domingo, 20 de abril de 2025

Na Páscoa, consideremos a pergunta de Cristo: "E vocês, quem acham que eu sou?"

Por Christopher Buck.
 

Lembram-se quando Jesus fez a famosa pergunta: “Quem diz o povo que eu sou?” no Evangelho de Marcos, seguido da pergunta seguinte: “E vocês, quem acham que eu sou?

É claro que nenhum de nós testemunhou Jesus a fazer realmente estas perguntas - mas Jesus fez estas duas perguntas não só em Marcos 8:27-29, mas também nas suas passagens paralelas, em Mateus 16:13-16 e Lucas 9:18-20.

Na verdade, na sua essência, estas duas questões são a mesma questão, mas de uma perspectiva social (“as pessoas dizem”) e pessoal (“vocês dizem”).

Hoje, no Domingo de Páscoa, a pergunta convida à nossa reflexão mais profunda, como se Jesus a tivesse feito de novo a cada um de nós directamente.

O dia 30 de Março de 1997 foi um Domingo de Páscoa que nunca esquecerei. Poucos dias antes, um jornalista, editor de religião do The Ottawa Citizen, ligou-me e disse que estava a escrever um artigo de destaque para ser publicado no Domingo de Páscoa com o título: “Domingo de Páscoa: Como os outros o vêem: Jesus pergunta a todas as pessoas: ‘Quem é que as pessoas dizem que eu sou?’ Eis as respostas de vários não-cristãos.

Porque é que o jornalistra me ligou? Provavelmente porque, nessa época, eu era professor auxiliar na Universidade Carleton, em Ottawa, e era conhecido como membro da Comunidade Bahá’í, que não tem clero. Durante este período, eu era também estudante de doutoramento na Universidade de Toronto, mas tinha-me mudado para Ottawa, onde a minha querida esposa, Nahzy Abadi Buck, conseguiu um emprego como analista de informações.

Assim, escrevi o texto abaixo, que foi publicado no The Ottawa Citizen sob o título “Bahá’í e Jesus” (o título é do editor de religião, não é meu):

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Bahá'í e Jesus

O Dr. Christopher Buck é Bahá'í e professor de Religião na Universidade de Carleton. Ele escreve:

...Bahá’u’lláh, que fundou a Fé Bahá’í na Pérsia no século XIX e sofreu prisão e exílio pelas suas crenças [escreveu]:

“Sabei que quando o Filho do Homem entregou o espírito a Deus, toda a criação chorou num grande pranto. Ao sacrificar-Se, porém, uma nova capacidade infundiu-se em todas as coisas criadas. As suas evidências, como se testemunha em todos os povos da terra, estão agora manifestas diante de vós. A sabedoria mais profunda que os sábios proferiram, o conhecimento mais vasto que qualquer mente desvendou, as artes que as mãos mais hábeis produziram, a influência exercida pelo mais poderoso dos governantes, são apenas manifestações do poder vivificador libertado pelo Seu Espírito transcendente, omnipresente e resplandecente.

Testemunhamos que quando Ele veio ao mundo, derramou o esplendor da Sua glória sobre todas as coisas criadas. Através d’Ele, o leproso recuperou da lepra de perversidade e da ignorância. Através d'Ele o ímpio e rebelde foram curados. Através do Seu poder, nascido do Deus Todo-Poderoso, os olhos dos cegos abriram-se e a alma do pecador santificou-se.

A lepra pode ser interpretada como qualquer véu que se interpõe entre o homem e o reconhecimento do Senhor, seu Deus. Aquele que se deixa afastar d’Ele é de facto um leproso, que não será lembrado no Reino de Deus, o Poderoso, o Todo-Louvado. Testemunhamos que através do poder do Verbo de Deus todo o leproso foi purificado, toda a enfermidade foi curada, toda a debilidade humana foi banida. Ele é Quem purificou o mundo. Bem-aventurado o homem que, com um rosto radiante de luz, se volveu para Ele.

Esta afirmação é notável pois Bahá’u’lláh atribui a ascensão da civilização ocidental ao poder espiritual libertado pela paixão de Cristo na Cruz. As obras-primas da arte, as grandes obras da filosofia, as descobertas da ciência e até a ascensão das grandes potências na Europa do século XIX são atribuídas à influência de Cristo. Isto faz parte da teoria de Bahá’u’lláh sobre a civilização e do papel que Jesus Cristo desempenhou nela.

Em termos comparativos, esta parece-me ser uma cristologia bastante singular. Bahá'u'lláh tem uma cristologia muito elevada. Nas suas características básicas, difere pouco de uma perspetiva cristã, excepto que os Bahá’ís veem Cristo como Deus na natureza, mas não na essência. (Bahá'u'lláh propôs uma doutrina de Manifestação no lugar da doutrina cristã da Encarnação). Há ainda o facto de a cristologia de Bahá'u'lláh não ser exclusiva, pois reconhece a autenticidade e a grandeza de Muhammad, Zoroastro, Krishna e também do Buda. Ainda assim, Bahá’u’lláh atribui claramente uma enorme importância ao acontecimento de Cristo.

A Cruz é vista como um acontecimento cósmico, e a pessoa e a obra de Cristo são vistas como um ponto de viragem na história humana. A ligação de Bahá’u’lláh entre o acontecimento de Cristo e a história da civilização ocidental vai muito para além de qualquer noção de salvação pessoal no sentido tradicional, de tal modo que, no meu próprio entendimento, Bahá’u’lláh estende aquilo a que os teólogos sistemáticos chamam a ordem da salvação à própria civilização. Os Bahá'ís estão bastante preocupados com aquilo a que os teólogos chamam salvação mútua, que os Bahá'ís vêem como um complemento à salvação pessoal.

Falando pessoalmente, e não como académico, como ex-Cristão, descobri que fui capaz de levar a minha crença e amor por Cristo para a minha fé como Bahá’í. Os Bahá’ís consideram Bahá’u’lláh como aquele que foi predito por Cristo, pelo que não há realmente nenhuma razão para um Bahá’í desejar diminuir a grandeza de Cristo. Fazê-lo seria diminuir a grandeza de Bahá’u’lláh e violar a doutrina de Bahá’u’lláh da fraternidade das grandes figuras religiosas da história e a natureza acumulativa dos seus ensinamentos, a que os Bahá’ís chamam “revelação progressiva”.

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Olhando para trás, muitos anos mais tarde, hoje, a minha resposta ao convite do editor de religião do The Ottawa Citizen para apresentar uma perspetiva Bahá'í sobre a questão histórica, mas intemporal e perene de Jesus, seria provavelmente a mesma de antes, com esta reflexão pessoal adicional sobre uma profecia de Jesus no “Discurso da Despedida” (João, capítulos 14-17).

Todavia, digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, enviar-vo-lo-ei. E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo. Do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais; e do juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado.

Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito da Verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar. (Jo:16:7-14)

Na passagem citada no artigo em destaque no The Ottawa Citizen no Domingo de Páscoa, Bahá’u’lláh fala do impacto espiritual fortalecedor de Jesus, que deu origem à civilização ocidental (acreditando que li as palavras de Bahá’u’lláh e as entendi correctamente). Não há forma de Jesus ter sequer dado a entender este desenvolvimento futuro, que teria sido incompreensível para os discípulos imediatos de Cristo naquela época. Ao fazê-lo, Bahá’u’lláh cumpriu a profecia de Cristo: “Ele me glorificará”.

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Texto original: On Easter, Consider Christ’s Question: “Who Do You Say I Am”? (www.bahaiteachings.org)


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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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