sábado, 10 de maio de 2025

O que significa o “Regresso” de Cristo?

Por Christopher Buck.


Agora vamos falar sobre o regresso de Cristo — e ver se conseguimos descobrir o que a palavra “regresso” realmente significa. É literal ou simbólica?

Isto pode parecer uma pergunta disparatada. Porquê? Porque cerca de dois mil milhões de cristãos no mundo de hoje acreditam que o regresso de Cristo significa que o próprio Jesus Cristo regressará à Terra, derrotará Satanás e reinará durante 1000 anos. Vários cristãos propõem cenários diferentes para este drama do fim dos tempos, mas os elementos básicos são os mesmos.

Então porquê esta questão, especialmente se o regresso de Cristo é inquestionável para dois mil milhões de cristãos? Para reconsiderar o que realmente significa o “regresso” de Cristo, temos de nos afastar do entendimento universal dos cristãos no passado e no presente. Os ensinamentos Bahá’ís apresentam uma perspectiva diferente.

Os ensinamentos Bahá’ís dizem que uma das melhores formas de compreender o regresso de Cristo é compreender o “regresso” do profeta Elias. Qual é a ligação, perguntam você? É a própria noção de “regresso”.

Deixem-me contar-vos uma história de como cheguei a este entendimento. Embora mais tarde tenha obtido um doutoramento na área da religião da Universidade de Toronto em 1996 (graças ao apoio e incentivo da minha querida esposa, Nahzy), nem sempre fui um académico. Tornei-me Bahá'í quando tinha 22 anos, a 15 de dezembro de 1972. Tinha-me licenciado no início desse ano na Pacific Lutheran University (PLU) em Tacoma, Washington.

Tendo sido educado como cristão — temendo a Deus e a Satanás ao mesmo tempo — tinha algumas dúvidas persistentes sobre se Bahá’u’lláh era de facto o regresso de Cristo, como afirmam os Bahá’ís. Afinal, a salvação da minha alma estava em causa. Esta era uma questão de vida ou de morte para mim, espiritualmente falando.

Nessa altura, estava a ler o livro Respostas a Algumas Perguntas, no qual 'Abdu'l-Bahá responde a perguntas que lhe foram feitas por uma Baha’i no início do século XX. Eis o que li, agora numa nova tradução, no Capítulo 33:

O Regresso dos Profetas

Pergunta: Pode explicar o assunto do Regresso?

Resposta: Bahá’u’lláh apresentou uma longa e detalhada explicação sobre este assunto [no Livro da Certeza]. Leia-o e a verdade sobre este assunto tornar-se-á clara e manifesta. Mas já que levantou a questão, uma breve explicação será também aqui apresentada.

Começaremos as nossas observações com o texto do Evangelho. Está ali registado que, quando João, filho de Zacarias, apareceu e anunciou ao povo a vinda do Reino de Deus, perguntaram-lhe: "Quem és tu? És o prometido Messias?". Ele respondeu: “Não sou o Messias”. Então perguntaram-lhe: “És o Elias?” Ele respondeu: “Não sou”. [Cf. João 1:19–21.] Estas palavras demonstram claramente que João, filho de Zacarias, não era o prometido Elias.

Mas no dia da transfiguração no Monte Tabor, Cristo disse explicitamente que João, filho de Zacarias, era o Elias prometido. Em Marcos 9:11, lemos: “Foram então perguntar a Jesus: «Porque é que os doutores da lei dizem que Elias tem de vir primeiro?» Jesus respondeu: «É verdade que Elias vem primeiro preparar tudo. Mas porque será que as Escrituras dizem que o Filho do Homem há de sofrer muito e ser desprezado? Pois eu afirmo que Elias já veio e fizeram-lhe tudo o que quiseram, como está nas Escrituras a respeito dele.»” E em Mateus 17:13 diz-se: “Os discípulos compreenderam então que Jesus se referia a João Baptista.”

Então, perguntaram a João Batista: “Tu és Elias?” e ele respondeu: “Não sou”, enquanto no Evangelho está escrito que João era o próprio Elias prometido, e Cristo também o afirmou claramente. Se João era Elias, porque é que disse que não era? E se não era Elias, porque é que Cristo disse que era?

A razão é que consideramos aqui não a individualidade da pessoa, mas a realidade das suas perfeições — isto é, as mesmas perfeições que Elias possuía tornaram-se reais também em João Baptista. Assim, João Baptista era o prometido Elias. O que está aqui a ser considerado não é a essência, mas os atributos. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, pp. 149–150)

Vamos analisar mais detalhadamente as provas por detrás da admirável explicação de ‘Abdu’l-Bahá’. No Evangelho de João, foram colocadas três questões distintas a João Baptista:

Questão (e resposta) nº 1:

E este é o testemunho de João, quando os judeus mandaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas para que lhe perguntassem: Quem és tu? E confessou, e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo. (João 1:19-20)

Questão (e resposta) nº 2:

E perguntaram-lhe: Então quê? És tu Elias? E disse: Não sou. (João 1:21a)

Questão (e resposta) nº 3:

És tu profeta? E respondeu: Não… E perguntaram-lhe, e disseram-lhe: Por que baptizas, pois, se tu não és o Cristo, nem Elias, nem o profeta? (João 1:21b, 25)

Estas três questões, duas das quais são mencionadas por ‘Abdu’l-Bahá no excerto anterior, surgem da expectativa, no tempo de Cristo, não de um Messias, mas de três messias: (1) o Rei messiânico (um governante como o Rei David); (2) o sacerdote messiânico (regresso de Elias); (3) e o profeta messiânico (o regresso de Moisés).

Isto é comprovado por evidências nos Manuscritos do Mar Morto (aproximadamente 150 a.C.– 68 d.C.), que falam do tempo futuro quando “o profeta virá, e os Messias de Aarão e de Israel”. (*)

A “cristologia” cristã primitiva — crenças sobre a identidade de Jesus — via Jesus como todos os três messias num só. Por outras palavras, Jesus era o rei, sacerdote e profeta messiânico combinados num só. Isto significa, na perspectiva das expectativas messiânicas na época de Jesus, que ele foi visto pelos seus primeiros discípulos como o “regresso” de Moisés, enquanto João Batista, segundo o próprio Jesus, foi o “regresso” de Elias: “E, se quereis dar crédito, este é o Elias que havia de vir”. (Mateus 11:14)

Por isso, deixem-me contar-vos o que aconteceu logo depois de ter terminado de ler a anterior explicação de ‘Abdu’l-Bahá: fiquei atordoado — completamente atónito! Esta profunda percepção espiritual sobre o que significa o “regresso” de Elias (e, portanto, de Cristo) foi tão surpreendente para mim que experimentei este espanto tanto no corpo como na alma. Depois de perceber de repente o que significa “regresso”, caí na minha cama e comecei a hiperventilar de surpresa e espanto.

Queria contar aos meus pais espirituais a minha descoberta pessoal ao vivenciar esta realização espiritual. Eram cerca das 2h da manhã; estava frio e húmido em Parkland, Washington (bairro onde se situa a PLU). Enquanto deambulava pelas ruas, coloquei as mãos sobre a cabeça e puxei-a com força para baixo, para não flutuar no ar! Sim, estava tonto. Mas, nessa altura, pensava que era mais leve do que o ar.

Sentia-me espiritualmente elevado num transporte místico.

Fui a casa dos meus pais espirituais. Atirei algumas pinhas macias à janela do quarto deles para os acordar. Eles não acordaram. Foi isso. Regressei ao meu humilde quarto alugado.

Ao contar esta história, espero que percebam o quão seriamente eu considerava para esta questão do significado do “regresso” de Cristo. (Eu ainda considero)

Portanto, para resumir, os ensinamentos Bahá’ís apresentam um novo entendimento do “regresso” de Cristo. Não é um regresso literal de Jesus Cristo. Porquê? Porque isso seria reencarnação — uma doutrina estranha ao Cristianismo, histórica e doutrinariamente.

Tal como João Batista, de acordo com a própria Bíblia, viria “no espírito e poder de Elias” (Lucas 1:17), Bahá’u’lláh veio “no espírito e poder” de Jesus Cristo; é nisto que acreditam os Bahá’ís.

Este entendimento sobre o “regresso” tem implicações profundas para perceber o que os Bahá’ís querem dizer quando se referem a Bahá’u’lláh como o “regresso” de Cristo.

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(*) NOTA: Os Manuscritos do Mar Morto (aproximadamente 150 a.C.–68 d.C.) falam do tempo futuro em que três messias aparecerão: ou seja, “o profeta vem, e os Messias de Aarão e Israel” (“Regra da Comunidade”, 1QS 9:9–11; ver “Antologia Messiânica”, 4QTestimonia (ou 4Q175 ou 4QTest) e paralelos).

Os textos bíblicos que comprovam esta tripla expectativa messiânica são os seguintes: (1) o Rei messiânico: Nm 24,15-17; (2) o Sacerdote messiânico: Dt 33,8-11; (3) o Profeta messiânico: Dt 18,18-19. (Ver John C. Poirier, “The endtime return of Elijah and Moses at Qumran” [O regresso de Elias e Moisés em Qumran, no fim dos tempos], Dead Sea Discoveries 10.2 (2003): 221-242, p. 223).

Embora haja certeza se os essénios que escreveram os Manuscritos do Mar Morto estavam realmente à espera do "regresso" do Rei David, eles certamente esperavam o "regresso" de Moisés e Elias.

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Texto original: The “Return” of Christ: What Does it Mean? (www.bahaiteachings.org)


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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuiu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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