domingo, 16 de outubro de 2022

A Guerra tem Regras?

Por David Langness.


Os ensinamentos Bahá'ís apelam aos reis e governantes do mundo que proíbam a guerra. Bahá'u'lláh, o profeta e fundador da Fé Bahá'í, esteve preso e exilado durante quarenta anos para que:

... que o conflito e a agressão desaparecessem; a lança e a espada afiada fossem trocadas por companheirismo afectuoso; a malevolência e a guerra se transformassem em segurança, gentileza e amor, que campos de batalha do ódio e da ira se tornassem jardins de prazer; e lugares onde antes os exércitos manchados de sangue entraram em confronto se tornassem campos perfumados de alegria; que a guerra fosse vista como vergonha; e o recurso às arma como uma doença repugnante, a ser evitada por todos os povos; que a paz universal levantasse os seus pavilhões nos montes mais altos; e a guerra fosse extinta da terra para sempre. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l‑Bahá, #206)

Este apelo historicamente inovador para banir a própria guerra – para tornar a guerra um crime contra a humanidade – começou no tempo de Bahá'u'lláh. Os nossos antepassados, pelo menos aqueles que viveram antes do advento da Fé Bahá'í, teriam ficado surpresos com a ideia de que a guerra tem regras, ou que travar uma guerra é um crime.

Antigamente, a guerra era vista como a única maneira de resolver diferendos complexos ou conquistar território, dando aos reis e aos governantes autoridade ilimitada para declarar e travar guerra.

A antiga doutrina comummente aceite do “direito divino dos reis”, que afirmava que os monarcas não são responsáveis perante uma autoridade terrena, impediu durante milhares de anos (antes do século XIX) que os governantes fossem responsabilizados pelas guerras que iniciaram.

Mas isso mudou radicalmente.

O que é um Crime de Guerra?


O actual modelo de avaliação de crimes de guerra, nascido da jurisprudência do estudioso russo Aron Trainin e dos julgamentos de Nuremberga após a Segunda Guerra Mundial, tentou estabelecer regras que minimizassem os horrores da guerra. Apesar desses esforços iniciais, o mundo ainda não encontrou maneiras confiáveis ou consistentes de responsabilizar os governantes individuais. Tentámos, como comunidade global, regular e corrigir a brutalidade inerente à guerra, mas até agora falhámos tremendamente.

Assim, quando a expressão “crimes de guerra” é usada, poucas pessoas entendem as suas definições legais precisas, descritas explicitamente em tratados internacionais como as Convenções de Genebra de 1949 e o Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, em 2002.

Em geral, o direito internacional hoje define crimes de guerra como o ataque deliberado e desproporcional, em grande escala, contra civis; o uso de armas de destruição maciça, como agentes químicos e biológicos; e ataques intencionais a locais civis como escolas, hospitais ou monumentos culturais e históricos.

O direito internacional também define a categoria distinta de crimes contra a humanidade como escravidão, tortura e assassinato em massa.

Estes conceitos diferem da definição da palavra “genocídio”, um termo usado pela primeira vez em 1944 pelo advogado polaco de direitos humanos Raphael Lemkin. Usando a nova premissa, em que derivou do prefixo grego genos, que significa raça ou tribo; e o sufixo latino cide, que significa matar, Lemkin liderou uma campanha bem-sucedida após a Segunda Guerra Mundial para que o genocídio fosse reconhecido e codificado como crime internacional – o que acabou por acontecer na Convenção de 1948 para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Esse tratado internacional define genocídio como “actos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso...

Atrocidades, crimes de guerra ou genocídio – qual deles se aplica à guerra moderna?


Em todas as guerras ocorrem inúmeros incidentes de terror, tragédia e trauma que não se enquadram nas rigorosas definições legais de atrocidades, crimes de guerra ou genocídio. Este é o problema.

Por exemplo: nas últimas semanas, todos vimos imagens de pessoas obviamente executadas, e cujos corpos jaziam nas ruas ucranianas. Esses crimes de guerra estão sujeitos ao direito internacional? A resposta legal provavelmente é sim, se foram cometidos contra civis inocentes – mas talvez não, se esses civis se tornaram combatentes por possuírem ou usarem armas como cocktails Molotov, por exemplo. Combatentes na guerra, sejam militares ou civis, ainda podem ser mortos impunemente.

Essa impunidade, infelizmente, também se aplica aos governantes dos países agressores que declaram e fazem guerra. Na verdade, os líderes nacionais que nunca abandonam o seu próprio país não precisam temer o Tribunal Penal Internacional (TPI) ou as leis amplamente aceites que definem atrocidades, crimes de guerra ou genocídio. O TPI não tem autoridade executiva ou poder sobre os líderes nacionais se não puder prendê-los e detê-los. Mesmo com muitas provas concretas, incluindo fotografias, vídeos, imagens de satélite, depoimentos de testemunhas oculares e declarações sob juramento, o julgamento de qualquer um desses governantes nacionais por juízes internacionais provavelmente não acontecerá, a menos que os seus governos, entretanto, mudem.

Como consequência, apenas um número relativamente pequeno – mas crescente – de réus já enfrentou um verdadeiro tribunal de crimes de guerra, internacional ou doméstico. A lista de ex-líderes nacionais desacreditados e agora condenados inclui o presidente de facto argentino Jorge Videla; o presidente sérvio Slobodan Milosevic; o primeiro-ministro ruandês Jean Kambanda; o presidente liberiano Charles Taylor; o presidente iraquiano Saddam Hussein; os líderes cambojanos dos Khmers Vermelhos, Nuon Chea e Khieu Samphan; o presidente peruano Alberto Fujimori; e o presidente guatemalteco Efrain Rios Montt, entre outros. (O Conselho de Relações Exteriores tem resumos aqui.)

Portanto, o mundo ainda tem de fazer um progresso significativo antes que a humanidade desenvolva um mecanismo internacional viável e eficaz para proibir e punir a agressão armada e a guerra.

No entanto, a perspectiva Bahá'í de uma paz global apoiada por um tribunal internacional – o que Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í, designou como “uma comunidade mundial” – está lenta e visivelmente a começar a aparecer, à medida que a força das leis internacionais contra crimes de guerra e genocídio são cada vez mais invocadas e aplicadas. Shoghi Effendi definiu o que uma comunidade mundial funcional poderia incluir:

Esta comunidade deve, tanto quanto a podemos visualizar, incluir um parlamento mundial, cujos membros, enquanto fideicomissários de toda a humanidade, irão, em última análise, controlar todos os recursos de todas as nações que a constituem, e promulgar leis que sejam necessárias para regular a vida, satisfazer as necessidades e organizar as relações entre todas as raças e povos. Um executivo mundial, apoiado por uma força internacional, executará as decisões e aplicará as leis promulgadas por este parlamento mundial, e protegerá a unidade orgânica de toda a comunidade mundial. Um tribunal mundial julgará e emitirá o seu veredicto vinculativo e final em todas e quaisquer disputas que possam surgir entre os vários elementos que constituam este sistema universal. (The World Order of Baha’u’llah, p. 202)

Se queremos acabar com a guerra e bani-la para sempre, como tantas outras pessoas que amam a paz no mundo de hoje, por favor, junte-se à comunidade global dos Bahá'ís que trabalham para a realização desta poderosa visão.

-----------------------------
Texto original: Does War Have Rules? (www.bahaiteachings.org)


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

Sem comentários: