quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Richard Betts: algumas memórias pessoais

Com o Richard Betts (2009) [Foto de Helena Vasco]

Conhecemo-nos desde Agosto de 1984. Foi numa escola de verão, em Coimbra. Ele encontrava-se naquele evento com a família. Eu ainda estava a conhecer a Fé Bahá’í. Mas aquele Bahá’í americano tinha qualquer coisa de especial. Simpatizámos um com o outro, descobrimos diversas afinidades e percebemos que podíamos falar de diversos temas com muita profundidade.

As raízes do Richard estendem-se ao Peru, onde o seu pai fora um dos primeiros Bahá’ís peruanos. Mas fora nos Estados Unidos que ele crescera e amadurecera. Formado em engenharia, trabalhou na NASA, e serviu durante vários anos na Assembleia Espiritual Nacional dos Estados Unidos. Conhecia profundamente a Comunidade Bahá’í Americana e tinha um vasto conhecimento das Escrituras Bahá’ís, e frequentemente citava os textos do Guardião.

Em 1980, mudou-se com a família para Portugal; eram pioneiros Bahá’ís. A mudança implicou uma alteração na sua vida profissional. Foi assim que assumiu a direção de uma empresa exportadora de porcelanas. Mas essa deslocação para Portugal não impediu de colaborar activamente na organização do Congresso Mundial Bahá’í de 1992, em Nova Iorque.

Frequentemente, falava de ciência, religião e questões sociais, com um raciocínio que sempre seguia uma linha de racionalidade. Recordava os muitos problemas que enfrentara no projecto do Space Shuttle (“Imaginas o que é despejar em seis segundos um depósito de hidrogénio com um volume equivalente a uma piscina olímpica?”), os desafios da comunidade Bahá’í (“Temos de desenvolver actividades básicas, mas também devemos ser capazes de relacionar as questões actuais com os ensinamentos Bahá’ís. Precisamos de ter um discurso público que seja apelativo para a sociedade…”) e as preocupações do momento (“os efeitos das próximas eleições nos Estados Unidos são apenas parte de um processo de transformação mundial…”).

Traduzindo uma palestra do Richard (2019)
[Foto de Jack Harmsen]
Por vezes, telefonava-me com um pedido: tinha sido convidado para falar num encontro Bahá’í e precisava de um tradutor (falar português não era o seu forte). E com uma gargalhada esclarecia: “Tens de ser tu ou a Margarida para me traduzir…” Naturalmente, aceitava o convite para ser tradutor.

Quando por volta de 2008, o Centro Mundial Bahá’í começou a planear o restauro das telhas douradas do santuário do Báb, o Richard identificou uma empresa de Leiria capaz de produzir as telhas de acordo com os requisitos exigidos. No fundo, ele tinha um vasto conhecimento sobre produção de porcelanas, e conhecia as competências de diversas empresas portuguesas nesse mercado

Após vários contactos e negociações, o restauro foi feito com as telhas produzidas em Portugal. Havia um indisfarçável sentimento de orgulho entre os Bahá’ís de Portugal por ver o “nosso” contributo no Santuário. Nessa ocasião, o Richard confidenciou: “Tenho a impressão que foi a Providência que me trouxe como pioneiro para Portugal para que eu pudesse prestar este serviço”. Para mim, fazia sentido.

Nas muitas conversas que tivemos as suas palavras tinham sempre um encorajamento para várias iniciativas que tomei. Nos primeiros anos do blog Povo de Bahá, constatava: “Tu és presença Bahá’í na internet em língua portuguesa”. Quando lhe falei das minhas apresentações nos seminários do Irfan, comentou “Definitivamente, tornaste-te um erudito. A Fé Bahá’í precisa de eruditos.” Quando surgiu a oportunidade de publicar um livro Bahá’í numa editora comercial, não escondeu o seu entusiasmo: “É uma oportunidade a não perder! E se é preciso financiamento, digo-te já algumas pessoas que muito provavelmente estarão interessadas em financiar esse projecto…” Foi assim que surgiu o livro Terapia Divina. E quando lhe falei da minha investigação sobre a história de Joaquim Sampaio, foi assertivo: “Isto é aquele tipo de histórias que devemos preservar e divulgar na comunidade”.

