No Kitáb-i-Íqán, Bahá'u'lláh refere-Se à Virgem Maria com as seguintes palavras:
De igual modo, deves reflectir sobre o estado e condição de Maria. Tão profunda foi a perplexidade desse mais belo semblante, tão penosa a sua situação, que ela deplorava amargamente ter nascido. Disso dá testemunho o texto do sagrado versículo onde se menciona que Maria, após o nascimento de Jesus, lamentou a sua condição e gritou: "Oxalá eu tivesse morrido antes disto e tivesse sido uma coisa esquecida, completamente esquecida!" (a) Juro por Deus! Tais lamentações consumiram o coração e abalaram o próprio ser. Tão grande consternação de alma, tamanho desânimo, não poderia ter sido causado senão pela censura do inimigo e pelas cavilações dos infiéis e perversos. Reflecte: qual a resposta que Maria poderia dar ao povo a seu redor? Como poderia ela afirmar que uma Criança, cujo pai era desconhecido, tivesse sido concebida do Espírito Santo? Por isso Maria, aquele Semblante velado e imortal, pegou na sua Criança e regressou para a sua casa. Assim que os olhos do povo caíram sobre ela, levantaram-se vozes, dizendo: "Ó irmã de Araão! O teu pai não foi um homem iníquo; nem a tua mãe foi impudica." (b) [59]Neste breve parágrafo do Livro da Certeza, Bahá'u'lláh faz o elogio da pureza e da inocência da Virgem Maria. Para a maioria dos leitores portugueses poderá ser surpreendente o facto deste parágrafo incluir citações do Alcorão. Na verdade, o Alcorão sustenta que Jesus nasceu após uma gravidez miraculosa de Maria; para o Islão, Maria é uma das personagens mais importantes da história da religião, e o Alcorão contém um Sura com o seu nome. Também é interessante o facto de, tanto no Alcorão como no Kitáb-i-Íqán, Jesus ser frequentemente referido como “o Filho de Maria”.
A este propósito, convém recordar um pequeno texto de Shoghi Effendi onde ele definiu a forma como a religião baha'i encara o Cristianismo:
Quanto à posição do Cristianismo, diga-se, sem a menor hesitação ou equívoco, que a sua origem divina é incondicionalmente reconhecida, que a filiação e divindade de Cristo é destemidamente afirmada, que a inspiração divina do Evangelho é plenamente reconhecida; que a realidade do mistério da Imaculabilidade da Virgem Maria é confessada, e que a primazia de Pedro, o Príncipe dos Apóstolos é sustentada e apoiada. (c)Apesar da Fé Bahá'i recusar os cultos marianos e fenómenos como as aparições (d), esta posição é muito semelhante à da Igreja Católica.
Devo confessar que este é um dos raros temas em que tenho dificuldade em compreender a posição oficial da religião bahá’í. O método bahá'í de interpretação das escrituras diz-nos que quando uma interpretação literal do texto leva a algo que é contrário à ciência e ao senso comum, então devemos procurar os significados simbólicos do texto. Acontece que, ao referir-Se à Virgem Maria, Bahá'u'lláh defende o significado literal do texto.
O fundador da religião bahá’í, afirma ainda que este episódio foi um teste tremendo aos judeus contemporâneos de Jesus; e acrescenta que este tipo de provações tem sido uma constante na história das grandes religiões mundiais: os desígnios de Deus são contrários aos desejos dos seres humanos [61]. “Apesar de todas essas coisas, Deus conferiu àquela Essência do Espírito, Àquele conhecido entre o povo como alguém que não teve pai, a glória de ser Profeta, e fez d'Ele a Sua testemunha para todos aqueles que estão no céu e na terra”[60].
Alguns bahá’ís afirmam a propósito deste episódio que se Deus é Omnipotente então o nascimento miraculoso de Jesus nada tem de surpreendente. Se isso é assim então porque é que a religião baha’i não aceita a ressurreição física de Jesus? Não haverá aqui uma falta de coeirência entre esta posição e defesa da harmonia entre a ciência e a religião?
Como escrevi, tenho dificuldades em aceitar a posição baha'i sobre este assunto; felizmente este não é um dos ensinamentos essenciais da religião bahá'í. No Kitáb-i-Íqán, Bahá'u'lláh apresenta alguns exemplos de afirmações de Manifestantes de Deus cujo objectivo era funcionar como teste para os crentes (e). Pergunto-me se Bahá'u'lláh não estará a testar os Seus seguidores ao defender a imaculabilidade da Virgem Maria. Acreditamos cegamente no fundador da nossa religião ou defendemos o princípio da livre e independente pesquisa da verdade?
--------------------------------
Referências
(a) - Alcorão 19:22.
(b) - Alcorão 19:28.
(c) - Shoghi Effendi, The Promised Day is Come, pags. 113-114
(d) - Ver os posts: Fátima e Ainda sobre Fátima
(e) - No Kitáb-i-Íqán, Bahá'u'lláh refere que Noé prometeu uma data exacta para o cumprimento de uma promessa divina. Quando essa promessa não se cumpriu, alguns dos seus seguidores abandonaram-No.
8 comentários:
É um excelento artigo que merecia um comentário mais aprofundado.
No entanto, permite-nos "descer" à realidade e entendermos que o facto de Jesus não ter tido Pai foi algo de penoso que tanto Ele como a Sua Mãe tiveram de suportar.
Não foi aquele nascimento "maravilhoso" que, por vezes, é transmitido.
Pode ser que algum católico te ajude a ompreender o assunto!
:-)
É, para mim uma questão absolutamente menor, não obstante o artigo é muito interessante. Se não fosses tu Marco, este tipo de assuntos nunca passaria pela cabeça da maioria de nós, digo eu.
Pessoalmente nunca me interessei pela história da Fé Bahá'í, apaixonei-me pelos ensinamentos bahá'ís, pela sua adequação à realidade presente e futura da humanidade, e acima de tudo pela abordagem muito racional e objectiva às questões de índole mais filosófico e espiritual.
Se bem que o assunto que abordas neste artigo possa ser de certa forma considerado espiritual...
Já aqui defendi mais que uma vez esta posição que deixa perplexos os Bahá'ís ("mais racionais"), que, no entanto, não deixa ninguém indiferente.
Se Bahá'u'lláh o afirma, então é uma verdade inquestionável. No entanto, convém saber um pouco da história de Maria - Mãe de Jesus, e, não Mãe de Deus, como alguns católicos defendem "... Santa Maria Mãe de Deus, Rogai por nós pecadores...", pois Maria é realmente Mãe de Jesus que concebeu do Espírito Santo.
Maria vivia no Templo desde a sua meninice, e, quando tinha cerca de treze anos, os doutores da lei decidiram que aquela virgem não poderia continuar no Templo pois iria conspurcá-lo com o sangue menstrual. Assim reuniram os anciãos mais abastados, entre os quais José que era o carpinteiro da corte de Herodes, e que fez uma cama para este, com tal requinte, que demorou três anos a acabá-la. Assim reunidos estes anciãos ir-se-ia decidir quem haveria de ficar com a Jovem Virgem Maria. É nesta parte em que no Evangelho de Maria - considerado apócrifo, por todas as seitas do cristianismo; são cerca de seiscentas -, se diz que o bordão de José floriu e que isso foi interpretado como um sinal divino para que fosse este ancião - tinha cerca de setenta anos, e tinha netos mais velhos que esta Jovem -, que era viúvo, tendo já cinco filhos, entre os quais Tiago e alguns netos e netas.
José envergonhado com situação, andou escondido com a Virgem, e quando esta apareceu grávida, José ficou perplexo pois nunca se tinha aproximado da Jovem. Maria, esse espírito de Pureza, disse-lhe então que um O Epírito Santo, sob a forma de um Anjo, a tinha fecundado.
José aceitou o facto, como mais um milagre divino e, nunca questionou a pureza de Maria a qual desposou, e adoptou Jesus como sendo seu filho legitimo, e, recenseou-o como tal.
Aos olhos do povo, Jesus era filho de Maria e do abastado carpinteiro da corte, José.
É interessante notar que o nome José significa "O Amigo". Os hebreus referiam-se muitas vezes a Moisés como O Amigo de Deus pois foi Aquele que conversou com Deus - através dumas silvas que ardiam e, não se consumiam -, e viveu para o contar.
Assim Maomé também se refere ao povo do Livro e Àquele que conversou com Deus, Moisés, como o Amigo de Deus.
A Virgem Maria, ao que consta, não teve mais filhos, no entanto, os Envangelhos referem-se aos irmãos de Jesus, e, na verdade tinha realmente meios irmãos pois estes eram filhos de José e aos olhos do povo Jesus também era filho de José. Realmente José foi O Amigo de Deus, e Deus deu-lhe o privilégio de o deixar criar O Seu Próprio Filho.
Assim, reitero a Verdade de Bahá'u'lláh, embora também tenha as minhas perplexidades acerca da castidade, da mulher, antes do casamento. E, há outras Verdades para as quais a minha compreensão é demasiado limitada para as compreender, mas não esqueçamos que as verdades que Bahá'u'lláh revelou são para terem uma duração de nunca menos de mil anos, e ainda somos uns bebés com apenas cento e sessenta e três anos. Ainda temos muito que aprender, com muita paciência e humildade, pois a humildade e a paciência foram dois dos atributos concedido por Deus à humanidade.
