terça-feira, 21 de dezembro de 2004

Hilda: impressões pessoais

Depois do Elfo, aqui ficam algumas das minhas recordações pessoais sobre a Hilda Xavier Rodrigues.

Conheci a Hilda em 1984. A primeira imagem que retive dela foi o sorriso e uns olhos vivos. Falava com doçura e por vezes não conseguia esconder um sotaque ou escapava-lhe uma palavra em inglês. À medida que me fui envolvendo nas actividades bahá’ís tive a oportunidade de ir conhecendo os seus interesses, o seu caracter e a sua família.

Quando partilhava recordações comecei a perceber que ela pertencia a uma geração de bahá'ís que tinha vivido sob o antigo regime; tinham sido tempos em que era perigoso falar da religião bahá'í. O Centro Bahá'í em Lisboa tinha sido várias vezes "visitado" pela PIDE e diverso material tinha sido confiscado. Apesar de conhecer os obstáculos que o regime ia colocando, Hilda e o marido, tinham tido a coragem de responder ao apelo e instalarem-se na Guiné.

Em 1992, celebrou-se o Centenário do Falecimento de Bahá’u’lláh. Essa efeméride foi assinalada com a realização de várias celebrações. A mais tocante foi uma cerimónia realizada na Terra Santa onde bahá’ís de todo o mundo participaram nas cerimónias do Falecimento. Essas cerimónias foram também a oportunidade para homenagear aqueles que na década de 50 tinham respondido ao apelo do Guardião.

Fui um dos privilegiados da comunidade portuguesa que presenciaram essas celebrações. Seriamos cerca de 3000 crentes de todo o mundo. Nos jardins da mansão de Bahji, onde tinha sido colocadas bancadas especiais, assistimos às orações e leituras da escrituras. Depois seguiu-se os "Cavaleiros de Bahá'u'lláh" passaram à nossa frente caminhando em direcção ao Túmulo de Bahá'u'lláh. Ali ia ser depositado um pergaminho contendo os seus nomes. No meio daquele grupo de idosos que avançava calmamente, sob um sol tórrido de Maio, pude ver a Hilda. Tinha o seu habitual passo sereno, humilde, mas cheio de dignidade.

Talvez fruto do interesse com que seguia as aulas de aprofundamento que eu dirigia em Lisboa, um dia a Hilda ofereceu-me um livro. Era o The Revelation of Bahá'u'lláh, vol.I do Adib Taherzadeh. Na folha de rosto uma dedicatória: "To Marco António, in his shining path. May Bahá'u'lláh always help him. Hilda". Passados alguns meses tive a oportunidade de retribuir aquela gentileza. No Congresso Mundial Bahá’í de Nova Iorque, vi uns sacos em tecido com o logotipo do Congresso; imediatamente pensei: "Isto é o tipo de coisa que a Hilda usa...". E comprei um daqueles sacos. Nos anos seguinte notei como ela o usava orgulhosamente.

A Hilda fisicamente já não está connosco. Um dia, lá nos encontraremos novamente. Para já, posso dizer que foi um privilégio ter conhecido uma mulher assim.

3 comentários:

Anónimo disse...

Talvez não seja o melhor momento para colocar a pergunta, mas a última frase do post enche-me de curiosidade: "Um dia, lá nos encontraremos novamente."
Dá a ideia que o Marco acredita que um dia se voltará encontrar com a sua amiga Hilda. Ora se os bahais acreditam na evolução espiritual, ou seja, num processo em que uma alma ocupa corpos sucessivos a caminho da perfeição, como haverá lugar para um encontro pessoal? Porque as almas "trarão" consigo vários corpos, diferentes mental e fisicamente, e não poderemos falar em pessoa, pelo menos no conceito que temos agora.

Marco Oliveira disse...

Anónimo,

Certamente que haverá uma qualquer forma de nos reconhecermos nessa fase da nossa existência que se segue após a morte do corpo. As escrituras bahá'ís fazem uma analogia entre a nossa evolução neste mundo e a evolução de um bebé no ventre materno: O mundo do além é tão diferente deste mundo, quanto este mundo é diferente daquele mundo da criança que ainda está no ventre materno (Bahá'u'lláh)

Imaginemos dois gémeos no ventre materno. Eles conhecem-se de uma determinada maneira, de acordo com as limitações do seu pequeno mundo. Ali iniciaram o seu desenvolvimento físico que os deve deixar aptos para a fase seguinte da sua existência.

Da mesma forma, neste mundo físico nos vamos conhecendo de acordo com as limitações que a leis da natureza nos impõe. Aqui iniciamos o nosso desenvolvimento espiritual que nos deve deixar aptos para a fase seguinte da nossa existência (que se segue após a morte física).

Não sabemos como se processa essa evolução espiritual; as nossas escrituras afirmam que a alma, depois de se separar do corpo, evolui pelos "mundos de Deus" (que será que isso significa?). Sobre essa evolução, os ensinamentos bahá'ís apenas acrescentam que a alma não volta a um corpo físico, tal como um bebé não regressa ao ventre materno.

Já escrevi sobre este assunto noutra ocasião: http://montecarmelo.blogspot.com/2004/07/nascimento-e-morte.html

Anónimo disse...

Se o mundo do espírito é um mundo energético, não físico; tal como as particulas se atraem ou repelem, assim as energias espirituais afins percorrerão os vales do conhecimento e do desprendimento que os levarão à Grandeza Suprema do TOTAL e ABSOLUTO em que todo o AMOR se funde, - DEUS!Daí, o talvez ser possível reconhecer os espíritos que connosco percorreram os caminhos desta Terra que habitamos, se, por acaso, ao passar a "ponte" se encontrarem num nível semelhante de desenvolvimento.