Os anos passavam, perdia algum vigor físico, mas mantinha-se intelectualmente activo. Estava sempre a ler algum livro que trazia uma nova perspectiva sobre um assunto. E também seguia alguns programas na TV. Muita do que lia e assistia na TV era tema de conversa. E as nossas conversas começavam sempre da mesma maneira.

- Olá Richard, como estás?

- Olá Marco! Como é que eu estou? Sabes, na minha idade, quando acordo e percebo que estou vivo, fico feliz. É uma bênção estar vivo e conseguir ter autonomia.

- Ainda bem que te sentes bem. E como estão os teus filhos?

- Falo com eles todas as noites. Eles estão bem e querem sempre que todos os dias eu lhes diga que estou bem.

- Tens visto as notícias? O que achas de tudo isto que está a acontecer no mundo?

- É incrível. Há transformações surpreendentes e outras assustadoras. Mas tudo isto é um processo que vai levar a humanidade a amadurecer colectivamente…

Ao telefone a conversa prolongava-se durante longos minutos; mas quando nos encontrávamos pessoalmente, geralmente para um almoço, o diálogo demorava algumas horas. E as conversas eram sempre interessantes e marcadas pelo seu bom humor.

Recentemente, perguntei-lhe porque estava a viver sozinho em Portugal. Não preferia estar a viver próximo dos filhos, tal como o meu Pai. A resposta veio com um grande sorriso.

- Gosto tanto de Portugal. É aqui que quero ficar, é aqui que quero morrer. Estou grato a Bahá’u’lláh pela vida que tive.

O Richard deixou-nos na madrugada do dia 16 de Dezembro.

Já sinto falta dele.

sábado, 14 de dezembro de 2024

O que dizem os hábitos de leitura sobre cada um de nós?

Por David Langness.


Uma pessoa que não lê não tem qualquer vantagem sobre aquela que não sabe ler. - Mark Twain

Muitas pessoas perguntam-me se eu naufragasse e pudesse ter apenas um livro, qual seria? Eu digo sempre: “Como construir um barco”. - Stephen Wright

Você lê muito?

Provavelmente não preciso de fazer esta pergunta – afinal, você está a ler agora. Mas vamos explorar um pouco mais a fundo e ver se conseguimos descobrir alguma coisa sobre os seus hábitos de leitura. Segundo os especialistas, os seus hábitos de leitura dizem muito sobre si.

Assim, vejamos um teste simples de cinco questões:
  • Qual foi o último livro que leu, do início ao fim?
  • Tem algum cartão de biblioteca/livraria? Se sim, quantos livros tem requisitados?
  • Quantos livros possui?
  • Em quantos dias numa semana costuma ler por prazer?
Se não se consegue lembrar do último livro que leu, não tem cartão da biblioteca, não possui livros ou nunca leu por prazer, talvez deva em entregar-se às alegrias da leitura. É fácil. É divertido. Pode até ser gratuito. Vá à sua biblioteca pública ou à sua livraria local ou compre um livro online e sente-se, talvez com uma chávena de café, e depois descontraia.

Se naufragou, veja se consegue encontrar um exemplar do “Como construir um barco” enterrado na areia. Se gosta, digamos, de histórias sobre feiticeiros e vassouras voadoras, leia um livro do Harry Potter. Se gosta de um grande mistério, leia James Lee Burke ou Walter Mosley. Se gosta de literatura lírica, leia Susan Straight, Cormac McCarthy ou Toni Morrison. Se gosta do amor, leia Shakespeare.

Se, por outro lado, se lembra claramente do último livro que leu (porque o terminou ontem à noite); se tem um cartão de biblioteca bem usado e uma pilha de livros na mesa de cabeceira; se possui mais de uma dezena de livros e precisa de construir novas estantes; se lê sempre que pode, então estas respostas significam que é um leitor genuíno. Talvez, como eu, seja um viciado em livros. Bem-vindo ao clube. Repitam comigo: admitimos que os livros são mais fortes que nós – que as nossas bibliotecas se tornaram incontroláveis. (os AA que me desculpem!)

Qualquer que seja a categoria em que se encontrem, gostaria de vos convidar cordial e humildemente a ler algo novo, algo que talvez não pense ler com muita frequência, algo verdadeiramente notável: os livros sagrados. Nesta série de ensaios sobre a leitura de algo sagrado todos os dias, tentarei convencer-vos de que este tipo de leitura vai realmente mudar as vossas vidas – porque vai mesmo.

