sábado, 4 de maio de 2019

Ressurreição dos Mortos: Entre a Fé e a Razão

Por Christopher Buck.


Os ensinamentos Bahá’ís afirmam que a razão e a religião devem estar em harmonia entre si:
Se a religião se opõe à razão e à ciência, a fé é impossível; e quando a fé e a confiança na religião divina não se manifestam no coração, não pode haver realização espiritual. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 299)
Vamos aplicar este princípio fundamental da Fé Bahá’í a um assunto importante do Cristianismo, e também do Judaísmo e do Islão: a ressurreição da humanidade no Dia do Juízo. Como acontecerá isto? Ou melhor: Como é que isso poderá acontecer, se é que alguma vez acontecerá!

A metafísica da ressurreição inclui uma teoria da pessoa humana. Para que fique claro, a “ressurreição” é a base da fé Cristã e refere-se ao triunfo de Jesus sobre a morte; foi com esta perspectiva Cristã que eu fui educado. Depois há a ressurreição dos mortos que deve acontecer no Dia do Juízo. Foi-me ensinado na catequese que, se Jesus conseguiu ressuscitar dos mortos, então nós também conseguiríamos, se fossemos Cristãos fiéis.

Esta promessa era apelativa especialmente para nós, jovens, pois o apego aos nossos corpos físicos era forte e vibrante. A típica doutrina Cristã sobre a ressurreição no fim-dos-tempos tem mais a ver com receber um corpo perfeito e com a juventude eterna aqui na Terra, do que com noções incorpóreas de vida depois da morte. Deste modo, a doutrina da ressurreição física não tem apenas uma natureza sobrenatural (em que as leis da natureza não se aplicam), mas também é uma doutrina algo materialista, pelo menos no seu apelativo carnal. Também é contrária à ciência, como sabemos.

Se o ser humano tem uma alma e é essencialmente um ser espiritual, porque é que o corpo é necessário para além da vida física aqui na Terra? Porque é que a junção de corpo e alma é tão popular nas crenças populares Cristãs sobre o Dia do Juízo? Isto pode dever-se à identidade pessoal e ao apego ao corpo físico.

Assim, a doutrina Cristã sobre ressurreição é problemática, não só do ponto de vista da razão e da ciência, mas também numa perspectiva espiritual. No âmago de tudo isto, o que está em causa é a definição e a doutrina sobre a pessoa humana.

Basicamente, os ensinamentos Bahá’ís afirmam que a alma é imortal e que o corpo é mortal. Por outras palavras, a alma é espiritual e o corpo é físico.

Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como dizem alguns de entre vós que não há ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou” disse S. Paulo aos Coríntios. “E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé.” (1 Cor 15:12-14) Lutei com este critério básico das minhas crenças Cristãs quando conheci a Fé Bahá’í.

Quando me ensinaram sobre a ressurreição na catequese, a consciência individual de uma pessoa não era o único critério da personalidade humana. A consciência exigia a instrumentalização dos sentidos. A sua actuação, num determinado momento após a morte, era garantida pela ressurreição de Cristo enquanto “Deus feito carne”, o que era o mistério central da encarnação. Mas as escrituras Bahá’ís rejeitam a ideia de que Deus possa encarnar:
Sabe tu com certeza que o Invisível não pode, de forma alguma, encarnar a Sua Essência e revelá-la aos homens. Ele está, e sempre esteve, imensamente exaltado para lá de tudo o que possa ser narrado ou compreendido. Do Seu retiro de glória, a Sua voz está sempre a proclamar: “Em verdade, Eu sou Deus; não há outro Deus além de Mim, o Omnisciente, o Sapientíssimo. Manifestei-Me aos homens e enviei Aquele que é a Alvorada dos sinais da Minha Revelação. Através dele fiz com que toda a criação testemunhasse que não há outro Deus salvo Ele, o Incomparável, o Informado de tudo, o Omnisciente. Ele Que está eternamente oculto dos olhos dos homens nunca poderá ser conhecido salvo através do Seu Manifestante, e o Seu Manifestante não poderá aduzir maior prova da verdade da Sua Missão do que a prova da Sua própria Pessoa. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, XX).
A unidade psicossomática – corpo e alma – é destruída com a morte. Então como é que os corpos físicos que tivemos aqui na Terra se podem alguma vez reunir com as nossas almas? Isto é um problema de identidade. Quando estava a investigar a Fé Bahá’í, cheguei a um momento em que tive de repensar a minha identidade pessoal, assim como a base da minha identidade enquanto Cristão. Também tive que repensar o meu entendimento da identidade de Jesus Cristo.

Assim, podem imaginar a minha surpresa e espanto quando li pela primeira vez a seguinte explicação, sábia e serena, de ‘Abdu’l-Bahá:
Ó tu que acreditas no Espírito de Cristo, no Reino de Deus!

O corpo é constituído, em verdade, por elementos corpóreos e toda a composição está necessariamente sujeita à decomposição; mas o espírito é uma essência simples, pura, espiritual, eterna, perpétua e divina. Aquele que procura Cristo na perspectiva do Seu corpo, na verdade, rebaixou-O e afastou-se d’Ele; mas aquele que procura Cristo na perspectiva do Seu espírito, crescerá dia após dia em alegria, atracção, zelo, proximidade, percepção e visão.

Tu tens que procurar o Espírito de Cristo neste dia maravilhoso. O céu para onde Cristo ascendeu não é um espaço infinito. O Seu céu é, em vez disso, o reino do Seu Senhor, o Magnânimo. Assim Ele disse, “O Filho do Homem está no céu”. É sabido, portanto, que o Seu céu está para lá dos limites que cercam a existência e que Ele está elevado para as pessoas que adoram.

Reza a Deus para ascender a este céu, provar a sua comida – e sabe que as pessoas ainda não perceberam até hoje o mistério das Sagradas Escrituras. Acreditam que Cristo esteve privado do Seu céu quando esteve neste mundo, que desceu dos cumes da Sua elevação e posteriormente ascendeu a este cume elevado – isto é, em direcção ao céu que não existe, pois existe apenas espaço. Esperam que Ele desça deste céu sentado numa nuvem. Eles acreditam que há no céu uma nuvem na qual Ele se senta, e na qual descerá; mas, na realidade, as nuvens são vapores que se erguem da terra e que não descem dos céus. A nuvem mencionada nas Sagradas Escrituras é o corpo humano, porque é um véu para eles, tal como uma nuvem, que os impede de ver o sol da verdade que brilha no horizonte de Cristo.

Rezo a Deus para abra perante a tua face os portões da revelação e da visão, de tal maneira que percebas os mistérios de Deus neste dia conhecido. ('Abdu’l-Bahá, Tablets of Abdu’l-Baha, pp. 316–317)
Quando li, pela primeira vez, a frase “Aquele que procura Cristo na perspectiva do Seu corpo, na verdade, rebaixou-O e afastou-se d’Ele”, fiquei atordoado. Foi algo que desafiou a minha identidade Cristã. Nesse momento decidi que se queria ser um verdadeiro Cristão, tinha de me tornar Bahá’í, em vez de permanecer Cristão. Ao abraçar a Fé Bahá’í, eu não estava apenas a aceitar o cumprimento das profecias de Cristo sobre o reconhecimento de Bahá’u’lláh como “regresso” do espírito e poder de Cristo, mas também a reafirmar a minha anterior identidade como seguidor de Jesus Cristo, com uma compreensão totalmente nova.

Nunca tinha percebido antes que os fundamentos das minhas anteriores crenças em Jesus se baseavam primariamente no milagre da ressurreição de Jesus, o que significava, em termos grosseiros, que eu poderia voltar a ter o meu corpo no Dia do Juízo Final.

Assim, depois de ler esta notável explicação de ‘Abdu’l-Bahá, percebi subitamente que a minha “fé era vã”, tal como S. Paulo assegurava – mas por uma razão completamente diferente. Eu acreditava em Cristo por motivos “vãos” (nomeadamente, o meu apego ao corpo físico, juntamente com a promessa da ressurreição física). A minha concepção sobre a pessoa e a obra de Cristo tinham de ser totalmente reconstruídas e reformuladas.

Eu tinha “nascido de novo”, com uma nova compreensão de todas as coisas Cristãs, com um entendimento mais profundo sobre aquilo que Cristo tinha ensinado e realizado – numa forma em que essas crenças já não estavam em contradição com a razão ou a ciência. Para mim, isto foi o triunfo do discernimento – inspirado e ajudado pelos ensinamentos Bahá’ís.

Nesta fase avançada da vida, não tenho muito orgulho em dizer que estou eternamente grato por este importante avanço na natureza fundamental e minha fé e crença em Jesus Cristo, que não só ficou reforçada com a minha adesão à Fé Bahá’í, mas também foi grandemente aprofundada pelos ensinamentos espirituais das escrituras Bahá’ís, e tremendamente ampliada com os princípios universais dos ensinamentos Bahá’ís.

A verdade e o mistério do Dia do Juízo – e a doutrina da “ressurreição dos mortos” que lhe está associada – exige uma nova compreensão, baseado num acto individual de discernimento, com o exercício de um juízo pessoal e independente.

Que isto seja um testemunho de fé – e da razão.

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Texto original: Reason and the Resurrection: Can Faith Stand the Test of Science? (www.bahaiteachings.org)

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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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