Meu querido amigo, Pedro Reis, a Fé Bahá'í diz-nos que temos de saber tanto acerca das outras Religiões como da nossa própria Religião.
Se não conhecermos a História da Fé Bahá'í ficaremos só pela rama, e nunca chegaremos aos ramos nem às vergonteas.
Tens razão Elfo, acredito que quanto mais sabemos mais capazes estamos para evoluir espiritualmente, e nesse conhecimento se inclui, a história universal em geral assim como a vida de certas personalidades que, por uma ou outra razão, se distinguiram entre os homens.
Apreciei a versão que apresentaste sobre Maria.
Segundo Bahá'u'lláh a razão é a mais importante das graças concedidas ao ser humano. Compete-nos, pois, não ignorar essa dádiva divina. Não entendo a espiritualidade com algo oposto à racionalidade. Nem consigo conceber que a maturidade espiritual de uma ser humano apenas se consiga à custa da sua racionalidade. Não há relação entre as duas coisas. Também já defendi neste blog que considero que não devemos seguir Bahá'u'lláh cegamente.
Como referi, Bahá'u'lláh apresenta no Iqan exemplos de situações em que as palavras dos Manifestantes não eram supostas funcionar como verdades inquestionáveis, mas apenas como testes. Além do caso de Noé, que referi no post, recordo expressões do género "Passará o céu e a terra, mas as Minhas palavras não hão de passar" (Lc 21:33) e "Sêlo dos Profetas" (Alcorão 33:40). Tanto no Cristianismo como no Islão, estas palavras têm sido motivo para reclamar uma condição especial para os Manifestantes fundadores destas religiões e de confronto com seguidores de outras religiões.
No Kitab-i-Iqan, Bahá'u'lláh ensina-nos a procurar o significado simbólico das Escrituras quando encontramos explicações ou ensinamentos que vão contra a razão. Parece-me lógico pensar que todas as Escrituras possuam simbolismos. Ou vamos pensar que todas as escrituras do passado devem ser entendidas sob uma perspectiva simbólica e as Escrituras Baha'is devem ser entendidas apenas literalmente?
Vejamos um exemplo: afirma-se nas escrituras baha'is que Adão o primeiro dos profetas e fundador da religião sabeana. Se entendermos isto literalmente, temos um problema: Não existem outras Escrituras que falem de um profeta chamado Adão, nem a investigação histórica pode sustentar a sua existência. Se entendermos isto sob uma perspectiva simbólica, as coisas parecem fazer mais sentido. Um simbolismo possível consiste em considerar que Adão simboliza todos os Manifestantes do passado sob os quais não nos chegou informação. Ou seja, numa interpretação literal temos um conflito entre fé e razão; numa interpretação simbólica vemos a harmonia entre a fé e a razão.
Outro exemplo: 'Abdu'l-Bahá afirma que Sócrates esteve na Terra Santa onde teria ficado profundamente impressionado com os valores éticos e espirituais do povo hebreu. Nenhum historiador consegue provar que Sócrates esteve na Terra Santa. Deveremos dar às palavras de 'Abdu'l-Bahá a força de um tratado sobre história clássica e defender que Sócrates esteve mesmo na Terra Santa? Ou devemos perceber que o poder e a influência da Revelação de Moisés foi tal, que os filósofos da antiguidade foram influenciados pelos Seus ensinamentos? Até podemos admitir que Sócrates tenha estado na Palestina, mas isso não é o essencial das palavras de 'Abdu'l-Bahá.
O relato que fazes sobre a Virgem Maria pode existir num ou mais evangelhos apócrifos. Mas que sustentabilidade histórica tem esse relato? Na minha opinião, pouca ou nenhuma. Os evangelhos são um testemunho de vivência de fé de uma comunidade religiosa; não são um relato histórico, apesar de poderem ter alguns resquícios de historicidade. Tentar proclamar uma verdade histórica com base em testemunhos de fé, não será uma forma de tentar reescrever (ou distorcer) a história?
´querido amigo Maarco, no século III existiam para cima de trezentos Evangelhos e só no Concilio de Nícéi que durou 23 anos se chou a acordo acerca dos Evangelhos canónicos que a cristandade daí para a frente passou a utilizar, no entanto, os escritos apócrifos foram mantidos em segredo pelo povo, e, digamos que era uma afirmação alternativa da Igreja Oficial.
Hoje também podemos ver que no Kitab-I-Kan se fala do Livro de Enoch que, no entanto, não está na Bíblia, embora esta fale desse mesmo livro, e, no entanto, também é um livros apócrifos do Holly Book.
Um abraço. Espreita lá os meus posts e diz qualquer coisita.
Um abraço.
Enviar um comentário