remover definitivamente as dificuldades.

2. Uma prova misteriosa dos mundos do além


Porque é que alguns dos Profetas de Deus sacrificam as Suas vidas? Bahá'u'lláh diz que Eles sabem que a vida humana não se limita a esta vida. Eles sabem que o mundo além é o paraíso mais elevado.

Bem-aventurada a alma que, na hora da sua separação do corpo, estiver santificada das vãs imaginações dos povos do mundo. Essa alma vive e move-se de acordo com a Vontade do seu Criador e entra no Paraíso supremo... Se se disser a alguém o que está destinado a essa alma nos mundos de Deus, Senhor do trono no alto e do reino terrestre, todo o seu ser arderá instantaneamente no seu desejo de alcançar essa condição excelsa, santificada e resplandecente... (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXXI)

Os educadores divinos vêm à terra para nos ajudar; mas estão desejosos e dispostos a voltar para casa quando as Suas missões estiverem concluídas. O sofrimento temporário de ser torturado e executado não significa nada para Eles em comparação com isso.

Fosses tu ponderar no teu coração a conduta dos Profetas de Deus, testemunharias segura e prontamente que devem existir necessariamente outros mundos, além deste mundo... Estas Joias do Desprendimento são aclamadas por alguns como as personificações da sabedoria, enquanto outros crêem que sejam os Porta-Vozes do próprio Deus. Como poderiam essas Almas ter consentido em render-Se aos Seus inimigos, se acreditassem que todos os mundos de Deus se reduziam a esta vida terrena? Teriam Eles sofrido voluntariamente tamanhas aflições e tormentos como nenhum homem jamais experimentou ou testemunhou? (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXXI)

Segundo Bahá'u'lláh, os Manifestantes de Deus não dariam ardentemente as Suas vidas sem esse conhecimento. Assim, em todos os casos, como na Crucificação de Cristo e no Martírio do Báb, o seu exemplo é um sinal da Sua sabedoria e uma prova dos mundos além.

3. Permitir que a Causa de Deus cresça


Porque é que Eles prosseguem o seu caminho com tamanha alegria e entusiasmo?

Considerar que após a morte do corpo o espírito perece, é como imaginar que um pássaro numa gaiola será morto se a gaiola for quebrada, embora o pássaro não tenha nada a recear com a destruição da gaiola. O nosso corpo é como a gaiola, e o espírito é como o pássaro... [Se] a gaiola for quebrada, o pássaro permanecerá e existirá. Os seus sentimentos serão ainda mais poderosos, as suas percepções serão maiores e a sua felicidade aumentará. Na verdade, deixa o inferno e alcança um paraíso de deleites, porque para os pássaros gratos não há paraíso maior do que a liberdade da gaiola. É por isso que com grande alegria e felicidade os mártires se apressam para a planície do sacrifício. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, p. 227)

Sem este sacrifício, a humanidade não ouvirá, a causa de Deus não crescerá e a humanidade não será salva.

Mas Cristo, que é o Verbo de Deus, sacrificou-Se. Isso tem dois significados... O significado exterior é este: a intenção de Cristo era representar e promover uma Causa que iria educar o mundo humano, vivificar os filhos de Adão e iluminar toda a humanidade; e uma vez que representar uma Causa tão grande... significava que Ele seria morto e crucificado, então Cristo, ao proclamar a Sua missão, sacrificou a Sua vida. Ele considerava a cruz como um trono, a ferida como um bálsamo, o veneno como mel e açúcar. Ele ergueu-Se para ensinar e educar os homens, e assim Ele sacrificou-Se para dar o espírito da vida. Ele pereceu em corpo para vivificar os outros pelo espírito.

O segundo significado de sacrifício é este: Cristo era como uma semente, e esta semente sacrificou a sua própria forma para que a árvore pudesse crescer e desenvolver-se... A forma da semente foi sacrificada pela árvore, mas as suas perfeições, devido esse sacrifício, tornaram-se evidentes e visíveis - a árvore, os galhos, as folhas e as flores estavam ocultas na semente. Quando a forma da semente foi sacrificada, as suas perfeições apareceram na forma perfeita de folhas, flores e frutos. (‘Abdu'l-Bahá, Some Answered Questions, p. 120-121)

Apenas o poder divino o pode conseguir.

Essas virtudes não surgem da realidade do homem a não ser pelo poder de Deus e dos ensinamentos divinos, pois precisam de poder sobrenatural para se manifestarem. (‘Abdu'l-Bahá, Some Answered Questions, p. 79-80)

Assim, quando o Báb, ou qualquer outro Manifestante de Deus, sacrifica rejubilantemente a Sua vida, a sua intenção é responder às orações, ensinar as virtudes de Deus e transmitir o “poder sobrenatural” necessário para trazer a salvação a todas as vidas humanas. A meu ver, estes são apenas vislumbres do mistério do Martírio do Báb.

Há muito mais nessa história que será compreendido no futuro. Mas felizmente, talvez possamos dizer já que começámos.

-------------------------------------
Texto Original: Why Baha’is Commemorate the Martyrdom of the Bab (www.bahaiteachings.org)


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Edward A. Price é um ex-ateu de origem Judaica que se tornou Bahá’í em 1973, na Universidade da Virgínia. Fez o curso de Psicologia Estudos Religiosos. É autor de vários livros e participou num projecto patrocinado pela Spring Green Films, para fazer um filme sobre a vida e os ensinamentos do Báb. Este projecto foi apoiado pela AEN dos Bahá’ís dos Estados Unidos.

Sem comentários: