terça-feira, 27 de junho de 2023

Joaquim Sampaio, o primeiro mártir Bahá’í angolano


O sr. Joaquim Sampaio nasceu em 1922, em Muquixe (na província de Malanje). Desde a sua juventude, era conhecido na zona de Malanje como o “Revelado”, porque tinha um dom espiritual e anunciava que havia uma grande mensagem de Deus que iria unir todos os povos. Dizia também que essa mensagem ainda não tinha chegado a Malanje, mas que ele a reconheceria quando aparecesse.

Em 1956, recebeu uma carta do seu tio, António Francisco Ebo, residente em Luanda que lhe dizia que tinha surgido uma nova mensagem divina. O sr. Sampaio ficou muito curioso e respondeu ao seu tio com três perguntas: Onde estava o Centro dessa Fé? Qual a raça(nação) deste Mensageiro? Qual era a sua missão? O sr. Edo e o sr. Rudolfo Duna enviaram a resposta: O Centro estava na Terra Santa, em Haifa; o Mensageiro veio do Oriente, da Pérsia; a Sua Mensagem era unir toda a humanidade. O sr. Sampaio respondeu: “Esta é a Fé que eu tenho estado à espera!”

Um crente dedicado e entusiasta

Passadas algumas semanas, o sr. Joaquim Sampaio foi a Luanda encontrou-se com o Sr. Duna e o seu tio Ebo, e impressionou os amigos com as suas conversas radiantes, a sua convicção e o seu entusiasmo, mas no calor do momento todos se esqueceram da formalidade da assinatura do cartão de declaração. O sr. Sampaio regressou a Malanje afirmando ser Bahá’í, e provocando agitação em Malanje com as novidades da nova Revelação. Em Dezembro, o casal Duna e sr. Ebo foram a Malanje e formalizaram a declaração do sr. Sampaio, da sua esposa Ana da Costa e Domingos Mateus, os primeiros três Bahá’ís de Malanje. Entretanto, o sr. Sampaio continuou a ensinar a Fé Bahá’í, e no Ridvan de 1957 já existiam 10 crentes. Formou-se a primeira Assembleia Espiritual de Malanje.

Comunidade Bahá'í de Malanje. (aprox. 1959)
O sr. Joaquim Sampaio é o segundo a contar da direita, em pé.
Na frente, está o sr. Xavier Rodrigues.
(foto gentilmente cedida por Stella X. Rodrigues)

O sr. Joaquim Sampaio tinha dificuldades em sustentar a sua família (tinha cinco filhos). Trabalhava como capataz na Cotonang onde ganhava 350 escudos por mês. Nessa época, um bom par de sapatos custava 250 escudos. No seu tempo livre deslocava-se de bicicleta a vários locais para ensinar a Fé. Lia e escrevia cartas à luz de uma lanterna de querosene. Hilda Xavier Rodrigues descreveu-o com as seguintes palavras: “É o tipo de pessoa que adora sair e agir como pioneiro por toda a província, tal é o seu espírito. Adoro a forma como ele sente a Causa e diz aos amigos para se unirem e serem prudentes, para ficarem em silêncio e atentos.

Mais tarde, o sr. Sampaio seria apoiado pela Comissão Nacional de Ensino para trabalhar como professor-viajante a tempo inteiro; mesmo assim, foram várias as ocasiões em que teve dificuldades financeiras, pois era difícil fazer levantamento de ordens de pagamento ou receber transferências bancárias da África do Sul. José Xavier Rodrigues fez tudo o que foi possível para o ajudar com os pagamentos e com o trabalho de ensino, até 1960, altura em que teve de abandonar Angola.

O Mão da Causa John Robarts visitou Angola em 1959 e conheceu o sr. Sampaio em Luanda. Descreveu-o com estas palavras: “Sampaio é magro, subalimentado. Suspeito que passa fome, come muito pouco para que a sua família possa ter um pouco mais.

O Mão da Causa John Robarts numa visita a Luanda, em 1958.
Na foto estão a srª Hilda X. Rodrigues e o sr. Joaquim Sampaio (ao centro)
(foto gentilmente cedida por Stella X. Rodrigues)

Um ambiente hostil

O entusiasmo do sr. Sampaio pela revelação de Bahá’u’lláh e o fervor com que se dedicava ao ensino da Causa levaram, em 1957, vários alunos da escola Evangélica em Quizanga abandonarem a igreja e aceitarem a Fé Bahá’í. Por esse motivo, os pastores da igreja interpelaram o sr. Sampaio tentando “demovê-lo a deixar de ser propagandista da Fé Baha’i, pois era uma religião não conhecida das autoridades e ainda não propagada entre nós, podendo trazer-lhe más consequências”. Sampaio ignorou as advertências e um dos missionários evangélicos informou as autoridades.

Não demorou muito para que a polícia começasse a acompanhar as actividades do sr. Sampaio, considerando-o o principal “catequista-mor” da comunidade Bahá’í. Ainda no ano de 1957, foi chamado a prestar declarações no posto de polícia de Malanje. No registo dessas declarações, o sr. Sampaio descreve como conheceu a Fé Bahá’í, e refere também um sonho místico. Segundo as suas palavras, “leu livros Bahá’ís e gostou muito porque não eram contra a sua religião, nem contra o Estado, pois só tem um Deus e parece que tem a Bíblia como uma das suas bases. Quando começou a ter dúvidas, começou a registá-las num caderno. De noite começou a ter visões em que lhe aprecia um vulto que não conseguia reconhecer, que ia esclarecendo as suas dúvidas sobre várias passagens da Bíblia que até então eram incompreensíveis para ele. Contou estas visões a vários amigos que depois lhe pediram para saber mais sobre a nova religião.

Provavelmente, durante as suas viagens de ensino na província de Malanje, o sr. Joaquim Sampaio testemunhou as terríveis condições em que viviam as populações rurais, obrigadas a cultivar e produzir grandes quantidades de algodão, e frequentemente impedidas de prosseguir com as suas culturas agrícolas tradicionais.

O Sr. Joaquim Sampaio com a esposa Ana e a filha Hilda
Luanda, Junho de 1960
(foto gentilmente cedida por Stella X. Rodrigues)

 Os últimos meses

No início de Janeiro de 1960, o sr. Sampaio escreveu à Comissão Nacional de Ensino: “O povo de Angola tem medo porque são escravos de outra raça e sempre foram dominados. Dizem-nos que se aceitarmos a Fé provavelmente seremos presos. É uma pena que este espírito de medo domine o povo de Angola, pois se Deus os libertasse da sua gaiola, eles ainda teriam medo de voar. Apenas os revelados não têm medo porque eles são servos de Bahá’u’lláh. Isto não se deve à falta de boa vontade para transmitir as Boas-Novas, mas porque as pessoas têm medo até que os inimigos da Fé deixem de lhes fazer mal. Mas o povo testemunha que este, de facto, é o Prometido que o povo aguarda. Vamos ver se em 1960, Angola se tornará mais livre.

Mas Angola tornava-se cada vez menos livre. E as actividades dos Bahá’ís iam sendo acompanhadas pela PIDE. Em Junho de 1960, um documento dessa polícia referia a comunidade Bahá’í e concluía que “os seus membros estão a ser aproveitados para o movimento desnacionalizador com fundamentos e promessa da melhoria dos ensinamentos da paz e da igualdade de direitos.

Em 1961, havia cerca de 50 Bahá’ís em Malanje e outros 50 nas aldeias próximas. Nesse ano teve início a Guerra de Libertação; a violência e a repressão espalharam-se pelo território. A casa do sr. Sampaio estava situada entre uma igreja Católica e uma igreja Evangélica. As actividades em sua casa – as belas canções Bahá’ís de sua autoria ouviam-se – começaram a despertar suspeitas e receios de que os Bahá’ís pudessem ser uma fonte de agitação política disfarçada de religião. Como consequência, a PIDE começou a prender os Bahá’ís mais destacados.

Os primeiros a serem presos foram Silveiro Congo, Daniel Morais e o Soba(chefe) Muheba. Alguns dias depois foram detidos António Soares e Francisco de Castro. Seis Bahá’ís de Malanje, juntamente com outros quatro de Luanda, foram enviados para o campo prisional da Baía dos Tigres, no sul de Angola. Um mês mais tarde, o sr. Sampaio foi levado e nunca mais se soube o que lhe aconteceu. Os crentes angolanos acreditam que morreu na prisão pela sua Fé. Muito provavelmente, terá sido o primeiro mártir Bahá’í angolano.

O historiador Moojan Momen recorda que a agitação política que assolava vários países africanos ansiosos pela independência “teve grande impacto numa comunidade bahá’í crescente”. E sobre os Bahá’ís de Angola, acrescenta: “O clero católico romano decidiu aproveitar-se dos medos das autoridades portuguesas e acusaram os Bahá’ís de serem terroristas. Muitos crentes foram detidos e interrogados. Entre as principais vítimas estava Joaquim Sampaio. Foi levado a meio da noite e nunca mais o viram. Crê-se que terá sido executado ou morrido num campo prisional – por isso, foi ele o primeiro mártir bahá’í e não, como se diz, o guineense Duarte Vieira.

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FONTES: 
- Heroes and Heroines of the Ten Year Crusade in Southern Africa, Lowell Johnson e Edith Johnson
- Documentos da PIDE/Torre do Tombo/Centro Nacional Bahá’í (Portugal)
- Perseguidos no Irão, nem sempre amados em África (20/Maio/2015, RedeAngola, Margarida Santos Lopes)

2 comentários:

Janete Argenton disse...

Que história ( com H) incrível.
O Sr Sampaio deve estar no Reino de Bahá'u'lláh à Sua direit🙏

Anónimo disse...

A volta de 1976 Angola ficou junto com
a Assembleia Nacional da Swazilandia,
Moçambique e Angola.
O Ebo e João Lucala foram como dele-
gados de Angola para a Convenção Nacional na Swazilandia.
Há fotigrafias deste evento com o
Roland.