Mas primeiro, vamos tratar por um momento o termo “sagrado”, que é um tanto assustador e desencorajador. É uma palavra com uma característica excessivamente preciosa e algo pretensiosa nos dias de hoje, não é verdade? O meu dicionário apresenta vários sinónimos para sagrado: “santo, puro, venerável, sublime e excelso”. Alguém se considera santo, puro, venerável, sublime ou excelso? Não? Nem eu. Nem de perto. Mas estou a trabalhar nisso …

Mas o que podemos considerar sagrado? Talvez a Torá, ou o Bhagavad Gita, ou a Bíblia, ou o Alcorão, dependendo da sua orientação religiosa? Poderíamos classificar estes livros como sagrados?

Quando eu era criança tinha uma avó luterana muito devota e piedosa, de quem eu gostava muito. Era uma das pessoas mais bondosas e doces que já conheci. Uma vez, quando eu tinha cerca de quatro anos, ela estava a ler-me um livro infantil no sofá da sala. Quando terminámos, coloquei o livro numa mesa próxima, em cima de outro livro. A minha avó pegou imediatamente no livro infantil, colocou-o noutro lugar da mesa e, com voz baixa e algo admirada, disse: “David, nunca colocamos outros livros em cima da Bíblia”.

Isto foi algo que me marcou, não tanto por causa da sua regra invulgarmente piedosa sobre empilhar livros, mas porque me mostrou que ela considerava a sua Bíblia como sagrada. Ela tinha a Bíblia em alta consideração, venerava-a e protegia-a de ser desvalorizada ou desrespeitada – ou mesmo ser coberta por outro livro. Com isso, ela transmitiu-me a minha primeira percepção do sagrado. Aprendi, com a minha querida avó, que algumas coisas têm uma grande importância, e que devemos respeitar essa importância.

E vocês? O que consideram sagrado?

Para mim, o mais sagrado do mundo não é uma coisa – em vez disso, penso nos grandes ensinamentos religiosos do mundo, na sua forma original, como verdadeiramente sagrados:

A essência de todas as religiões é o Amor de Deus, e é a base de todos os ensinamentos sagrados. (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, p. 83)

Os Bahá’ís acreditam que estes ensinamentos sagrados chegam à humanidade através dos profetas de Deus, mensageiros sagrados que personificam a luz do Divino. Cristo, Moisés, Buda, Krishna, Maomé, Zoroastro e agora Bahá’u’lláh vieram todos trazer alegria infinita a esta Terra e fazê-la florescer mais uma vez:

O homem é como uma árvore. Se estiver adornado com frutos, foi e será sempre digno de louvor e elogios. Caso contrário, uma árvore infrutífera só serve para o fogo. Os frutos da árvore humana são requintados, muito desejados e muito apreciados. Entre eles estão o carácter íntegro, as acções virtuosas e uma boa expressão. A primavera para as árvores terrestres ocorre uma vez por ano, enquanto a primavera para as árvores humanas aparece nos Dias de Deus – exaltada seja a Sua glória. Se as árvores da vida dos homens fossem adornadas nesta Primavera divina com os frutos que foram mencionados, o brilho da luz da Justiça iluminaria, com certeza, todos os habitantes da terra, e todos permaneceriam em tranquilidade e contentamento, sob a sombra protetora d’Aquele que é o Objecto de toda a humanidade. A Água para estas árvores é a água vivificadora das Palavras sagradas proferidas pelo Amado do mundo. (Tablets of Baha’u’llah, p. 257)

No próximo artigo desta série, vamos ver quais as palavras que são verdadeiramente sagradas.

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Texto original: What Do Your Reading Habits Say About You? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA

sábado, 7 de dezembro de 2024

Jesus é Deus? A resposta Bahá'í

Por Maya Bohnhoff.


Ela não era realmente Cristã.” Esta foi a conclusão de um encontro que a minha filha em idade universitária teve com um amigo Cristão, Eli, que conversou com ela e com vários outros estudantes Bahá’ís.

A pessoa em questão (“Ela”) era eu.

A opinião surgiu da curiosidade do Eli sobre como a minha filha se tornou Bahá’í. Ela explicou que nasceu numa família Bahá’í, mas que a sua mãe tinha vindo para a Fé a partir de uma formação Cristã.

O Eli perguntou “Qual era igreja?

A resposta foi “muitas” por causa da forma como a minha mãe se sentia ao ouvir mensagens do púlpito sem fundamento no texto bíblico. Quando eu era criança, a nossa família frequentou igrejas baptistas, católicas, presbiterianas, metodistas, episcopais, congregacionalistas e não denominacionais.

Depois o Eli perguntou: “As igrejas dela ensinavam que Jesus era Deus?

A minha filha disse-lhe que pensava que as minhas igrejas ensinavam que Jesus Cristo era o Filho de Deus, e isso provocou a resposta simples e imediata de Eli de que eu nunca tinha sido realmente Cristã.

Alguns de vós podem pensar que deveria ser uma resposta fácil e imediata. Ou Jesus é Deus, ou não é Deus; e podem pensar que acreditar numa ou noutra é o critério para a salvação. Mas a realidade é que esta certeza binária só existe na distinção entre a realidade espiritual infinita de Deus e a nossa capacidade de a compreender do nosso ponto de vista muito finito, físico – atrevo-me a dizer, materialista.

A resposta que eu teria dado ao Eli se ele me tivesse feito a pergunta directamente é esta: na medida em que podemos compreender Deus, Jesus Cristo é Deus. Na medida em que Deus está santificado acima das limitações humanas, Jesus não é Deus… mas reflecte perfeitamente a realidade divina de Deus porque o seu próprio Espírito — o Espírito que fala no Livro do Apocalipse — é gerado por Deus.

Vejamos a Bíblia para validar isto, começando pelo que Cristo nos diz no Evangelho de João sobre o tipo de Ser que Deus é: “Deus é espírito e os que o adoram devem fazê-lo no Espírito e em verdade.” (4:24)

A Bíblia afirma também na Epístola aos Hebreus (cap. 1) que embora apareça como ser humano, Jesus Cristo é o filho e “imagem expressa” deste Espírito:

Nos tempos antigos, Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados pelos profetas. Mas agora, que o fim está perto, falou-nos por meio do seu Filho. Foi por meio dele que Deus criou o Universo… Ele é o reflexo da glória de Deus e a imagem perfeita da sua pessoa... ele tomou o seu lugar no trono celeste à direita da majestade divina.

A maioria das traduções portuguesas da Bíblia diz que Cristo é “o reflexo da glória de Deus”. Não é uma descrição que sugira sequer que Deus, a derradeira realidade espiritual, deixou o reino espiritual e desceu literalmente a um corpo humano, ou que o Infinito se tornou finito. Na verdade, todas as traduções mantêm Deus no “céu” ao descreverem Cristo como um selo, uma marca, uma expressão, um reflexo do Espírito de Deus em forma humana.

Quando fui confrontada com a Fé Bahá'í aos 19 anos, naturalmente refugiei-me nas minhas próprias Escrituras Cristãs para lidar com as suas implicações. Fiquei impressionada com a forma como Bahá’u’lláh explicou aquilo que o autor da Epístola aos Hebreus lutou por captar – a natureza divina, mas humana, de Cristo. Eis uma dessas passagens, do Livro da Certeza de Bahá’u’lláh:

Assim, estando a porta do conhecimento do Ancião dos Dias fechada perante a face de todos os seres, a Fonte da graça infinita… fez surgir aquelas Joias luminosas da Santidade vindas do reino do espírito, na forma nobre do templo humano, e manifestarem-se a todos os homens, para pudessem transmitir ao mundo os mistérios do Ser imutável... Estes Espelhos santificados, estes Alvoreceres da antiga glória, são, cada um e todos, os Expoentes na terra d’Aquele que é o Orbe central do universo, a Sua Essência e o Seu Propósito derradeiro. Dele provêm os seus conhecimentos e o poder; d’Ele deriva a sua soberania. A beleza dos seus semblantes é apenas um reflexo da Sua imagem, e a Sua revelação, um sinal da Sua glória imortal. … Estes Tabernáculos da Santidade, estes Espelhos primordiais que reflectem a luz da glória inextinguível, são apenas expressões d’Aquele que é o Invisível dos Invisíveis. Com a revelação dessas Joias de virtude Divina todos os nomes e atributos de Deus, como conhecimento e poder, soberania e domínio, misericórdia e sabedoria, glória, bênção e graça, tornam-se manifestos. (¶106, ¶110)

Aqui, Bahá'u'lláh descreve os Eleitos que Deus envia para nos guiar como espelhos perfeitos apontados directamente para a Luz Primordial, reflectindo a realidade espiritual de Deus de tal forma que possamos reconhecê-la, e voltar os espelhos dos nossos próprios corações para ela. O agente pelo qual esta Luz Grandiosa se reflecte no espelho de carne e sangue é o Espírito Santo.

Com esta descrição, Bahá’u’lláh afirma as palavras que Cristo e os Seus discípulos usaram para explicar a união da divindade e da humanidade que Ele representava. No Jardim do Getsémani, Cristo orou ao Seu divino Pai com estas palavras: “Manifestei o Teu nome aos homens que do mundo Me deste; eram Teus, e Tu mos deste, e guardaram a Tua palavra.” (Jo 17:6)

E na 2ª Epístola aos Coríntios, o apóstolo Paulo também escreveu sobre esta relação entre Deus e Cristo:

Ora o Senhor Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. Mas, todos nós, com cara descoberta, refletindo, como um espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor. (3:17-18)

A mensagem de Paulo é clara: ao contemplar a glória de Deus no espelho de Jesus Cristo, os próprios crentes são transformados em reflectores (embora imperfeitos) das qualidades divinas de Cristo. Esta é a mesma analogia que Bahá’u’lláh sobre o “mistério” da manifestação divina: o espelho humano reflecte a glória do Espírito que é Deus.

Chegamos agora a uma diferença crucial na forma como o Eli e eu entendemos a relação de Cristo com Deus. Eli acredita, como eu já acreditei, que o Espírito de Cristo se manifestou apenas uma vez em toda a tormentosa história da humanidade. Manifestou-Se apenas numa pequena região capturada rapidamente pelas garras do Império Romano. Manifestou-Se por um breve período de três anos entre milhões de anos. Apenas alguns indivíduos foram agraciados com a Sua presença. Aqueles que viviam outras partes do mundo – Índia, Américas, Europa e Ásia – viveram e morreram nas trevas, fora do alcance da luz de Cristo.

Pior do que isso: não receberam qualquer manifestação do Ser a quem Bahá’u’lláh chama “o Orbe Central do Universo”, e a quem Jesus Cristo retrata como o Pai amoroso e omnipotente de todos, e foram deixados a inventar os seus próprios deuses, e por esse motivo as suas almas foram para o inferno (conforme me ensinaram). Isto, apesar do facto de que o seu Grande Espírito ou Espírito Supremo ou Ahura Mazda ou o Absoluto ou Aten-Amen-Ra ou Allah terem uma notável semelhança com o Deus que, por qualquer razão, não os guiou nem Se manifestou a eles.

Esta foi a minha grande questão sem resposta, que levei comigo de igreja em igreja. Era uma questão que colocava o Deus que Cristo revela no Evangelho de Mateus (cap. 7) contra o Deus do púlpito; e isso perturbava-me, perseguia-me: Como poderia o Deus que Cristo revelou fazer o que uma tantos pastores e sacerdotes afirmaram que Ele tinha feito – privar milhões dos Seus filhos humanos da generosidade da Sua palavra, da Sua orientação e do Seu amor porque nasceram no lugar errado e num momento errado?

Penso que esta questão merece uma resposta.

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Texto original: Is Jesus God? A Baha’i Answers (www.bahaiteachings.org)


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Maya Bohnhoff é Baha'i e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.

sábado, 30 de novembro de 2024

Unidade Eterna: Somos Todos Imortais

Por David Langness.


Ó Filho do Homem! A Minha eternidade é a Minha criação, criei-a para ti. Faze-a o traje do teu templo. A Minha unidade é obra das Minhas mãos; fi-la para ti; veste-te com ela, para que possas ser por toda a eternidade a revelação do Meu ser eterno.

Ó Filho do Homem! A Minha majestade é a Minha dádiva para ti, e a Minha grandeza é o sinal da Minha misericórdia para contigo. Aquilo que é digno de Mim ninguém compreenderá, nem pessoa alguma poderá relatar. Em verdade, preservei-o nos Meus relicários ocultos e nos tesouros do Meu mandamento, como sinal da Minha benevolência para com os Meus servos e da Minha misericórdia para com o Meu povo. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe, #64, #65)

“A Minha eternidade é a Minha criação”, diz-nos Bahá’u’lláh nas Palavras Ocultas, “criei-a para ti”.

Acha que a sua vida chegará ao fim em algum momento? A morte parece-lhe definitiva e irrevogável?

Os ensinamentos Bahá’ís dizem, inequivocamente, que esses pensamentos são pura imaginação. Todas as almas humanas, dizem-nos todas as religiões, vivem para sempre:

Incumbe, pois, a todo o homem de discernimento fixar o seu olhar no objectivo da eternidade, para que porventura, pela graça d’Aquele que é o Rei Antigo, possa alcançar o Reino imortal e permanecer à sombra da Árvore da Sua Revelação. (Bahá’u’lláh, The Summons of the Lord of Hosts, p. 169)

A essência dos Ensinamentos de Bahá’u’lláh é o amor que tudo abrange, pois, o amor inclui todas as excelências da humanidade. Faz com que cada alma progrida. Concede a cada um, por herança, a vida imortal. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, nº 31)

Sim, cada um de nós sofre uma morte física – mas os ensinamentos Bahá’ís asseguram-nos que a morte representa apenas o nosso nascimento para uma segunda vida, uma existência intemporal, eterna e perpétua:

A primeira vida, que pertence ao corpo elementar, terá um fim, tal como foi revelado por Deus: “Toda a alma provará a morte”. Mas a segunda vida, que surge do conhecimento de Deus, não conhece a morte, como já foi revelado no passado: “Nós certamente o despertaremos para uma vida abençoada”. (Bahá’u’lláh, Gems of Divine Mysteries, p. 49)

Estas duas citações d’As Palavras Ocultas de Bahá’u’lláh, apresentadas no início deste texto, utilizam uma bela linguagem poética para se referirem directamente àquela segunda vida, a vida eterna, que nos espera a todos:

A Minha unidade é obra das Minhas mãos; fi-la para ti; veste-te com ela, para que possas ser por toda a eternidade a revelação do Meu ser eterno.

A Minha majestade é a Minha dádiva para ti, e a Minha grandeza é o sinal da Minha misericórdia para contigo.

Falando aqui como profeta e voz de Deus, Bahá’u’lláh revela uma grande verdade mística: que o Criador, com majestade e grandeza, forjou a unidade da existência para a nossa edificação eterna. Como seres humanos, diz-nos Bahá’u’lláh, Deus pede-nos que usemos os trajes da obra da unidade, a dádiva eterna de Deus à humanidade. Esta unidade, e a certeza de que ela perdura para além das nossas vidas físicas, ensina-nos que a realidade não pode perecer:

A condição do homem é elevada, grandiosa. Deus criou o homem à Sua própria imagem e semelhança. Dotou-o de um poder enorme que é capaz de descobrir os mistérios dos fenómenos. Através do seu uso o homem é capaz de chegar a conclusões ideais em vez de ficar restrito ao mero plano das impressões sensoriais. Como possui dotes sensoriais em comum com os animais, é evidente que se distingue deles pelo seu poder consciente de compreender realidades abstratas. Ele adquire a sabedoria divina; ele investiga os mistérios da criação; ele testemunha o brilho da omnipotência; alcança o segundo nascimento – isto é, nasce do mundo material tal como nasce da mãe; ele atinge a vida eterna; ele aproxima-se de Deus; o seu coração está repleto do amor de Deus. Este é a base do mundo da humanidade; esta é a imagem e semelhança de Deus; esta é a realidade do homem…

Deveis esforçar-vos para compreender os mistérios de Deus, alcançar o conhecimento ideal e chegar à condição da visão, adquirindo directamente do Sol da Realidade e recebendo uma parte destinada da antiga dádiva de Deus. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, pp. 262-263)

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Texto original: Everlasting Unity: We Are All Immortal (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA

sábado, 23 de novembro de 2024

Como evitar o cansaço, os problemas e a morte

Por David Langness.


Ó Filho do Homem! Muitos dias passaram por ti enquanto te ocupavas com as tuas fantasias e vãs imaginações. Quanto tempo vais permanecer adormecido no teu leito? Levanta a cabeça do sono, pois o Sol subiu ao zénite, talvez possa brilhar sobre ti com a luz da beleza.

Ó Filho do Homem! A luz brilhou sobre ti vinda do horizonte do Monte sagrado e o espírito da iluminação soprou no Sinai do teu coração. Por isso, liberta-te dos véus das vãs fantasias e entra na Minha corte, para que possas estar preparado para a vida eterna e ser digno de Me encontrar. Assim, a morte não te poderá alcançar, nem o cansaço, nem os problemas. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe, #62, #63)

Passaram vários meses desde que escrevi o último texto desta série de artigos sobre o belo e místico livro de Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas. Peço desculpa pela demora – por vezes, exalto-me com a beleza destas palavras e tento meditar nelas todos os dias, e depois uma destas frases fica gravada na minha mente e parece habitar nos meus pensamentos durante meses. Quando isto acontece, levo muito tempo a processar e depois a tentar compreender os significados profundos dos impressionantes aforismos de Bahá’u’lláh.

Foi o que aconteceu com estas duas citações d’As Palavras Ocultas.

Depois de reflectir sobre elas durante algum tempo, parecem resumir e conter a própria essência daquilo que é acreditar. Achei-as tão profundas; e ainda estou a lutar para conseguir entendê-las.

Bahá’u’lláh apela-nos, na primeira citação, a despertar do nosso sono: “Levanta a tua cabeça…” Ele pede-nos para deixarmos para trás as nossas “fantasias e vãs imaginações” e emergirmos da longa noite da alma. Porquê? Porque “o Sol subiu ao zénite, talvez possa brilhar sobre ti com a luz da beleza”.

A noite e a escuridão simbolizam, obviamente, sempre o estado inconsciente; por outro lado, o dia representa a iluminação e o despertar da mente consciente. Nestas frases, Bahá’u’lláh diz-nos que chegou uma nova era de consciência e que o Sol brilha sobre todos nós – que Deus enviou mais uma vez um mensageiro sagrado à humanidade. Anuncia que a luz nasceu de novo, se ao menos acordássemos e olhássemos.

Na segunda citação, Bahá'u'lláh continua a alusão à luz que brilha sobre nós “do Monte sagrado”.

Muitas vezes, nas Escrituras religiosas, o Monte Sinai, ou o Monte sagrado – um dos lugares mais sagrados do Judaísmo, do Cristianismo e do Islão, onde Moisés recebeu os Dez Mandamentos – simboliza o próprio profeta de Deus. A palavra Sinai representa também o coração humano puro, que recebe a luz do profeta.

Uma vez que os Bahá'ís aceitam Bahá’u’lláh como o novo profeta de Deus – o mais recente de uma longa linhagem de mensageiros sagrados como Abraão, Krishna, Buda, Moisés, Cristo e Maomé – estas frases d’As Palavras Ocultas convidam todos “para a Minha corte… ”

A utilização da palavra “Minha” em maiúscula indica que aqui Deus fala directamente connosco através de Bahá’u’lláh, pedindo a cada um de nós que alcance a vida eterna, reconhecendo a efusão de luz que o novo profeta traz. Bahá’u’lláh convida-nos a reconhecer a Sua revelação, a compreender que Deus voltou a falar, a abrir os nossos olhos e a deixar entrar a luz.

Este convite, que Bahá’u’lláh fez a toda a humanidade, contém uma promessa: “Assim, a morte não te poderá alcançar, nem o cansaço, nem os problemas.

Como é que isto é possível? O que significa esta promessa?

Diz-nos que quando reconhecemos o mais recente chamamento de Deus, Ele começa a preparar as nossas almas para poderem estar preparadas para a vida eterna e dignas de O encontrar. Não promete algum tipo de salvação ou recompensa instantânea – em vez disso, Bahá’u’lláh diz que devemos libertar-nos dos “véus das vãs fantasias” para podermos ver claramente e reconhecer a “luz da beleza”.

Assim, a morte não te poderá alcançar …”, escreveu Bahá’u’lláh, oferecendo a todos a vida eterna.

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Texto original: How to Avoid Weariness, Trouble and Death (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA

sábado, 16 de novembro de 2024

Aspirando ao Templo Místico do Ser

Por David Langness.


Ó Filho do Homem! O templo do ser é o Meu trono; purifica-o de todas as coisas, para que ali Eu Me possa estabelecer e habitar.

