sábado, 14 de junho de 2025

A sociedade humana progride?

Por David Langness.

Acredita na causa e efeito? Actualmente, é difícil encontrar alguém que rejeite esta ideia — por isso, a maioria de nós aceita o conceito de causalidade.


Só para verificarem, aqui fica a premissa: um processo (a causa) interage com outro processo e produz o efeito. Os seus pais uniram-se e você nasceu — eles eram as causas, e você é o efeito. A água corrente de um rio flui para baixo devido à lei da gravidade; construímos uma barragem com turbinas; as turbinas produzem eletricidade; a eletricidade alimenta o aparelho que você está a usar agora para ler este texto. Causa e efeito: a causa é responsável e o efeito depende dessa causa.

Actualmente, a causalidade parece-nos elementar porque é a base de todo o método científico. Mas pensemos na causalidade em termos de história por um momento. Se a história é cíclica, como muitos gregos antigos acreditavam, isso negaria a lei da causalidade, porque num universo cíclico causas diferentes resultariam sempre no mesmo efeito básico. Foi assim que surgiu a Teoria Linear da história, e a própria ideia de progresso — os primeiros filósofos e cientistas observaram causas e os seus efeitos e depois aplicaram essa teoria linear à própria história.

Até os filósofos pré-platónicos tinham algumas teorias de causalidade, mas Platão provavelmente disse-o melhor: “…tudo o que existe ou muda deve-o a alguma causa; pois nada pode existir sem uma causa.” – Timeu, 28a.

Aristóteles expandiu esta ideia de causalidade, e os filósofos estoicos, com a sua firme crença na derradeira coerência do universo, levaram-na ainda mais longe:

Os acontecimentos anteriores são causas daqueles que os seguem, e desta forma todas as coisas estão interligadas, e assim nada acontece no mundo que não seja inteiramente consequência disso e a ele ligado como causa. […] De tudo o que acontece segue-se algo mais, dependendo disso por necessidade como causa. (Um filósofo estoico desconhecido)

Faz sentido, certo? A Teoria Linear diz que a própria história se baseia na causa e no efeito, o que significa que o mundo progride constantemente, avançando para um objetivo final.

Na Teoria Linear, a história não se repete, embora alguns acontecimentos possam parecer semelhantes a outros do passado. Mark Twain disse a famosa frase: "A história não se repete, mas rima". Em vez disso, uma visão linear da história reflecte a regra da causalidade — uma coisa acontece, depois outra, e depois outra — tudo a partir da causa original do que quer que tenha acontecido primeiro. Na escola, respondíamos àquelas perguntas de causalidade em todos os testes ou composições de História: "O que causou a Guerra Civil Americana?" ou "Enuncie cinco factores que causaram o colapso da União Soviética".

Dadas as nossas crenças modernas na ciência e no método científico, é difícil argumentar contra a causalidade. Mas eis o principal argumento contra a sua aplicação à história: só porque a causalidade é verdadeira, não significa que a civilização humana progrida realmente. Como o progresso implica melhoria, e o século XX testemunhou tamanha barbárie e guerras globais destrutivas, muitos historiadores argumentam agora contra a própria ideia do progresso humano, chamando-lhe mito. O progresso, dizem, é na verdade uma invenção da era do Iluminismo, posteriormente avançada por Darwin e Spencer, que afirma que a evolução humana tende sempre a tornar a vida melhor. A Primeira Guerra Mundial praticamente acabou com a teoria do progresso de Spencer, chamada "darwinismo social", porque a humanidade viu como os avanços na tecnologia e na guerra nos poderiam levar a regredir em vez de progredir.

Os ensinamentos Bahá’ís apontavam esta dura realidade muito antes da Primeira Guerra Mundial:

Consequentemente, quando observares o padrão ordenado dos reinos, cidades e aldeias, com o encanto dos seus adornos, a frescura dos seus recursos naturais, o refinamento dos seus utensílios, a facilidade dos seus meios de transporte, a extensão do conhecimento disponível sobre o mundo natural, as grandes invenções, os empreendimentos colossais, as nobres descobertas e as pesquisas científicas, concluirás que a civilização conduz à felicidade e ao progresso do mundo humano. Contudo, se voltares o teu olhar para a descoberta de máquinas destrutivas e infernais, para o desenvolvimento de forças de demolição e para a invenção de instrumentos de fogo, que despedaçam a árvore da vida, tornar-se-á evidente e manifesto para ti que a civilização está conjugada com a barbárie. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, nº 225)

A teoria linear da história caiu em desuso no mundo moderno, principalmente por causa deste problema do progresso levantado por ‘Abdu’l-Bahá. Vimos, vezes sem conta, como os avanços materiais e tecnológicos tornaram a vida melhor para uns e muito pior para muitos outros. Os ensinamentos Bahá’ís dizem que isto será sempre assim — até encontrarmos formas de incutir ideais espirituais nas nossas civilizações:

O progresso e a barbárie andam de mãos dadas, a não ser que a civilização material seja confirmada pela Orientação Divina, pelas revelações do Todo-Misericordioso e pelas virtudes piedosas, e seja reforçada pela conduta espiritual, pelos ideais do Reino e pelas efusões do Reino do Poder. (Idem)

No próximo artigo desta série, veremos se conseguimos encontrar uma forma de compreender como estas virtudes individuais e ideais espirituais encontram o seu caminho nas nossas civilizações, examinando a Teoria do Grande Homem da história.

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Texto original: Does Human Society Progress? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 7 de junho de 2025

Procurar a Verdade num Mundo Polarizado

Por Ingo Hofmann.


A pensadora e filósofa judaico-alemã Hannah Arendt, que imigrou para os EUA após a tomada do poder pelos nazis, escreveu em 1957 um artigo intitulado “Verdade e Política” para a revista a New Yorker onde afirmava:

Nunca ninguém duvidou que a verdade e a política se desentendem, e ninguém, que eu saiba, considerou alguma vez a veracidade como uma virtude política. As mentiras sempre foram consideradas ferramentas necessárias e justificáveis, não só do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista.

Esta análise crítica da época da Guerra do Vietname também é aplicável às guerras do século XXI.

Infelizmente, as mentiras, os fanatismos e os preconceitos iniciam guerras.

Então, como é que lidamos com a busca da verdade quando os países e as facções em guerra têm versões completamente diferentes daquilo que consideram ser a verdade? Hoje, o discurso público é ainda mais perturbado pela desinformação e pela propaganda, tornando-se ainda mais difícil procurar e encontrar a verdade.

Numa perspetiva Bahá'í, o encontro de diferentes opiniões marca sempre o início de um processo de busca da verdade, seja em esferas pessoais, fóruns inter-religiosos ou em qualquer outro lugar. De facto, este princípio — a investigação independente da verdade — é uma das crenças fundamentais da Fé Bahá’í. ‘Abdu’l-Bahá, num discurso proferido em Washington, D.C., em 1912, afirmou:

O primeiro ensinamento de Bahá’u’lláh é o dever de todos de investigar a realidade. O que significa investigar a realidade? Significa que o homem deve esquecer todos os rumores e examinar a verdade por si mesmo, pois não sabe se as declarações que ouve estão de acordo com a realidade ou não. Onde quer que encontre a verdade ou a realidade, deve agarrar-se a ela, abandonando e descartando tudo o resto; pois fora da realidade não há senão superstição e imaginação.

Em termos práticos, isto significa que só o caminho, muitas vezes árduo, da consulta — a que podemos alternativamente chamar discussão ou diálogo — conduz, passo a passo, à descoberta da verdade. 'Abdu'l-Bahá disse ainda: "A faísca brilhante da verdade surge apenas após o choque de opiniões divergentes."

Assim sendo, tornou-se crucial que, numa atitude de respeito mútuo, todas as alternativas ou opiniões apresentadas sejam permitidas, e que todos os participantes em qualquer discurso se sintam livres para expressar as suas opiniões. Só a capacidade de encontrar a verdade, apesar da ampla diversidade de opiniões, nos pode ajudar em tempos de crise a evitar a polarização e a divisão. Devemos ouvir todos.

Isto levanta a seguinte questão: como é que a falta de veracidade política lamentada por Arendt contribui para a incerteza, a desconfiança e a polarização? A perda de consenso em questões sociais importantes — nomeadamente, a perda da capacidade para tomar decisões que possam ser igualmente apoiadas pela maioria da população — pode pôr em perigo democracias que dependem da verdade para a sua sobrevivência.

Paz - A  Principal Preocupação da Humanidade


As guerras dos séculos XX e XXI falam-nos agora em termos claros: ninguém “ganhou”. Só houve vencidos. Com a globalização e a crescente divisão do mundo em blocos geopolíticos cada vez mais alienados, esta tendência pode agravar-se. Mais armamento não traz solução. Antes destes dois séculos repletos de guerras sem esperança, Bahá’u’lláh, o fundador da Fé Bahá’í, escreveu sobre uma necessária paz mundial:

Tal paz exige que as Grandes Potências resolvam, para tranquilidade dos povos da terra, reconciliar-se plenamente entre si. Se algum rei pegar em armas contra outro, todos unidos, deverão levantar-se e impedi-lo. Se isto for feito, as nações do mundo não mais precisarão de armamentos, excepto a fim de preservar a segurança dos seus domínios e manter a ordem interna dentro dos seus territórios. (Epístola a Maqsud, ¶8)

Garantir a paz como uma tarefa conjunta de todas as nações do mundo é, por isso, uma tarefa inevitável e necessária para o bem-estar futuro da humanidade.

Com a criação da Sociedade das Nações na década de 1920 e das Nações Unidas na década de 1940, foram dados os primeiros passos nesta caminhada global rumo à segurança colectiva de toda a humanidade. Estes pequenos passos, por mais imperfeitos que fossem, impulsionaram a nossa família humana para o objectivo da unidade e da paz.

Estes primeiros passos reconheceram implicitamente – como os ensinamentos Bahá’ís têm afirmado desde meados do século XIX – que devemos agora considerar toda a raça humana como uma única família, ultrapassando todas as fronteiras, sejam elas nacionais, religiosas ou étnicas. Numa oração que revelou na Igreja de Todas as Almas em Chicago, em 1912, ‘Abdu’l-Bahá pediu ao Criador:

Une todos. Permite que as religiões concordem e faz com que as nações sejam uma só, para que se vejam como uma só família e toda a Terra como um único lar. Que todos vivam juntos em perfeita harmonia.

Embora a humanidade ainda pareça longe de alcançar a justiça social, a harmonia perfeita pareça um objectivo impossível e o desmantelamento de fronteiras continue a ser um desafio em todo o lado, a nossa compaixão por todas as pessoas que sofrem com guerras e aflições deve ser abrangente. Acima de tudo, a compaixão unilateral não deve conduzir ao ódio; o ódio pode facilmente ser utilizado para justificar mais guerras.

Antes da Primeira Guerra Mundial, em 1911, durante um discurso em Paris, 'Abdu'l-Bahá apelou aos seus ouvintes para "mostrarem compaixão e boa vontade para com toda a humanidade". Podemos alcançar melhor este elevado objectivo fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar guerras futuras.

Como? É evidente que a crescente polarização nas nossas sociedades e no mundo em geral é, em grande medida, uma herança do passado. Os ensinamentos Bahá’ís incentivam-nos a alinhar a nossa bússola interior com o futuro, concentrando os nossos pensamentos, discursos e acções no bem-estar de toda a raça humana. Podemos trabalhar para um futuro pacífico se centrarmos os nossos pensamentos e acções ao serviço dos outros — no nosso ambiente pessoal, na nossa região do mundo e, de preferência, à escala global.

Uma versão anterior deste artigo apareceu pela primeira vez em alemão neste link:

https://www.perspektivenwechsel-blog.de/bahai-artikel/diskurs-mitreden

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Texto original: Seeking Truth in a Polarized World (www.bahaiteachings.org)


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Ingo Hofmann é doutorado em física pela universidade de Munique e professor na Goethe-University, em Frankfurt (Alemanha). Nos anos mais recentes trabalho como representante para assuntos externos da Comunidade Bahá'í da Alemanha É autor do livro Apokalypse im Umbruch der Zeit (BoD, 2019) onde apresenta e desenvolve o tema deste artigo.

sábado, 31 de maio de 2025

Einstein acreditava num Criador?

Por Vahid Houston Ranjbar.


Há pessoas que adoptam um conceito muito abstrato de Deus, conceito esse que é referido como o Deus de Einstein.

Einstein referiu-se a si próprio como um crente “panteísta” no “Deus de Espinosa” — um Ser Supremo abstrato e impessoal. Sentia também que o problema de Deus era “o mais difícil do mundo” e considerava-o “demasiado vasto para as nossas mentes limitadas”. Ele disse:

Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia jurídica do mundo, e não num Deus que se preocupa com o destino e as ações da humanidade. (Albert Einstein, entrevista com George Sylvester Viereck, Glimpses of the Great, p. 375)

Embora possa discordar dos detalhes do panteísmo de Einstein, ainda me sinto filosoficamente muito próximo desta abordagem, tal como muitos cientistas modernos. Na verdade, o Deus de Einstein pode ser aplicado ao que eu chamo de “Deus na sua essência”.

Como Bahá'í, negaria qualquer conhecimento pessoal directo de Deus. No entanto, acredito que existe um Criador real manifesto no universo, abstraído sob este "Deus na sua essência", que está consciente, é pessoal, e que tem sido descrito através de mensageiros ao longo da história humana — o mesmo Deus teísta descrito pelos profetas e fundadores das principais religiões. Os ensinamentos Bahá’ís referem-se a este Criador como uma “Essência” incompreensível e incognoscível:

Sabei que a realidade da Divindade e a natureza da Essência divina é a sacralidade inefável e a santidade absoluta; isto é, está exaltado acima e santificado para além de todo o louvor. Todos os atributos conferidos aos mais elevados graus da existência são, em relação a esta condição, mera imaginação. O Invisível e o Inacessível nunca poderão ser conhecidos; a Essência absoluta nunca poderá ser descrita. Pois a Essência divina é uma realidade abrangente, e todas as coisas criadas são abrangidas. O que tudo abrange deve ser certamente maior do que aquilo que é abrangido, e assim este último não pode de modo algum descobrir o primeiro ou compreender a sua realidade. Por muito que as mentes humanas possam evoluir, mesmo que alcancem o mais elevado grau da compreensão humana, o limite máximo desta compreensão é contemplar os sinais e os atributos de Deus no mundo da criação e não no reino da divindade. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, p. 165)

Compare-se esta perspectiva, originalmente expressa por ‘Abdu’l-Bahá em 1904, com a de Einstein, numa entrevista que deu em 1930:

A mente humana, por muito bem treinada que esteja, não consegue compreender o universo. Estamos na condição de uma criança pequena, a entrar numa enorme biblioteca cujas paredes estão cobertas até ao tecto com livros em muitas línguas diferentes. A criança sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros. Não sabe quem, nem como. Ele não compreende as línguas em que estão escritos. A criança nota um plano definido na disposição dos livros, uma ordem misteriosa, que não compreende, mas apenas suspeita vagamente. Esta, parece-me, é a atitude da mente humana, mesmo a mais grandiosa e culta, em relação a Deus. Vemos um universo maravilhosamente organizado, obedecendo a determinadas leis, mas compreendemos essas leis apenas vagamente. As nossas mentes limitadas não conseguem compreender a força misteriosa que influencia as constelações. (Albert Einstein, entrevista com George Sylvester Viereck, Glimpses of the Great, pp. 372-373)

Apesar destas visões sofisticadas de um Motor Imóvel no universo, a religião, em particular grande parte do teísmo tradicional, parece estar em total declínio na cultura mais ampla. Cada vez menos pessoas, sobretudo os jovens, querem ter qualquer relação com a fé religiosa tradicional. Na minha experiência, os ataques ao teísmo parecem estar a crescer na natureza da sua crueldade, no ridículo e no escárnio, espalhando-se para além da classe intelectual tradicional e atingindo todas as classes sociais. À medida que este tipo de descrença se espalha, o antagonismo dirigido à religião parece crescer, alimentado por um sentimento de traição e pela raiva de se sentir enganado.

Muitos observadores atribuem esta tendência ao assassinato em massa, à tirania, à corrupção e à celebração da ignorância perpetrados em nome da religião, tanto no passado como no presente. Por vezes, porém, a rejeição do teísmo tornou-se tão dogmática e irrefletida que reflete a mentalidade do literalista ultrarreligioso — sendo qualquer indício de teísmo considerado uma espécie de ilusão anticientífica e tirânica, rejeitado sem qualquer consideração. Por outro lado, aqueles que ainda se agarram às crenças tradicionais literalistas, embora em declínio, tornaram-se agora mais incisivos na sua rejeição da ciência e do intelectualismo.

É claro que muitos teístas aceitam a racionalidade e a autoridade da ciência moderna, mas as suas vozes parecem mais fracas e os argumentos para a crença mais vagos, e por vezes a ciência parece opor-se à sua posição.

Em apoio desta posição — uma fé firme num Criador coerente e coexistente com uma aceitação racional das verdades exemplificadas pela ciência — quero expor as minhas razões lógicas para a crença no segundo ensaio desta série de três partes.

Devo dizer em primeiro lugar, porém, que tenho outras razões mais importantes baseadas na minha experiência pessoal com as Escrituras de Bahá’u’lláh, a oração e a meditação, mas estas podem não ser facilmente compreendidas por outros — pelo que, no próximo ensaio, vou cingir-me à razão, à lógica e à ciência, tal como Einstein fez.

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Texto original: Did Einstein Believe in a Creator? (www.bahaiteachings.org)


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Vahid Houston Ranjbar é um físico que trabalha no Relativistic Heavy Ion Collider no Brookhaven National Labs.

sábado, 24 de maio de 2025

Em que Teoria da História podemos acreditar?

Por David Langness.


Como funciona a história? Quando os historiadores analisam as idades da humanidade, como explicam o nosso progresso — ou a falta dele? Que forças impulsionam a história?

Eis a questão principal, que abrange todas as outras questões sobre o estudo da história: como damos sentido ao passado?

Responder a estas questões complexas sobre a história humana significa criar uma explicação compreensível e racional dos acontecimentos, estruturas e processos que nos possam dizer como e por que razão passámos das cavernas para os arranha-céus.

Os historiadores há muito que tentam responder a estas questões — desde os antigos filósofos gregos. Literalmente, centenas de teorias e filosofias da história foram propostas ao longo dos séculos. A maioria dos cursos de nível universitário sobre história mundial condensa todas estas teorias em seis categorias principais:
  • A Teoria Cíclica, onde a história se repete sem fazer qualquer progresso real
  • A Teoria Linear, onde o mundo melhora e progride constantemente
  • A Teoria do Grande Homem, que afirma que a história é impulsionada pelos grandes homens
  • A Teoria do Homem Comum ou do Povo, que afirma que a história é moldada por pessoas comuns
  • A Teoria Geográfica, que propõe a geografia como destino
  • A Teoria Marxista, que afirma que a história é uma contínua da luta de classes
Nesta série de artigos, examinaremos brevemente as verdades subjacentes a todas estas seis teorias relevantes, e tentaremos explorar quais delas se ajustam melhor à nossa compreensão contemporânea da história humana. Examinaremos também uma sétima teoria singular, apresentada pela primeira vez nos ensinamentos Bahá’ís, que desafia todas as percepções existentes da história e segue um caminho completamente diferente para explicar a evolução da civilização humana.

Estão preparados? Então vamos a isto — comecemos pelo princípio.

A teoria cíclica da história afirma, basicamente, que as pessoas repetem invariavelmente uma série de padrões recorrentes. Os mitos de muitas culturas antigas promoviam esta concepção não linear da história e do tempo, afirmando que a história oscilava para a frente e para trás, repetidamente, entre Idades das Trevas e Idades de Ouro alternadamente. A teoria cíclica afirma que as civilizações ascendem e caem pelas mesmas razões básicas — por outras palavras, a história repete-se infinitamente. Tal como a natureza, várias sociedades humanas passam por padrões de desenvolvimento idênticos em ciclos que se repetem periodicamente.

Historiadores gregos como Heródoto, Tucídides e Políbio acreditavam na teoria cíclica da história, onde não se verifica qualquer progresso real — na verdade, o progresso, de acordo com este conceito, é um mito:

A história é uma roda, pois a natureza do homem é fundamentalmente imutável. O que aconteceu antes, inevitavelmente voltará a acontecer. (George R.R. Martin)

O que é constante na história é a ganância, a insensatez e o amor ao sangue, e isso é algo que até Deus — que sabe tudo o que pode ser conhecido — parece impotente para mudar. (Cormac McCarthy)

A teoria cíclica sustenta que a natureza humana — seja ela boa ou má — determina sempre a história. Aqueles que defendem a teoria cíclica diriam que a natureza humana nunca muda; e, por isso, a história também não pode mudar, registando assim muitos ciclos repetitivos de realizações e loucuras humanas.

Os grandes filósofos gregos — Sócrates, Platão e Aristóteles — defendiam todos uma variante da teoria cíclica da história. Na Atenas antiga, porém, provavelmente consegue compreender porquê — a sociedade humana ainda não tinha progredido muito e estava nos primórdios da civilização moderna. Ainda atormentada pela escravatura, pelas guerras constantes e pelos índices de escolaridade muito baixos, a cultura ateniense testemunhou o primeiro florescimento da civilização ocidental — mas ainda tinha um longo caminho a percorrer.

Talvez isso ajude a explicar a teoria cíclica da história, que não exigia uma resposta sofisticada à questão de dar sentido ao passado. Em vez disso, baseava-se no que se sabia na época sobre o carácter humano e reconhecia o facto de que todas as pessoas terem as mesmas escolhas essenciais — ser nobre ou vil, bom ou mau, generoso ou agressivo. Estas escolhas, sustenta a teoria cíclica, determinam a história humana e será sempre assim.

Os ensinamentos Bahá’ís atribuem alguma verdade à teoria cíclica, pois os ideais Bahá’ís centram-se nos nossos traços de carácter pessoal e nas nossas virtudes, ou na falta delas. Os Bahá’ís acreditam que estes traços, no seu conjunto, podem ter um impacto profundo na civilização em geral:

Em suma, o homem está dotado de duas naturezas: uma tende para a sublimidade moral e para a perfeição intelectual, enquanto a outra volta-se para a degradação bestial e para as imperfeições carnais. Se viajardes pelos países do globo, vereis de um lado os vestígios da ruína e da destruição, enquanto do outro vereis os sinais da civilização e do desenvolvimento. Essa desolação e ruína são o resultado de guerras, conflitos e disputas, enquanto todo o desenvolvimento e progresso são fruto das luzes da virtude, da cooperação e da concórdia. (Selections from the Writings of 'Abdu'l-Bahá, nº 225)

Mas a teoria cíclica da história não se enquadra inteiramente no modelo da história que se encontra nos ensinamentos Bahá’ís, porque os Bahá’ís acreditam definitivamente que a sociedade humana pode progredir:

A educação humana, no entanto, consiste na civilização e no progresso, isto é, governação sólida, ordem social, bem-estar humano, comércio e indústria, artes e ciências, descobertas importantes e grandes empreendimentos, que são as características centrais que distinguem o homem do animal. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, p. 9)

No próximo artigo desta série, examinaremos a Teoria Linear da história, a ideia de que o nosso mundo melhora e progride constantemente.

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Texto original: Which History Do You Believe In? (www.bahaiteachings.org)

 
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 17 de maio de 2025

Lidar com as minhas emoções enquanto a morte me aguarda

Por Mahin Pouryaghma.

Enquanto escrevo este texto no meu lar de idosos, após o meu diagnóstico de cancro no nível 4, estou a sentir-me abençoada porque a pior dor do cancro ainda não me atingiu, e estou a viver uma vida normal. Louvado seja o Criador!

Mas hoje sinto-me tão triste! À medida que envelhecemos e nos aproximamos da nossa transição para o outro mundo, somos frequentemente atormentados por testes e provações mentais e físicas muito difíceis.

Aqui no lar de idosos, estou a fazer novas amizades. Estamos todos na mesma fase das nossas vidas físicas, por isso temos muito em comum. Nas últimas semanas, eu e alguns amigos meus almoçamos juntos no refeitório para os residentes em “cuidados especiais” – o que inclui aqueles que sofrem de demência em diferentes graus. A minha nova amiga, a mulher mais próxima de mim e paciente de cuidados especiais, é muito instruída, deu aulas na faculdade, fala francês e inglês e até escrevia uma coluna para os jornais.

Nos seus dias lúcidos, tínhamos óptimas conversas, mas durante os últimos dois dias a sua raiva, frustração, paranoia e agressividade com os cuidadores aumentou perigosamente. Foi relatado que ela estava a falar em suicídio ou talvez em agredir outras pessoas. Assim, hoje almocei com ela, esperando ser útil.

Ao almoço, ela não foi hostil ou indelicada comigo, mas comportou-se dessa forma com todos os outros. Depois de ter regressado da consulta médica esta tarde, disseram-me que ela tinha sido transferida para um hospital psiquiátrico, com a expectativa de lá ficar alguns meses, ou talvez para sempre. O lar de idosos onde resido agora não consegue lidar com os tipos de problemas que estão a ocorrer na sua mente.

Estes tipos de problemas mentais, juntamente com as inevitáveis doenças físicas que acompanham a idade, geralmente afectam os idosos nas últimas fases das nossas vidas físicas, e podem trazer-nos as maiores provações psicológicas e espirituais.

No entanto, sinto-me confortada pelo facto de os ensinamentos Bahá’ís se referirem a estas provações como doenças puramente mentais e físicas. Bahá’u’lláh, quando questionado sobre tais enfermidades e os seus efeitos na alma, afirmou:

Perguntaste-Me se o homem, para além dos Profetas de Deus e dos Seus eleitos, após a sua morte física, manterá a mesma individualidade, personalidade, consciência e compreensão que caracterizam a sua vida neste mundo. Se for este o caso, como é que, observaste, que ferimentos tão ligeiros nas suas faculdades mentais, como desmaios e doenças graves, o privam da sua compreensão e consciência, a sua morte, que deve incluir a decomposição do seu corpo e a dissolução dos seus elementos, é impotente para destruir esse entendimento e extinguir essa consciência? Como pode alguém imaginar que a consciência e a personalidade do homem se manterão, quando os próprios instrumentos necessários à sua existência e função estarão completamente desintegrados?

Sabe que a alma do homem está enaltecida acima e é independente de todas as enfermidades do corpo ou da alma. O facto de uma pessoa doente apresentar sinais de fraqueza deve-se aos obstáculos que se interpõem entre a sua alma e o seu corpo, pois a própria alma permanece inalterada por quaisquer enfermidades corporais. Considera a luz da lâmpada. Embora um objeto externo possa interferir com o seu brilho, a própria luz continua a brilhar com um poder inalterado. Da mesma forma, toda a doença que aflige o corpo do homem é um obstáculo que impede a alma de manifestar a sua força e poder inerentes. Quando abandona o corpo, porém, evidenciará um tal ascendente e revelará uma tamanha influência que nenhuma força na terra pode igualar. Toda a alma pura, refinada e santificada estará dotada com um enorme poder e regozijar-se-á com uma imensa alegria. (Gleanings, LXXX)

Estou feliz por ser este o caso, embora me sinta intensamente triste, incapaz de a voltar a ver e nem sequer de me despedir dela. Vou sentir muito a sua falta, e sinto que este lugar sem ela não será o mesmo para mim.

Mas agora: é tempo de pânico para mim! Esta noite, senti dores no lado direito do abdómen, exactamente onde, se for devido a um cancro no fígado, provavelmente se manifestaria. Depois tomei alguns medicamentos ligeiros de venda livre e a dor desapareceu quase completamente. A dor pode dever-se a problemas no meu cólon ou estômago, e como a dor não aparece de forma consistente e permanece comigo, então sei que o meu pânico é em vão.

Percebo que a minha luta é comigo mesma.

Aqui, chegando ao fim da minha existência física, digo a mim mesma que estou pronta para tudo e confiando apenas na Vontade de Deus - e, no entanto, temo a dor do cancro. Então, estou verdadeiramente a confiar em Deus ou não estou realmente a confiar n’Ele? Este não é um lugar emocional ou espiritual confortável para mim. As minhas emoções estão a brincar comigo, colocando-me num ciclo de medo e aceitação.

Apesar de tudo isto, percebo que sou muito abençoada por ter a força da minha mente racional, que me ajuda a evitar imaginações vãs e ociosas. Espero manter-me firme na minha crença de que o Criador cuidará de mim até ao último suspiro, como Ele fez durante toda a minha vida, e moderar a oscilação das minhas emoções.

As minhas emoções!

Por todas estas razões, sinto-me tão sozinha esta noite e apetece-me chorar. Sei que estes sentimentos passarão rapidamente, e voltarei a ser eu própria. Vou sair do meu quarto e provocar os outros residentes e cuidadores com as minhas piadas.

E isto fez-me lembrar outra coisa: tenho um plano maravilhoso para a minha viagem de regresso a casa. Já comprei o meu caixão, e é lindo, mas agora mudei de ideias e quero trocá-lo pela versão dupla. A razão? Bem, eu sei que é um longo caminho daqui até ao outro mundo, e não quero passar fome no caminho, por isso vou encher o resto do caixão com muitos chocolates, talvez uma pizza grande de massa grossa com tudo lá dentro, e um grande copo de gelado Oreo Blizzard.

Obrigado por me ouvirem. Agora estou a sentir-me muito melhor e vou provocar os outros.

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Texto original: Dealing with My Emotions as Death Awaits (www.bahaiteachings.org)


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Mahin Pouryaghma, tem quase 87 anos, e é iraniana. Desde 1964 que vive na América do Norte e actualmente vive em Marshallville, Geórgia. Mahin comprometeu-se com a Fé Bahá’í desde os seus 30 anos, com o objectivo de servir Deus servindo a humanidade.