Ó Filho do Ser! O teu coração é o meu lar; santifica-o para a Minha descida. O Teu espírito é o Meu lugar de revelação; limpa-o para a Minha manifestação.

Ó Filho do Homem! Coloca a tua mão no Meu peito, para que Eu Me possa erguer acima de ti, radiante e resplandecente.

Ó Filho do Homem! Ascende ao Meu céu, para que possas alcançar a alegria da reunião, e do cálice da glória imperecível beber o vinho incomparável. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe, #58, #59, #60, #61)

Estas quatro citações do livro de Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, centram-se todas num tema: a santidade e a beleza espiritual do coração humano.

Nos ensinamentos místicos de todas as religiões e nas Escrituras de Bahá’u’lláh, é-nos dito que Deus é o dono dos nossos corações:

Ele... escolheu os corações dos homens como o Seu próprio domínio. (Bahá’u’lláh, Tablets of Baha’u’llah, pp. 220-221.)

O Deus uno e verdadeiro sempre considerou os corações dos homens como Seus, como Sua propriedade exclusiva – e também apenas comouma expressão da Sua misericórdia insuperável, para que, porventura, as almas mortais possam ser purificadas e santificadas de tudo o que pertence ao mundo do pó, e possam ser admitidas nos domínios da eternidade. (Bahá’u’lláh, Súriy-i-Haykal, ¶214)

Assim, estas quatro citações das Palavras Ocultas, do magnânimo livro de Bahá’u’lláh, contendo pequenos aforismos de sabedoria eterna, contêm alguns conselhos profundos para cada ser humano. Pedem-nos para limpar e santificar a paisagem interior do nosso próprio coração, e fazer dela a morada de pensamentos e emoções sublimes e espirituais. Pedem-nos para guardar os afectos dos nossos corações para o que realmente perdura, em vez das bugigangas brilhantes e das atracções que desaparecem rapidamente do mundo material. Pedem-nos para nos desligarmos do mundo material e voltarmos o nosso olhar para o reino espiritual:

Ó amigo, o coração é a morada dos mistérios eternos, não faças dele o lar das fantasias efémeras; não desperdices o tesouro da tua vida preciosa ocupado com este mundo que se desvanece depressa. Tu vens do mundo da santidade – não prendas o teu coração à terra; és um morador da corte da proximidade – não escolhas a pátria do pó. (Bahá’u’lláh, The Seven Valleys, p. 34.)

O que significa isto?

Numa perspetiva Bahá’í, significa transcender o eu inferior e ascender a um eu superior. Significa elevar-se acima do temporário, aspirar ao permanente e procurar o templo místico do ser:

Abandona os teus próprios desejos, volta a tua face para o teu Senhor e não sigas os passos daqueles que tomaram as suas inclinações corruptas como o seu deus, para que talvez possas encontrar abrigo no coração da existência, sob a sombra redentora d’Aquele que forma todos os nomes e atributos. (Bahá’u’lláh, Gems of Divine Mysteries, pp. 48-49)

Todos viemos de Deus e todos voltamos para Deus. Todas as grandes religiões afirmam esta verdade eterna. Para permanecermos nessa morada eterna, dizem as Escrituras Bahá’ís, devemos “procurar os sopros sagrados do espírito…” Mas o que significa abandonar os nossos próprios desejos e renunciar ao eu inferior? 'Abdu'l-Bahá explica:

Quanto à afirmação n’As Palavras Ocultas, de que o homem deve renunciar a si próprio, o significado é que ele deve renunciar aos seus desejos desmesurados, aos seus propósitos egoístas e aos impulsos do seu eu humano, e procurar os sopros sagrados do espírito, e seguir os anseios do seu eu superior e mergulhar no mar do sacrifício, com o coração fixado na beleza do Todo-Glorioso. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, p. 206)

Este amor profundo, constante e incessante pela “beleza do Todo-Glorioso”, que só pode vir do reino invisível, tem uma pretensão profunda em relação aos nossos corações:

Dá ouvidos, ó povo, àquilo que Eu, em verdade, vos digo. O único Deus verdadeiro, exaltada seja a Sua glória, sempre considerou, e continuará a considerar, os corações dos homens como Seus, a Sua posse exclusiva. (Baha’u’llah, Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, p. 206)

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Texto original: Aspiring to the Mystical Temple of Being (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA